terça-feira, 31 de maio de 2016

Fugir ao sedentarismo a sete pés

O sedentarismo é caracterizado pela falta de actividade física, não apenas relativamente à prática desportiva, mas em toda sua amplitude. A pessoa que faz actividades físicas regulares, tais como: limpar a casa, caminhar para o trabalho, ou realizar funções profissionais que exijam esforço físico, não é classificada como sedentária.

O sedentarismo faz com que a saúde da pessoa entre em declínio e esteja mais susceptível ao aparecimento de doenças e por isso considera-se actualmente como um problema de saúde pública e por muitos profissionais da saúde, também é considerada como o mal do século.

A inactividade física é um dos maiores factores de risco no desenvolvimento de doenças cardíacas e para além de problemas do coração, também aumenta a probabilidade do aparecimento de diabetes, de depressão, de obesidade, de problemas de ossos e problemas respiratórios. Ao mesmo tempo a actividade física previne uma série de outros problemas e doenças. Neste contexto, Portugal faz parte dos países com menores índices de actividade física da Europa, tornando a população portuguesa muito exposta aos riscos de doenças.

Por estes motivos (que já me parecem suficientes) e também porque no nosso país, recentemente têm surgido novas políticas exactamente nesta direcção, tais como pode ver nesta notícia de 2ª feira, dia 30 de Maio (veja a notícia aqui), parece-me importante reflectirmos realmente sobre o nosso estilo de vida. Contudo, o objectivo deste artigo não é mostrar que é importante ir para o ginásio ou correr e tornarmo-nos super saudáveis. O meu principal objectivo com este artigo, é conseguirmos reflectir sobre a importância da actividade física no nosso dia-a-dia e de que forma podemos fugir ao sedentarismo, apesar de alguns de nós nunca termos sido pessoas muito dadas ao desporto.

Antes de mais, temos que perceber se acreditamos em determinados mitos sobre o exercício físico e apercebermo-nos que nos podem estar a dificultar em ter uma vida mais saudável. E sim, não são verdade! Exemplos desses mitos: - O exercício cansa muito, - É preciso ter muito tempo para se fazer exercício, - Com idade mais avançada tem que se fazer menos exercícios, - É preciso ter tendência atlética para se fazer exercício.
Depois de desconstruirmos esses mitos, é essencial pensarmos como são as nossas dinâmicas diárias e de que forma as podemos adaptar para que sejam ligeiramente mais saudáveis. Existem muitas pequenas coisas que podem ser feitas, sem alterar o nosso dia-a-dia, mas tornando-nos pessoas mais activas. Pense que todas as tarefas são uma desculpa para nos mexermos.

Tente introduzir pequenos movimentos nas suas actividades de vida diária:
- Preferir escadas a elevadores,
- Andar mais a pé (na utilização dos transportes públicos, descer uma paragem antes ou deixar o carro mais longe),
- Se puder, fazer percursos de bicicleta,
- Saltar à corda,
- Lavar o carro manualmente e encerá-lo,
- Lavar as janelas ou o chão,
- Ao precisar de falar com um colega que está num outro andar ou departamento, porque não falar-lhe pessoalmente, em vez de lhe telefonar ou enviar um email?
- Quando se estiver muito tempo sentado, levantarmo-nos e nem que seja ao irmos à casa de banho (ou em casa entre cada tarefa) porque não colocar a música favorita e dançar?
- Se fazemos uma ou duas pausas para beber um café, talvez possamos aproveitar para caminhar um pouco mais até uma máquina mais distante, ou até ao café mais próximo.

À medida que nos vamos tornando mais activos com a prática desta actividade física, vamos ganhando mais energia e resistência, uma melhor auto-imagem, um maior controlo do nosso peso e reduzimos o risco de diversas doenças.

E que tal escrever já hoje as pequenas mudanças que se vê capaz de introduzir no seu dia? Pense em si e na sua saúde! E seja criativo!

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


domingo, 29 de maio de 2016

Que Brinquedo oferecer ao meu Filho?


Escolher o brinquedo mais adequado para cada fase do desenvolvimento da criança é fundamental para estimular a sua curiosidade e as suas habilidades motoras e intelectuais, contribuindo para o seu crescimento.
O brinquedo ideal é aquele que representa um desafio para a criança que o recebe e que se encontra um pouco à frente do seu grau maturativo, sem no entanto ser demasiado avançado ao ponto de a poder desmotivar.  
A tabela seguinte dá a conhecer as aquisições e as aprendizagens inerentes a cada etapa do desenvolvimento infantil e os brinquedos mais indicados para cada faixa etária que contribuem para o desenvolvimento motor, cognitivo, emocional e social da criança.


DO NASCIMENTO AOS 2 ANOS

DOS 3 AOS 5 ANOS


DOS 6 AOS 8 ANOS

DOS 9 AOS 12 ANOS



Os brinquedos devem promover a estimulação dos sentidos, permitindo a experimentação por meio do tato, da audição, do olhar, do paladar ou do olfato. Os mobilies coloridos, colocados por exemplo sob o berço, estimulem  os sentidos através das suas formas, texturas e  sons.
Os brinquedos devem ser macios, coloridos, com diferentes texturas e produzir algum som, sem ser em exagero. Não devem ter peças pequenas e perigosas que se possam soltar e ser engolidas ou aspiradas, nem bordas afiadas que possam magoar.


Os brinquedos devem estimular o conhecimento, o raciocínio, a memória, a coordenação motora e também a imaginação.  As brincadeiras de faz de conta ajudam a simular a vida familiar e social das crianças, a representação de vários papeis, a encenação de conflitos e a elaboração dos mesmos
Podem ser inseridos jogos com regras fáceis, que permitam trabalhar o raciocínio e as emoções, e em que através do perder e do ganhar a criança possa começar a trabalhar a resistência à frustração.
Os brinquedos que estimulem brincadeiras ao ar livre e em grupo são igualmente importantes ao nível da socialização.


