domingo, 19 de dezembro de 2021

Natal com Aceitação (pelo que não controlamos) e Gratidão (pelo que chega até nós) no sapatinho!

 

Nesta altura festiva e final do ano, seja por motivos religiosos ou por tradição cultural, é uma época em que geralmente se oferece e se recebe: presentes, companhia, memórias, emoções e ao mesmo tempo é inevitável não se pensar ou não se falar em finais e retrospetivas, mas também em recomeços, objetivos e metas.

Tendencialmente é mais fácil olharmos para aquilo que não queremos ver repetido no novo ano que se avizinha, desejar coisas novas, diferentes e melhores. Esquecemo-nos muitas vezes que a vida é naturalmente imprevisível e pouco justa. Contudo, conseguir aceitar o que não controlamos permite-nos ter mais energia para nos focarmos naquilo que depende de nós. Ficarmos agarrados naquilo que queríamos que fosse diferente, não nos permite viver em plenitude o presente.

Quando nos envolvemos com os pensamentos sobre o que queríamos que fosse diferente, sentimo-nos frustrados e temos a sensação que não temos controlo na nossa vida. Mas se efetivamente não podemos mudar as coisas que não nos agradam, viver envolvidos nesses pensamentos e sensações desagradáveis, faz-nos viver centrados na parte menos positiva da nossa vida... Mas então e as coisas boas? Faz sentido serem desvalorizadas? Ao nos focarmos no que temos a possibilidade de decidir, passamos a tomar mais consciência do que temos, do que está no nosso controlo e isso é empoderamento.

Por vezes também nos esquecemos de ficar gratos pelo que temos, ambicionando quase exclusivamente mais e melhor. Experienciar gratidão pelo que temos, na simplicidade de um pôr-do-sol, ou no sorriso de outra pessoa, não faz de nós pessoas ingénuas e/ou pouco ambiciosas... Estarmos gratos não compromete o nosso esforço e empenho no nosso futuro, permite-nos contudo aceitar que temos mais motivos para nos sentirmos satisfeitos e orgulhosos acerca de quem somos e do que alcançámos.

A nossa vida está cheia de relacionamentos, momentos e situações que nem sempre são agradáveis. Há pessoas que nos magoam, relacionamentos que terminam, situações que nos criam mal-estar, tristeza e ansiedade. Às vezes temos que nos afastar das pessoas tóxicas para termos uma boa saúde mental. E se em vez de ficarmos irritados, agradecermos pelo tempo que essas pessoas nos acompanharam e pelo que elas nos ensinaram? Mesmo as pessoas que nos magoaram muito permitiram-nos desenvolver recursos internos para lidar com a dor e com o sofrimento. Gostaríamos que as coisas tivessem sido diferentes? É possível. Mas na verdade crescemos, evoluímos e desenvolvemo-nos como pessoas ao ter passado por essa situação. Não podemos voltar atrás para não ter vivido essa mágoa, então que tal tentarmos retirar a aprendizagem dessa situação e sentirmo-nos gratos por essa aprendizagem? Quanto mais capazes formos de nos sentirmos gratos, melhor fechamos as feridas e perdoamos.

Não podemos agradecer apenas pelas coisas boas e esperar que as más desapareçam. Quer as coisas boas, como as más oferecem motivos, conhecimentos e razões para continuarmos a demonstrar gratidão, por tudo. Naturalmente, vai-nos chegar à cabeça num primeiro momento a dúvida: - Como é que vamos agradecer por aquilo que nos fez mal? - É importante não esquecer que isso faz parte de viver e de crescer.

Viver num estado de gratidão é estar em harmonia com o que somos, saber agradecer é uma arte, que mesmo achando que não sabemos, podemos ir desenvolvendo. O apreciar das coisas simples, o apreciar dos pequenos momentos de alegria e agradecer por tudo o que vivemos e que temos, faz-nos sentir felizes. Ser grato é uma capacidade que, uma vez adquirida, transforma o nosso olhar sobre o mundo, sobre a vida, sobre as pessoas e sobre cada acontecimento. A capacidade de manter o olhar voltado para o lado bom das coisas e sentirmo-nos gratos por termos isso, vai-nos levar lentamente a uma mudança. As sensações que a gratidão nos dá, permitem-nos desenvolver um antídoto natural contra o pessimismo, o rancor e a mágoa.

Hoje venho propor que possamos olhar com gratidão para o ano que agora encerra: as aprendizagens que fizemos, as pequenas e grandes coisas boas que nos aconteceram, as menos boas que conseguimos evitar ou com as quais soubemos lidar. É comum olharmos para aquilo que esperamos ter ou ver realizado no próximo ano. Mas hoje, ainda em 2021, desafio que nos foquemos no que este ano nos trouxe para a nossa aprendizagem e crescimento... E a ficarmos gratos por isso.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Psicoterapia na Infância e na Adolescência

 


A infância e a adolescência constituem etapas da vida fundamentais para a estruturação da personalidade e do funcionamento psíquico do futuro adulto. O aparecimento de perturbações emocionais e comportamentais requer por parte dos pais e educadores uma atenção especial, uma vez que a deteção e a intervenção atempadas, poderão evitar sequelas futuras.

Nas crianças poderão surgir dificuldades no contexto escolar, nomeadamente dificuldades de aprendizagem e/ou no relacionamento interpessoal, bem como comportamentos de oposição e de desafio, birras, medos e ansiedades, hiperatividade e défice de atenção, tristeza, apatia e isolamento, perturbações de sono e na alimentação, entre outros. Importa a atenção por parte dos pais e prestadores de cuidados a este tipo de sinais que devem ser avaliados por um especialista, uma vez que podem estar a comprometer um desenvolvimento saudável e harmonioso.  

Na ClaraMente, os pais e familiares que levam a criança à consulta, encontrarão um espaço psicoterapêutico de escuta, compreensão e partilha, no qual a intervenção se fundamenta numa estreita aliança terapêutica colaborativa. Nas sessões com a criança, através de uma abordagem especializada com recurso ao desenho, a histórias e ao brincar, ela é ajudada a identificar as suas emoções e necessidades e a comunicá-las de forma mais ajustada, visando-se o reequilíbrio do seu funcionamento e a adaptação ao seu contexto familiar e escolar.

Com os adolescentes trata-se de ajudá-los a lidar com os problemas emocionais que frequentemente surgem nesta fase de transição da infância para a vida adulta, marcada por importantes mudanças biológicas, psicológicas e sociais. As dificuldades em responder adequadamente aos conflitos internos, bem como às exigências externas (pais, escola, família), podem levar o jovem a um estado de inquietação constante, angústia e preocupação. As necessidades de afirmação pessoal, reconhecimento e integração social estão na ordem do dia e muitos pais sentem dificuldade em lidar com os comportamentos e atitudes dos seus filhos, sendo necessário, em determinados momentos, um apoio especializado. 

Na ClaraMente podemos apoiar o jovem no desenvolvimento de estratégias mais adequadas na gestão emocional e resolução de problemas, por forma a conseguir ultrapassar as suas dificuldades e seguir em frente, na construção do seu caminho, com maior maturidade, confiança e bem-estar. 

                   Claramente, ao encontro do seu bem-estar emocional

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

A Urgência de se estar Sempre a fazer alguma coisa leva-nos Aonde?

Numa sociedade onde o fazer, fazer, fazer, impera; onde há uma pressão constante por desempenhos excelentes e uma rentabilidade máxima e onde o fazer nada, passou a ser visto negativamente, numa urgência constante em responder às expectativas pessoais e sociais, estão criadas as condições ótimas para o desenvolvimento de quadros de stresse, mal-estar, depressão e insatisfação... É nesta sociedade em que vivemos atualmente!

Parece que foi criada uma ideia geral, que assumimos totalmente, que o valor enquanto pessoa está diretamente ligado ao que fazemos. Mas e como é procurar sentirmo-nos com valor enquanto pessoas, simplesmente pelo que somos? Não pelo que fazemos, nem pelo que temos. Apenas ser! Como seria eu procurar o bem-estar geral enquanto pessoa apenas? O que isso significa? Como é sentir isso? E se imaginarmos fazer tudo o que desejamos fazer, como nos iríamos sentir? Totalmente realizados? E depois disso? A ambição de atingir algo mais continua? Essa exigência de se querer ter mais tem limites? Talvez possam parecer perguntas estranhas... Talvez sejam. Mas tentar perceber o que estas questões fazem sentir pode ser interessante, fica a sugestão!