São indicados jogos de regras mais complexas e brinquedos que estimulem o espírito inventivo, a imaginação, o raciocínio lógico e conceitos matemáticos. As crianças devem ser estimuladas a ler e a realizarem atividades que envolvam habilidades físicas e que promovam a convivência em grupo e a aprendizagem social.

As crianças e pré-adolescentes começam a desenvolver habilidade específicas e a definir os seus gostos e os seus interesses, pelo que é conveniente indagar sobre isso. No entanto, importa continuar a estimular a sua capacidade de raciocínio e a sua criatividade.

Brinquedos Indicados

* mobilies coloridos
* brinquedos de berço
* chocalhos
* mordedores (aliviam o desconforto do nascimento dos dentes)
* chaves coloridas, rocas e  bolas com guizos
* brinquedos de borracha para apertar
 * brinquedos flutuantes, eletrónicos, de empilhar, blocos para encaixar e alinhar  que incentivam o sentar e o gatinhar
* bonecos e carrinhos 
* livros apelativos com imagens coloridas
* brinquedos que emitam som quando se pressiona um botão (relação de causa-efeito)

Brinquedos Indicados

* bonecas, casinhas, carrinhos
* animais de plástico (domésticos ou selvagens)
* cozinhas, quintas, meios de transporte
* conjuntos de pintura
* instrumentos musicais
* triciclos
* puzzles
* plasticina
* quadro negro com giz.
* jogos didáticos
* livros de contos infantis
* livros de atividades.
* legos e construções


Brinquedos Indicados

* jogos de tabuleiro
* jogos eletrónicos
* quebra-cabeças
* argila para moldar
* puzzles
* legos
* construções
* bicicletas
* bolas
* artigos de desporto
* conjuntos de pinturas      
* livros de contos infantis
* livros de atividades

Brinquedos Indicados

* livros
* instrumentos musicais
* jogos de mágica
* kits de química
* jogos eletrónicos
* música
* jogos de tabuleiro
* jogos de mesa
* artigos desportivos
.

Antes de comprarem um brinquedo para as crianças é importante os pais refletirem sobre as seguintes questões.
1 – O brinquedo incentiva o desenvolvimento de habilidades físicas ou intelectuais no meu filho?
2 - O brinquedo/jogo é adequado para uma interação com outras crianças ou jovens?
3 – O brinquedo permite-me brincar/jogar com os meus filhos?
4 - O retorno é proporcional ao investimento?
5 - O brinquedo é oferecido para promover o desenvolvimento dos meus filhos ou como uma forma de compensar a minha ausência?

Mais importante que os brinquedos em si são as próprias brincadeiras que podem ser feitas com poucos recursos, o essencial é usar a imaginação e meios que possibilitem a exploração de diferentes linguagens como a musical, corporal, gestual, escrita.



sexta-feira, 27 de maio de 2016

(Des)Procrastinar... Primeiros Passos

Há algum tempo, escrevi sobre Procrastinação: a “arte” de adiar tarefas que precisamos cumprir, e que implica um mal-estar ou mesmo culpa relativamente ao que se adiou. Para além da culpa, e das consequências adversas por não se realizar a tarefa, a procrastinação parece conduzir, também, a uma baixa sensação de auto-eficácia, a inadequação, incerteza, ansiedade, autodepreciação, depressão...
Muitas pessoas referem que adiam determinada tarefa por não se sentirem na “disposição certa” para a completar, e, assumido este adiamento, acabam por se distrair com actividades de menor prioridade (como ver o email, ler as notícias, arrumar o espaço envolvente...). Quando dão conta, sentem-se culpadas por terem desperdiçado tanto tempo, o que piora ainda mais a “disposição” para realizar a tarefa, e ficam a sentir-se pior do que se sentiam antes de a terem interrompido ou adiado.
Para parar de procrastinar parece ajudar perceber porque se procrastina. As causas podem ser internas, como as nossas atitudes, crenças e pensamentos, ou externas, mais relacionadas com a relação que temos com os outros.
Esperar que chegue o “momento certo” para realizar determinada tarefa parece ser um comportamento comum em procrastinadores. A motivação é, sem dúvida, um factor importante na concretização de determinadas tarefas, mas primeiro vem a acção produtiva. É dela que virá a força para fazer mais!
Há também o perfeccionismo, outro aliado da procrastinação! Somos educados com a ideia de que devemos fazer sempre as coisas perfeitas... o “melhor possível” (ou procura saudável do melhor) parece pouco, insuficiente. Mas, na verdade, esta pressão e esforço excessivo parecem afastar-nos de concretizar o nosso objectivo: por vezes, sentimo-nos de tal forma pressionados por uma expectativa demasiado elevada, que acabamos por nos sentir bloqueados, impotentes, incapazes de concluir a tarefa com a qualidade que lhe exigimos, e, portanto, acabamos por não a realizar, procrastinando. Um mau desempenho pode levar-nos a pôr em causa o nosso valor enquanto pessoa e, por isso, acabamos por preferir evitar determinadas situações. Assim, se reduzimos a pressão que colocamos sobre nós mesmos, reduzindo também as expectativas acerca do resultado da nossa tarefa, poderemos experienciar uma sensação de relaxamento, o que poderá permitir-nos uma maior capacidade de sermos criativos e produtivos.
O medo do desconhecido muitas vezes surge associado a esta ideia de perfeccionismo e pode também levar a procrastinar. Se nos estamos a arriscar em novos desafios, é difícil sabermos como vai ser o nosso desempenho. A incerteza, a dificuldade em lidar com situações inesperadas, sem que o sucesso seja garantido, pode também levar ao evitamento de novos desafios e oportunidades.
Contudo, uma causa bastante comum da procrastinação é, precisamente, a falta de vontade. Ou seja, frequentemente adiamos determinada tarefa porque, “simplesmente”, não queremos de todo realizá-la, ou porque, devido a alguma dificuldade em sermos assertivos, aceitamos fazer coisas que na realidade não queríamos fazer – assim, ao recearmos a desaprovação ou criticismo dos outros, procuramos ir ao encontro das expectativas deles, e assumimos um compromisso que não desejamos. Isto pode fazer-nos adiar a tarefa, uma vez que nos sentimos ansiosos de cada vez em que pensamos em concretizá-la.  Neste caso, a procrastinação pode ser vista como uma forma de protesto ou “greve” indirecta.