A forma como as pessoa se julgam, se comparam e se sentem julgadas pelos outros (mesmo que não o sejam), leva a um sentimento de culpa, que vai incutindo na maioria das pessoas a crença - ou estamos a produzir, a criar, a investir no nosso tempo de forma clara, ou somos preguiçosos. Parece que o descanso deixou de ser bem aceite, parece que cada vez mais as pessoas sentem que o não fazer nada é um desperdício de tempo. Às vezes, até quando nos apercebemos que precisamos de descanso e que um momento de não fazer nada seria tão bom, há aquela voz crítica que nos diz que não podemos, não é suposto... Tanto que essa ideia nos é passada, que vai sendo incorporada em nós! É passada por quem? Chefes, empresas, media, sociedade de forma geral... Ninguém quer ser visto como preguiçoso.

No entanto, uma pausa durante o dia, o descanso ao final da tarde, um fim-de-semana sem olhar para o correio eletrónico, momentos para apenas contemplar o que está à nossa volta (que muitas vezes nem reparámos bem, mesmo ao estarem ali todos os dias), ouvir uma música relaxante, tomar um banho quente, brincar com os gatos, dar um passeio, fazer uma sesta, beber um chá... Cortar com o ritmo acelerado em que muitos de nós vivemos, pode ser realmente vitalizador, reconstrutivo, gerador de bem-estar e até mesmo produtivo!

Vários estudos mostram que um tempo destinado e não organizado de inatividade, equilibrado com a gestão das atividades, promove uma maior energia, foco, concentração e clareza mental. Há a tendência de se valorizar demasiado o tempo em que estamos ativos, mas é essencial reconhecermos a importância da inatividade também! Pela nossa Saúde! As neurociências já demonstraram a importância dos “tempos de nada”, indutores da sensação de bem-estar. É essencial acalmar a mente, parar de examinar e afastar totalmente os pensamentos criadores de stresse, essas paragens permitem uma reorganização mental, que é a base para novos insights e novas soluções. Quantas vezes estamos a tentar encontrar uma solução há horas...e é quando decidimos que fica para o dia seguinte e estamos relaxados que surge a ideia, a solução? É isso! Ao conseguirmos estar mais relaxados, são anulados os efeitos negativos das hormonas do stresse e produzidos neurotransmissores que acentuam a sensação geral de bem-estar.



É essencial incutirmos em nós a ideia da Necessidade de Autocuidado, do cuidarmos de nós, cada dia.
Se nos sentimos exaustos, sem energia, deprimidos, com elevados níveis de ansiedade, não vamos produzir! Então não podemos colocar o objetivo prioritário de estar sempre a fazer algo e de sermos produtivos. Iremos ser, se conseguimos equilibrar as nossas necessidades. É urgente criar estes tempos de nada nos nossos dias, o que requer permissão por parte do próprio, para aceitarmos que esse tempo do nada não faz de nós pessoas preguiçosas, e assim organizarmos o nosso dia com esse tempo destinado.

Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade - Psychology Now, nº 55 Out/Nov/Dez 2021

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Morte e Leveza podem não ser incompatíveis - A importância da Psicologia nos Cuidados Paliativos

 A morte na nossa sociedade é um tema que as pessoas evitam falar. Apesar de ser a única certeza que se tem na vida, que esta é finita, o medo, o receio e a angústia que estão associados ao pensar-se nisso, faz com que a morte seja um tema tabu. Contudo o não se falar da morte como algo natural, quando as pessoas se vêm obrigadas a lidar com ela, seja porque lhes é diagnosticada uma doença grave, ou porque um ente próximo morre ou lhe é diagnosticado uma doença grave, e/ou terminal, torna muitas vezes essa vivência mais penosa, pesada e sofrida.

A morte é um processo natural, porém doloroso, mas desmistificar o tema e alertar que, é preciso aceitar a morte para ter qualidade de vida, acaba por ser importante para melhorar a qualidade de vida, quando esta está a terminar.

Quando a pessoa doente sabe que tem pouco tempo de vida, é importante permitir-se a fazer o luto de todas as suas relações e acima de tudo, fazer o luto de si própria. No entanto o doente terminal tende a passar pelas diversas fases de luto (negação, revolta, negociação, depressão e aceitação). Alguns doentes sabem da sua situação, mas fingem não saber ou não compreender, tal como os próprios familiares, isso exatamente pela dificuldade de se olhar para a finitude de vida e de se falar sobre o tema.