Percebemos assim que podem haver muito boas razões para procrastinarmos. Em vez de nos culpabilizarmos por não estarmos a realizar essa tarefa, de repetirmos vezes sem conta para nós mesmos que “temos” ou “devemos” mesmo realizá-la, por que não questionarmo-nos se ela é ou não uma prioridade para nós?! Se é, efectivamente, algo que desejamos ou necessitamos ver cumprido. Podemos surpreender-nos e perceber que afinal não queremos mesmo aquilo para nós, e escolher conscientemente não o fazer. Libertador, não?!

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

A importância da perspectiva do paciente

"Listen to your patients; let them teach you. To grow wise you must remain a student."
(Escuta os teus pacientes; deixa-os ensinarem-te. Para cresceres em sabedoria deves permanecer aluno.)
John Whitehorn
(citado por Irvin Yalom em Momma And The Meaning Of Life: Tales of Psychotherapy)

É relativamente comum ouvir, em desabafos dos pacientes relativamente às suas próprias vivências, frases semelhantes a “A Ana Luísa saberá melhor do que eu...”. Mas não sei!
Como referi na minha apresentação na ClaraMente, o processo psicoterapêutico, para mim, começa como que uma dança em que procuro escutar a melodia do outro, descobrindo-lhe os tons e aceitando os seus próprios ritmos. É o outro quem, muito melhor do que eu, conhece os seus tempos, os seus movimentos, as suas lesões. É o outro quem traz para esta nossa dança a música, a história do bailado, os improvisos, ou o receio de os arriscar...
Nichols (1995) referiu que escutar é “a arte pela qual usamos a empatia para alcançar o espaço que existe entre nós [terapeuta e paciente]... Uma escuta genuína implica suspender memória, desejo e julgamento, e, pelo menos durante uns momentos, existir para a outra pessoa.”.
Tenho passado os últimos quase quinze anos a estudar e a aprender acerca das pessoas, dos pacientes. Uma aprendizagem enriquecedora, estimulante, dinâmica, prazerosa, e essencial à minha profissão. Ainda assim, a aprendizagem maior começou há quase dez anos, quando, finalmente, comecei a aprender com os pacientes, com as pessoas com quem tenho tido o privilégio de trabalhar e de acompanhar o crescimento. Têm sido estas pessoas quem mais me tem ensinado acerca delas e a ser melhor terapeuta. Acredito que é o outro, o paciente, quem nos pode também ensinar a fazer melhor terapia.
Se cerca de 30% da variância do resultado da psicoterapia é atribuída ao paciente (40% é inexplicável e os restantes 30% são atribuídos aos factores combinados (Norcross & Lambert (2011)), quem melhor que o próprio paciente para nos ajudar a compreender o que realmente permite a mudança, o crescimento, em psicoterapia?
A investigação em psicoterapia tem evoluído ao longo dos tempos, tendo-se passado, numa fase primordial, de uma investigação que parece ter surgido da curiosidade dos terapeutas compreenderam o que se passava em sessão, passando pelo estudo dos resultados obtidos em terapia. Tendo-se comprovado a eficácia da psicoterapia, o foco foi virado para a identificação de qual o melhor tratamento para cada problemática. Contudo, chegou-se a uma supreendente conclusão, conhecida no mundo científico como o veredicto do pássaro Dodo (de Alice no País das Maravilhas): “Todos ganham, e todos merecem prémios” – o que significava que os resultados de diferentes abordagens psicoterapêuticas revelaram-se semelhantes em populações clínicas. Ou seja, o modelo terapêutico parecia não ser tão relevante quanto isso.
Um novo passo na investigação em psicoterapia levou a que dicotomização entre investigação de processo (a compreensão daquilo que acontece na sessão sem compreender o seu impacto) e investigação de resultado (medir os efeitos da psicoterapia sem saber o que aconteceu durante as sessões) desse lugar a uma nova perspectiva: a Change Process Research (cuja tradução literal pode ser Investigação do Processo de Mudança), definida por Robert Elliot (2010) como o “estudo dos processos pelos quais a mudança acontece em psicoterapia, incluindo os processos facilitadores de mudança que acontecem em terapia, e a sequência das mudanças do paciente (que mudanças ocorrem primeiro e levam a que mudanças subsequentes do paciente)”. Compreendeu-se que importa considerar a experiência do paciente em terapia: as suas sensações, percepções, pensamentos e sentimentos durante e relativos às sessões de psicoterapia (Elliott & James, 1989). Até porque estas experiências permitem a definição de princípios orientadores da prática psicoterapêutica, permitindo aos terapeutas aprender efectivamente a partir das experiências dos pacientes (Levitt, Butler, & Hill, 2006).
Uma abordagem personalizada em saúde mental está, felizmente, a ser cada vez mais reconhecida, procurando considerar a singularidade dos pacientes: as suas necessidades específicas e as suas opiniões sobre o processo de tratamento (Sales & Alves, 2012). Nesse sentido, e seguindo o ensinamento do Professor John Whitehorn, espero manter a humildade de reconhecer a sabedoria de cada pessoa acerca de si mesma e do seu processo... até porque ignorar a perspectiva do paciente acerca do seu próprio processo seria obviamente um erro.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.



Referências:
. Elliott, R., & James, E. (1989). Varieties of client experience in psychotherapy: An analysis of the literature. Clinical Psychology Review, 9, 444.
. Elliott, R. (2010). Psychotherapy Change Process Research: Realizing the promise. Psychotherapy Research , pp. 123-135.
. Levitt, H., Butler, M., & Hill, T. (2006). What Clients find Helpful in Psychotherapy: Developing Principles for Facilitating Moment-to-Moment Change. Journal of Counseling Psychology , pp. 314-324.
. Nichols, M.P. (1995). The lost art of listening. New York: Guilford Press.
. Norcross, J. C., & Lambert, M. J. (2011). Evidence-based therapy relationships. In J. C Norcross, (Ed.), Psychotherapy relationships that work: Evidence-based responsiveness (pp. 3–24). New York, NY: Oxford University Press.