Ao viver-se numa situação de doença grave, ameaçadora de vida, com carácter progressivo, esperar que o desenrolar da doença não corresponda ao que se conhece, ou ao previsto para aquela situação, pode levar a decisões que aumentam o sofrimento ou que impeçam a resolução de questões importantes para o doente e para a sua família, nomeadamente o despedir-se das pessoas que lhe são importantes. O luto antecipado pela família por vezes torna-se tão difícil que dificulta o próprio doente a fazer o luto de si próprio e a encontrar tranquilidade, paz e aceitação. Muitas vezes a negação da família prejudica o próprio doente a vivenciar o seu processo, prendendo-o à tristeza, revolta e angústia que a família sente. O contributo dos psicólogos neste acontecimento de vida é crucial, facilitando a regulação emocional e alívio do sofrimento e na construção de significado.

São vários os estudos que demonstram que, a seguir à dor descontrolada, a má comunicação é o que mais sofrimento causa a estes doentes. Facilitar a comunicação e a partilha dos sentimentos é algo fundamental, validar e dar significado à raiva, frustração, desespero, desorientação, culpa, deceção vai permitir encontrar uma tranquilidade e paz.

O trabalho de luto com o doente e com a família é um processo difícil, mas ao valorizar-se a dignidade da pessoa ainda que doente, vulnerável e limitada, e facilitando o processo de aceitação da morte como uma etapa natural da vida, vai permitir que o doente viva o resto da sua vida, de forma mais leve e com melhor qualidade de vida.

Este cuidado humano, faz parte dos cuidados paliativos, que constituem hoje uma resposta integrada e indispensável aos problemas do final da vida. Em nome da ética, da dignidade e do bem-estar de cada Pessoa é preciso torná-los cada vez mais presentes na nossa sociedade.


Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade - Psychology Now, nº 54 Julho/Agosto/Setembro 2021

sábado, 16 de outubro de 2021

Dor Crónica e Saúde Mental

No dia 10 de Outubro foi assinalado o dia Mundial da Saúde Mental e no dia 16 o dia Nacional da Luta contra a Dor, onde destaco a Dor crónica. Assim, este mês, o meu texto de reflexão é direcionado para esta temática, a Dor Crónica e a Saúde Mental.

Vou olhar para este tema a partir da base, onde o corpo está intimamente ligado à mente e já não se coloca a ideia de tratar da parte física sem a parte psicológica. Sei que este princípio é algo cada vez mais consensual, ainda não totalmente infelizmente. Mas para lá caminhamos!

Na sua maioria, os episódios de dor agudos, tendencialmente resolvem-se por si próprios ou após um tratamento médico adequado e serve geralmente como função de alarme do organismo, enquanto a dor crónica distingue-se pela regularidade e persistência dos episódios de dor, em geral durante mais de seis meses. A dor crónica pode surgir no contexto de várias doenças (cancro, doenças reumáticas, diabetes, zona, etc.), ser agravada por traumatismos ou posições forçadas ou incorretas, estar associada a um período pós-operatório ou surgir sem causa aparente.

A dor crónica, tal como as doenças crónicas pode acompanhar durante muito tempo a vida de uma pessoa ou toda a sua vida, e neste último caso não há cura, apenas tratamentos periódicos, tornando-se assim numa ameaça ao bem-estar e na qualidade de vida.

Existem as que são potencialmente ameaçadoras à vida, e as que não apresentam risco mas podem ter o potencial de serem fisicamente debilitantes. Além da parte física, também apresentam efeitos emocionais e psicológicos que podem ser devastadores e até influenciarem o processo de tratamento.

E como se pode viver com dor crónica (para a vida!) e manter-se uma pessoa feliz e realizada?

A dor crónica naturalmente provoca mudanças na vida da pessoa, para além dos condicionamentos do dia-a-dia, obrigam a tomadas de decisões e à exploração de novos caminhos desconhecidos até então.

Cada dor e cada doença associada tem as suas especificidades, seja o número de horas que a pessoa tem de passar em serviços de saúde, as alterações na alimentação, o tempo recomendado de descanso, a possível ausência do trabalho, menos rendimento, modificações nos papéis sociais, alteração de hábitos, dependências e interdependências de outras pessoas. Nas situações em que a pessoa precisa de alguém para se deslocar ou para realizar alguma atividade do quotidiano, as dificuldades emocionais da gestão da doença tendem a piorar.