. Sales, C., & Alves, P. (2012). Individualized Patient-Progress Systems: Why We Need to Move Towards a Personalized Evaluation of Psychological Treatments. Canadian Psychology / Psychologie Canadienne , pp. 115-121.

domingo, 22 de maio de 2016

A Importância do Brincar no Desenvolvimento da Criança






Atualmente é inegável a importância do brincar no desenvolvimento social, emocional e cognitivo da criança.
No entanto, e apesar do contrassenso que é, as crianças têm cada vez menos tempo para brincar, em prol de agendas assoberbadas em atividades extracurriculares e deveres escolares.
O brincar fica relegado para segundo plano e a preocupação dos pais recaí sobretudo em saber se os filhos estudaram ou não, sem perceberem que nenhuma criança desenvolverá todo o seu potencial se a brincadeira não fizer parte da sua vida.
É importante frisar que o brincar e o jogar não se resumem apenas a formas de divertimento e de prazer para a criança, mas são meios privilegiados dela expressar os seus sentimentos e aprender.
Por intermédio da brincadeira, a criança explora e reflete sobre a realidade e a cultura na qual está inserida, interiorizando-a. A experimentação de diferentes papéis sociais (o papel de mãe, pai, bombeiro, super-homem) através do faz-de-conta, permite à criança compreender o papel do adulto e aprender a comportar-se e a sentir como ele, constituindo-se como uma preparação para a entrada no mundo dos adultos. A criança procura assim conhecer o mundo e conhecer-se a si mesma.
Por outro lado, através da brincadeira, a criança tem oportunidade de  simular situações e conflitos da sua vida familiar e social, o que lhe lhe permite a expressão das suas emoções. Brincar é uma forma segura das crianças encenarem os seus medos, as suas angústias e a sua agressividade e de tentarem elaborar e resolver os seus conflitos internos. Os jogos, nos quais está implícito o perder e o ganhar, permitem que a criança possa começar a trabalhar a sua resistência à frustração. Aprender a lidar com esse sentimento é essencial para o seu equilíbrio emocional e para o desenvolvimento da personalidade.
Outro aspeto importante do brincar é o desenvolvimento do raciocínio, da atenção, da imaginação e da criatividade, na medida em que as brincadeiras trazem novas linguagem e ajudam a criança a pensar, se quisermos, a pensar a realidade de forma criativa.
O brincar desempenha um papel igualmente importante na socialização da criança, permitindo-lhe aprender a partilhar, a cooperar, a comunicar e a relacionar-se, desenvolvendo a noção de respeito por si e pelo outro, bem como sua auto-imagem e auto-estima.
Os benefícios do brincar são inesgotáveis e como tal é muito importante que os pais não se esqueçam de definir na agenda da criança um espaço diário para não fazer nada – é aí que surge o espaço para brincar.
Os pais têm um papel fundamental no que respeita  à preparação dos espaços, à seleção dos brinquedos e dos contextos a serem explorados, proporcionando à criança um ambiente de qualidade e enriquecedor da imaginação infantil, que estimule as interações sociais com outras crianças, familiares e amigos. Importa lembrar que enriquecedor não significa proporcionar brinquedos caros, mas meios que permitem a exploração de diferentes linguagens como a musical, corporal, gestual, escrita.
O adulto pode e deve participar na brincadeira, uma vez que o seu envolvimento não só estreita os laços afetivos com a criança como também aumenta o seu nível de interesse e motivação. Na interação, o adulto tem oportunidade de conter e ajudar a criança na elaboração das inquietações que surgirem durante a brincadeira, bem como enriquecer e estimular a imaginação da criança, despertando-lhe ideias e questionando-a para a descoberta de soluções.

Citando Winnicott (1975) "a brincadeira é universal e é própria da saúde: o brincar facilita o crescer, logo a saúde".

Por isso, sempre que lhe seja possível, brinque muito com o seu filho e conceda-lhe uma boa parte do dia para ele brincar! Dessa forma, estará a promover o seu crescimento feliz e saudável!



quinta-feira, 19 de maio de 2016

Mente sã em corpo são - uma construção diária

Dia 21 de Maio é o dia Nacional e Europeu de Obesidade, que visa sensibilizar a população para os perigos da obesidade e doenças associadas. Assim, aproveito este dia, não para sensibilizar apenas para os perigos da obesidade, mas para uma reflexão mais geral dos perigos das perturbações alimentares. Mais especificamente, sobre a importância que damos ao corpo e de que forma nos importamos realmente com o nosso bem-estar.
Se por um lado, temos uma sociedade que cada vez dá mais importância à imagem, e por isso nesta altura do ano começam as publicidades de todas e mais algumas marcas de comprimidos que nos fazem emagrecer, anúncios aos ginásios que tendem a encher a partir destes meses, tal como a saírem livros com as 1001 formas de fazermos dieta, por outro lado, temos a Organização Mundial de Saúde a revelar níveis preocupantes de excesso de peso resultantes de uma má alimentação e inactividade física, visto Portugal ter uma das maiores taxas de obesidade da União Europeia (quer a taxa infantil como a dos adultos).

Simplesmente, é preocupante! Estaremos a tentar encontrar formas fáceis e rápidas para chegarmos à imagem ideal, sem contudo alterar os nossos hábitos? Estaremos nestes meses a tentar “compensar” a falta de investimento no nosso bem-estar que tivemos ao longo do ano? Será esta preocupação real, apesar de sazonal? Podemos reflectir e sugerir várias possibilidades para tentar explicar estas situações, contudo o que mais me interessa é fomentar uma reflexão consciente sobre a relação que temos com o nosso corpo e que relação criamos com a comida.

Todos nós temos hábitos e costumes alimentares diferentes e é natural que a forma como nos alimentamos seja afectada por vivências e acontecimentos na nossa vida que nos fazem sentir mais ansiosos, mais tensos, irritados ou tristes. É comum o desejo de comer mais, ou comer alimentos específicos como por exemplo o chocolate, ou perdermos o apetite quando nos sentimos mais tristes. E, naturalmente quando as situações são ultrapassadas o nosso padrão alimentar regressa ao usual. Contudo, caso essa alteração (de comer muito mais ou de comer muito menos) se prolongue no tempo, podemos desenvolver uma perturbação alimentar. A forma como encaramos a comida pode-se alterar e o nosso dia-a-dia pode até ser gerido com a comida como tema central. Os nossos pensamentos podem começar a ser constantes e relacionados com a comida (ou com o nosso peso) e podemos não comer apesar de termos fome, ou comer constantemente ou compulsivamente, mesmo sem termos fome.

Apesar de termos aqui o conceito de comida como tema central, visto muitas das vezes os hábitos e costumes alimentares serem uma fonte de dificuldade no encontro com uma alimentação saudável e equilibrada, as perturbações alimentares também estão relacionadas com outras dificuldades e problemáticas, e muitas vezes a comida é uma forma de fuga / compensação, para desviarmos a atenção de outros problemas emocionais e afectivos. Existem várias perturbações alimentares: a anorexia, a bulimia e as compulsões alimentares (que muitas vezes estão na base da obesidade). Todas elas se caracterizam por uma preocupação exagerada com a alimentação, o exercício físico, o peso ou a forma do corpo.

Como podemos ter uma mente sã em corpo são? Naturalmente, todos nós gostaríamos de ter acesso à fórmula mágica, de preferência que não desse muito trabalho. Se calhar a grande maioria de nós gostaria de poder comer tudo o que gosta sem restrições e se calhar não praticar muito desporto... Não vale a pena iludirmo-nos, porque sim, requer trabalho. Muito? Pouco? Depende... Mas se tentarmos retirar prazer nisso, esse trabalho será sem dúvida bem mais fácil. É importante olharmos para esse trabalho como um processo de toda a vida, uma construção diária, em que damos atenção ao que estamos a sentir, aos sinais que o nosso corpo nos vai transmitindo e vamos criando o nosso caminho, cuidando-nos. À medida que nos vamos nutrindo emocionalmente, melhor será a nossa saúde física, não só pelos problemas físicos associados à falta de nutrição emocional, mas pela disponibilidade mental que nos permite cuidarmo-nos, mimarmo-nos, estarmos connosco e querer-nos bem. Relativamente à alimentação, acredito que possamos encontrar alimentos e pratos muito saborosos com alimentos mais saudáveis; e na questão da actividade física, também acredito que haja algo que nos divirta e que ajude a gastar calorias. Dançar? Correr? Nadar? Andar de bicicleta? Fazer caminhadas? Saltar à corda? Jogos de equipa – futebol, andebol, basquetebol, voleibol? Surf? Escalada? Remo? Artes marciais?... 

Cabe a cada um de nós encontrar e decidir qual o melhor caminho para uma boa saúde e bem-estar.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

terça-feira, 17 de maio de 2016

Quero ser realmente assertivo? Como posso ser mais assertivo?

Algum tempo atrás escrevi aqui no blogue o artigo “A importância de nos fazermos entender”, onde coloco que no meio profissional, mas também no ambiente familiar, conjugal e social, é essencial uma boa comunicação, para facilitar o desenvolvimento de relações saudáveis e evitar desentendimentos. Hoje vou-me focar apenas num aspecto da comunicação, mas aspecto esse essencial para a construção de qualquer relação saudável: a assertividade.

Muitas pessoas confundem o ser assertivo com o ser simpático, amável e dizer tudo o que pensa. Há outras pessoas que acham que o ser assertivo é ser um pouco arrogante. Então e se eu disser que a assertividade é um equilíbrio? A assertividade é a capacidade de defendermos os nossos próprios direitos e exprimir pensamentos, sentimentos e convicções de forma apropriada, directa e honesta, sem nos deixarmos manipular, sem manipular e sem violar os direitos dos outros. É um estilo de comunicação que nos permite ser mais constructivos na relação com os outros, proporcionando uma maior proximidade entre as pessoas e uma maior satisfação na comunicação das nossas emoções. Não é uma característica inata ou um traço de personalidade, o que acontece é que as aprendizagens que fazemos ao longo da nossa vida nos conduzem a que, num determinado momento, tenhamos ou não a capacidade de nos comportarmos de forma assertiva. A assertividade é uma aptidão que pode ser aprendida, que cada um pode desenvolver através de treino.

Embora seja difícil dizer quais os motivos específicos que fazem com que em determinados momentos e com determinadas pessoas, tenhamos dificuldade em nos comportarmos de forma assertiva, existem alguns factores que podem ser considerados, tais como: punição (se no passado existiram punições físicas ou verbais pelo comportamento assertivo em momentos semelhantes), reforço (se em situações anteriores existiram recompensas pelo comportamento não assertivo em momentos semelhantes), modelagem (por observação e imitação do comportamento não assertivo de pessoas próximas e significativas, como por exemplo os pais), falta de oportunidade (se no passado não existiram oportunidades para se aprender formas de comportamento mais adequadas e assim, quando ocorre uma situação nova, não se sabe como gerir e surge a sensação de desconforto por essa falta de conhecimento), padrões culturais e crenças pessoais (por exemplo “é falta de educação recusar a pedidos”, ou “quero que todas as pessoas gostem de mim”, que se aprende ao longo da vida, podem ser determinantes contra a assertividade, resultando em respostas não assertivas), incerteza relativamente aos próprios direitos (por não se saber os direitos em determinadas situações sociais).

Assim, e voltando ao que disse acima, a assertividade é uma aptidão que pode ser aprendida, que cada um pode desenvolver através de treino, ou seja, a assertividade acaba por ser uma escolha e da mesma forma que aprendemos a comportarmo-nos de uma maneira não assertiva, podemos aprender um conjunto de competências que nos permita comportarmo-nos de forma mais assertiva.

E já agora, quais as vantagens de sermos assertivos? Ao sermos assertivos temos respeito por nós próprios e valorizamos a nossa opinião ao mesmo tempo que respeitamos que o outro tem uma opinião diferente, reduzimos a sensação de insegurança e vulnerabilidade, aumentamos a nossa autoconfiança e a autoconfiança no relacionamento com os outros, e diminuímos a necessidade de aprovação daquilo que fazemos. A assertividade permite defendermos os nossos direitos, que as nossas preferências sejam respeitadas e as nossas necessidades satisfeitas. Agir de forma assertiva não tem como objetivo ganhar, mas sim de considerar os interesses de ambas as partes envolvidas e de os negociar para que se chegue a um acordo.

Então... como nos podemos tornar mais assertivos? A primeira mudança é interna, porque podemos dizer que queremos ser mais assertivos, mas determinados pensamentos bloqueadores estarem a criar resistência na nossa acção. É importante percebermos o que realmente está na base desses pensamentos, porque muitas vezes reflectem uma crença nossa, importante a ser explorada.

E por fim, deixo aqui uma sugestão, porque não escrever uma lista dos seus direitos? Por exemplo:
- Tenho o direito de ser respeitado e tratado de igual para igual, independente da situação, das minhas funções ou do meu estatuto social,
- Tenho o direito de manter os meus valores, desde que eles respeitem os direitos dos outros,
- Tenho o direito de pensar antes de agir ou de tomar uma decisão,
- Tenho o direito de expressar os meus sentimentos e opiniões,
- Tenho o direito de mudar de opinião,
- Tenho o direito de expressar as minhas necessidades e de pedir o que quero,
- Tenho o direito de dizer NÂO sem sentir culpa por isso,
- Tenho o direito de pedir ajuda e de escolher se quero ajudar alguém,
- Tenho o direito de cometer erros, sem sentir culpa,
- Tenho o direito de ter os meus objectivos e de lutar para os atingir, respeitando os direitos dos outros.
- Tenho direito de ...

 Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 15 de maio de 2016

Como podem os pais aliviar a ansiedade dos filhos em relação aos testes?




A menos de um mês de terminar o ano letivo, a fase dos testes está agora a tornar-se mais intensa nas escolas, aumentando a pressão emocional nos alunos para tirarem boas notas e transitarem de ano.
Efetivamente a ansiedade e o stress não são uma realidade exclusiva dos adultos, também os jovens se debatem com desafios e exigências no seu quotidiano, quer sejam matérias complexas, professores, cargas horárias ou até a necessidade de tirarem boas notas. E se a existência de uma ansiedade moderada é positiva e funciona como uma fonte de energia que ajuda o jovem a mobilizar-se para os seus objetivos, já a ansiedade excessiva torna-se disfuncional e bloqueadora, levando o jovem a sentir-se incapaz de atingi-los. Neste último caso, é frequente encontrarmos quadros de preocupação crónica, queixas de dores sem causa aparente, oscilações bruscas de humor, irritabilidade, alterações bruscas do sono ou mesmo recusa em ir para a escola.
O alívio da pressão é fundamental e os pais podem ter aqui um papel fundamental, na medida que desde logo se constituem como modelos de referência e como tal podem ensinar os seus filhos a combater o stress sendo um exemplo disso.
A moderação das expetativas dos pais é outro dos aspetos a ter em conta, na medida em que posturas muitos perfecionistas e voltadas para os resultados, podem promover o desenvolvimento de quadros de ansiedade aliados a sentimentos de insuficiência e incapacidade por parte dos filhos. As crianças são muito sensíveis às expetativas dos pais e têm uma grande necessidade de cumpri-las para se sentirem amadas e fazerem os pais felizes. Quando a criança chega a casa com um resultado negativo e tal não é bem recebido, havendo uma sobrevalorização da falha em vez do sucesso, tal conduz à interiorização de um sentimento de desvalia e incompetência por parte da criança, com prejuízo ao nível da sua auto-estima. Os resultados negativos deveriam ser encarados como oportunidades de aprendizagem no percurso de vida da criança e não como oportunidades de culpabilização e crítica. Tão ou mais importante que elogiar os bons resultados, é elogiar o esforço que foi feito, mesmo que a nota não tenha sido positiva.
No sentido de atenuar a pressão e a ansiedade dos jovens, é muito importante o estabelecimento de uma rotina por parte dos pais na medida em que tal é organizador e transmite segurança e tranquilidade.  
Na rotina diária tem de ser contemplado tempo livre de brincadeira, atividade e lazer, não esquecendo que no mínimo o jovem deve dormir cerca de 8 horas.
Em fase de testes e exames pode ser útil o recurso a um calendário ou agenda, com as suas rotinas e a marcação do dia dos testes, de modo a permitir o planeamento do trabalho e estudar com antecedência.
Nas maratonas de estudo importa o estabelecimento de pausas para o corpo e a mente recuperarem, sendo igualmente útil a prática de exercício físico na medida em que a ansiedade é canalizada para o esforço físico.

“Mais importante que as notas são os bons alunos. Daqueles que erram e que aprendem. E mais importante, ainda, que os bons alunos são aqueles que, tendo “várias vidas”, são bons alunos, bem educados e boas pessoas.”
Eduardo Sá


sexta-feira, 13 de maio de 2016

"Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor"... e de si mesmo?!?

Quantas vezes já nos detivémos a tentar responder à questão “O que é que eu realmente quero?”? “Ser feliz” e/ou “ser saudável” poderão ser hipóteses integradas na resposta, mas são afirmações que, por si só, são demasiado vagas, e em que nos envolvemos pouco... quase como se fossem um lugar para onde basta apanhar um avião, desfazer as malas à chegada e permanecer.
Como é que por vezes essa ideia de alcançar felicidade, que nos parece aquilo que mais queremos, pode deixar-nos, ao mesmo tempo, tão desiludidos e mesmo aterrorizados? Em parte, porque muitas vezes preferimos escolher, mesmo que seja difícil, o que nos é familiar (e por isso confortável) do que o que nos é estranhamente gratificante ou bom.
Muitos de nós crescemos a ouvir a ladaínha do “serei feliz quando...” (“passares de ano”, “nos mudarmos para uma casa maior”, “formos de férias”, etc.), e rapidamente cada um de nós aprende também que será “feliz quando”: “for para escola”, “me derem presentes”, “deixar a escola”, “arranjar um bom emprego”, “casar”, “tiver filhos”, ou mesmo  “me divorciar”... a perspectiva é de que aí, quando o futuro chegar, seremos finalmente felizes. Este esforço constante por alcançarmos as "coisas" da vida que acreditamos que irão trazer-nos felicidade por vezes parece dominar-nos e afastar-nos da ideia de que a felicidade, a alegria, o prazer, as “coisas” boas da vida existem e acontecem... agora!
Não surtirá grande (algum?) efeito esperarmos que cheguem esses momentos, até porque poderá surgir a sensação de que não era aquilo que esperávamos, que, afinal, não fomos inundados por uma enorme satisfação, prazer e plenitude.
Procurar alcançar aquilo que se deseja pode ser sentido como insuportavelmente arriscado: é como se o desconhecido nos colocasse à mercê do destino, da esperança, daquilo que não podemos controlar, e, consequentemente, à possibilidade de perda. Ao não tentarmos, ao boicotarmos os nossos próprios planos, apesar de quase inevitavelmente nos podermos sentir tristes por não alcançarmos o que ambicionamos, ficamos simultaneamente mais tranquilos e com uma maior sensação de segurança e controlo. Isso faz com que, de alguma forma, nos seja possível dizer “Está tudo bem”. Dizemo-lo aos outros (para não os preocupar, por exemplo), mas tentamos dizê-lo também a nós próprios porque assim não temos que mudar nada na nossa vida, não precisamos de nos esforçar... porque “Está tudo bem”! Na verdade, não está. Sabemos no nosso interior que desistimos daquilo que tanto desejamos, por sentirmos que exigia um risco demasiado grande para o nosso conforto presente. Contudo, há uma coisa que é importante termos em conta nesta situação: nunca nos vai parecer (nem aparecer) o momento certo!
Ao nos questionarmos acerca daquilo que pretendemos alcançar, importa procurar respostas mais operacionalizáveis, e que nos comprometam a nós mesmos (e não a divindades, genética, sorte ou acasos) na sua concretização.
Por vezes, o caminho pode passar por nos “forçarmos” a fazer as coisas. Não acredito em receitas rápidas, em qualquer coisa que possamos arranjar que nos dê uma “vida boa” e a mantenha dessa forma. A vida por vezes pode parecer-nos confusa, complicada, e lidar com as suas exigências irá requerer da nossa parte dedicação, esforço, empenho, e, até mesmo, algum sofrimento. Mas, como disse Pessoa:

...
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.



Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


(Fernando Pessoa, in “Mar Português”)


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Envelhecimento Activo e Humanitude

Desde o dia em que nascemos começamos a envelhecer. Há, porém, etapas marcadas por datas, que são apenas referentes sociais, mas que condicionam a vida de cada um de nós. Um desses referentes é chegar aos 65 anos e atingir a “terceira idade”, e um outro é quando se deixa de trabalhar e se entra na condição de reformado.

O processo de envelhecimento é um processo individual, que cumpre o seu próprio ritmo, de acordo com a herança genética recebida, com as condições ambientais em que este se desenvolveu e com todas as experiências ao longo da vida. Esta fase é propícia ao aparecimento de questões existenciais, sobre a importância da vida que se teve, o valor das coisas que se fizeram. No momento em que se olha para trás, por vezes com um olhar mais triste, é também importante encontrar-se satisfação no presente. Esta pode ser uma fase em que se perdem amigos, onde as questões de saúde podem ser uma grande preocupação e o bem-estar ter um outro valor.

Envelhecer bem é envelhecer de forma activa e satisfatoriamente, com capacidade para praticar estilos de vida e formas de comportamentos para melhor desfrutar do bem-estar durante o máximo de tempo possível. Para se envelhecer bem, cada pessoa tem de tomar a decisão de intervir no seu processo de envelhecimento. Envelhecer com êxito depende da sociedade, dos seus sistemas de saúde e de protecção, e do próprio indivíduo, sendo que este é agente do seu desenvolvimento pessoal e, em certa medida, da sua saúde, da sua participação e da sua segurança.

O Envelhecimento Activo, segundo a Organização Mundial da Saúde, “é um processo de optimização das oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, com o objectivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem”. Para promover o envelhecimento activo há factores essenciais que é preciso privilegiar. É imprescindível cuidar do corpo e do funcionamento cognitivo, pois estes ajudarão a optimizar as capacidades físicas e psicológicas e a compensar algumas lacunas, se for esse o caso, melhorar as relações familiares e sociais, ganhar uma maior participação social e, por último, enfrentar situações difíceis sabendo lidar com estas adequadamente. São estes os ingredientes fundamentais do envelhecimento activo: a saúde, o funcionamento intelectual e o compromisso com a vida.

Comprometermo-nos com a vida implica o sentimento de que somos necessários, de que aquilo que realizamos tem sentido e é útil para os outros com quem convivemos, o que incentiva as actividades fora de casa, sentirmo-nos menos sós, sermos independentes da família, termos uma boa rede social e preocuparmo-nos com os outros.

Mas surge aqui uma grande questão. Como se pode envelhecer de forma activa numa instituição?
E é aqui que entra o conceito de Humanitude, que se caracteriza por ser um cuidar centrado na pessoa cuidada (interesses, gostos, características pessoais) e na relação entre essa pessoa e o cuidador. Nesta metodologia, existem técnicas relacionais, assentes em pilares relacionais. E tem como objectivos desenvolver a co-responsabilização do cuidador e da pessoa cuidada, promovendo a participação da pessoa cuidada nos cuidados e decisões, segundo as suas capacidades físicas e cognitivas, indo ao encontro do envelhecimento activo.

Sendo assim, talvez pudéssemos ter um envelhecimento realmente activo nos lares e nos centros de dia. Por que não então tentar fomentar mais estas práticas que apenas visam a qualidade dos cuidados e o bem estar de quem é cuidado? Não será importante criarmos um maior debate na sociedade para conseguirmos novas políticas e novas práticas no cuidar, para se ir ao encontro de um novo paradigma, realmente humanista? Pode-se envelhecer de forma activa em casa com a família, em casa sozinho, num lar... Vamos permitir e apoiar os nossos idosos a envelhecerem de forma tranquila.

“A Laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um álbum de fotografias. Foi o que fizeram. Depois, nessa mesma tarde, levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a dor de perder a minha mulher. Depois, ainda nessa mesma tarde, trouxeram uma imagem da nossa senhora de Fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de ganhar um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma. E um médico respondeu, a verdade é que ficam mais calmos. Achei que era esperado de mim um desespero motor. Digo motor para dizer de acção. Algo como partir coisas, revirar os móveis, agredir fisicamente os funcionários, os enfermeiros que me poderiam prender. O quarto pequeno é todo ele uma cela, a janela não abre e, se o vidro se partir, as grades de ferro antigas seguram as pessoas do lado de dentro do edifício. Pus-me a olhar para o chão, com ar de entregue. Estou entregue, pensei. Aos meus pés os dois sacos de roupa e uma enfermeira dizendo coisas simples, convencida de que a idade mental de um idoso é, de facto, igual à de uma criança. O choque de ser assim tratado é tremendo e, numa primeira fase, fica-se sem reacção. Se aquela enfermeira pudesse acabar com aquele sorriso, ao menos acabar com aquele sorriso, seria mais fácil para mim entender que os meus sentimentos valiam algo e que sofrer pela Laura não vinha de uma lonjura alienígena, não era uma estupidez e, menos ainda, vinha de um crime pela clausura e tudo. E ela sorria e eu poderia desejar-lhe, com tanto desprezo, o pior mal do mundo. Que lhe arrancassem os braços e as pernas, pensava eu, tirem-lhe os olhos e façam-na perder a voz e chamem-lhe cabra porque é o que ela merece. Senhor Silva, com esta mantinha vai ficar quentinho à noite, ainda aqui vai ter muitos sonhos bonitos, vai ver.”
(in A máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe)

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 8 de maio de 2016

Emoções Desagradáveis... para que servem e qual a sua importância?




Todas as emoções têm um propósito e são fundamentais para a nossa sobrevivência, bem como para o desenvolvimento psicológico e social.
O medo, a raiva, a alegria e a tristeza são as quatro emoções básicas do ser humano que correspondem a padrões inatos e não requerem de aprendizagem. 
Apesar da tendência para categorizarmos as emoções em positivas e negativas, o que existe são emoções mais ou menos agradáveis, mas todas são necessárias e têm uma função específica. Contudo, do ponto de vista social e cultural, está implícito que sentir algumas destas emoções pode ser algo nocivo. Muitos de nós fomos educados com a ideia de que a manifestação da tristeza ou do medo são sinais de fraqueza a serem evitados e que a expressão da raiva é altamente condenável, imperando a necessidade de agradar aos outros. A falta de permissão para expressar as emoções e a desvalorização das mesmas, leva a que muitas pessoas entrem em processos de negação, repressão ou distorção dessas emoções, em vez de as regularem e expressarem adequadamente.
Em relação ao medo, podemos dizer que é uma emoção cuja função é nos advertir e preparar para uma situação de perigo, por exemplo uma ameaça no meio, um conflito entre objetivos ou a falta de recursos. O medo, através das modificações fisiológicas que comporta (aumento da tensão muscular, aceleração respiratória e cardíaca) mobiliza o organismo, multiplica por dez as nossas forças físicas e psíquicas e aumenta o nosso estado de alerta para detetar o perigo, enfrentá-lo, eliminá-lo ou fugir. Quando o medo provoca uma reação de bloqueio ou até de negação, impossibilitando a mobilização de uma ação adequada, acaba por ter um efeito desorganizador, podendo levar ao desenvolvimento de quadros graves de ansiedade.
Relativamente à tristeza, é a emoção gerada pela experiência de perda que pode ser de alguém significativo, de uma esperança, da saúde ou de um lugar. Normalmente, depois de um período de tristeza, segue-se uma sensação de alivio pela libertação da tensão através do choro e a aceitação da realidade pelo desprendimento que abre a possibilidade para o investimento em novas coisas e pessoas. A tristeza efetua assim um trabalho importante de integração e de reparação.
Por sua vez, a raiva é uma emoção cuja função é permitir a reparação perante a frustração, a injustiça e a ofensa, possibilitando a restauração do sentimento de integridade do indivíduo. A raiva, pela tensão muscular que provoca, aumenta a nossa força e energia e cria em nós um impulso para a ação que visa defender os nossos direitos e impor limites face à invasão do espaço pessoal. O silenciar da raiva impede que o outro tome conhecimento do dano que está a causar e que tenha possibilidade de o reparar. Nestes casos, a internalização da raiva acaba por dar lugar a quadros de depressão e ansiedade.
As emoções, mesmo que sentidas como desagradáveis, têm como vimos um  propósito específico e devem ser experienciadas adequadamente para que sejam potencialmente reparadoras, prevenindo o aparecimento de perturbações psicológicas.
A psicoterapia, pode ajudar o paciente a entrar em contacto com as suas verdadeiras emoções, a reconhecê-las, aceitá-las e a geri-las de forma mais adequada, possibilitando uma maior satisfação na relação consigo e com os outros.