E por tudo isto, o foco na área psicológica é tao importante como nos tratamentos médicos.

Perante esta situação, existem algumas questões fundamentais, que ajudam a uma maior aceitação da doença e a uma maior procura de alternativas que aumentam o bem-estar:

- Procurar um médico com o qual se identifique e procurar fazer todas as questões que tiver e tomar as decisões sobre os tratamentos com o médico, e seguir o tratamento de forma adequada.

- Aprender o máximo que puder sobre a doença – Quanta mais informação se tiver, melhor se lida com os sintomas e tratamentos.

- Juntar-se a um grupo de apoio e assim perceber que não está sozinho com a doença e que há várias pessoas na mesma situação. Pode receber informações de outras pessoas que vivem com a doença há mais tempo.

- Manter um exercício físico regular adequado à sua situação clínica, um dieta equilibrada e cuidados preventivos, além do tratamento clínico. Sabemos que a atividade física é um aliado para um bem-estar global, influenciando no sono, no estado de humor e prevenindo o aumento do peso, que pode trazer mais complicações para a saúde para quem tem já alguma doença. Praticar exercício físico é a intervenção mais importante e mais efetiva que a literatura mostrou no tratamento da fibromialgia e nas doenças autoimunes, por exemplo, e é importante e efetiva porque o exercício físico (adequado!) diminui a dor, melhora a depressão, a ansiedade, o sono e a fadiga.

- Manter-se ativo socialmente, permitindo a aproximação de familiares e amigos e participar em atividades que promovam o bem-estar psicológico.

- Reconhecer e aceitar que, durante o tratamento, poderão haver dias bons e maus. Mas num dia mau, se eu alimentar os pensamentos mais negativos, é mais provável que o dia seguinte seja menos bom, do que se eu procurar algo adequado à minha condição, mas que faça sorrir.

- Lembrar-se sempre que as pessoas são muito mais do que a sua doença. Pode ter uma doença crónica, mas isso é uma parte da sua pessoa. Além disso também é um pai fantástico, um melhor amigo de alguém, uma mãe dedicada, um avô carinhoso, um excelente profissional, …

- Procurar apoio psicoterapêutico pode ajudar, mesmo quando se sente que tem bom suporte familiar e de amigos. Também pode ser positivo a procura desse apoio para os membros da família que lidam com a doença de um ente querido. O apoio psicológico é fundamental porque permite criar estratégias para lidar com a doença, e a abordagem cognitivo-comportamental, o relaxamento e a atenção plena (o mindfulness) contribuem para o controlo da dor.

Ninguém escolheu as suas doenças, contudo há caminhos que podemos escolher: aceitar o que não se controla, levantar-se cada dia apesar da dor ou do medo e procurar alimentar o melhor que tem de si e que tem na sua vida! O compararmo-nos com a pessoa que éramos no passado, não facilita o processo de aceitação e de procura do melhor que temos no presente para ser vivido. A qualidade de vida pode ter diminuído, contudo é essencial conseguirmos procurar a melhor qualidade de vida possível no Agora.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Stress Pós Férias? Como evitá-lo no regresso ao trabalho


Para muitos, o final do mês de Agosto marca também o final das férias e a preparação para o regresso ao trabalho no início de Setembro.
Normalmente as férias representam a libertação temporária das responsabilidades, horários e obrigações laborais, assim como a quebra da rotina, o descanso e a entrega a momentos de lazer e descontração com a família e amigos, trazendo muitos benefícios para a saúde. Sair deste registo de tranquilidade e retomar novamente aquele ritmo mais acelerado e direcionado para o dever, poderá desencadear algumas reações indicadoras de stress e ansiedade, sendo frequentes as manifestações de tristeza, irritabilidade, cansaço e alterações no apetite e no sono.
O nível de ansiedade sentido depende igualmente da forma como o trabalho é percepcionado, nomeadamente do grau de descontentamento ou de incerteza que existe em relação ao emprego, bem como do nível de exigência percebido e da qualidade das relações com colegas e superiores hierárquicos. Quando o stress depois das férias é muito intenso e prolongado, isso pode ser um indicador de insatisfação em relação ao local de trabalho e, em alguns casos, à própria profissão, obrigando a um balanço ponderado e a um reequacionamento do rumo laboral a seguir.
No entanto, em proporções moderadas, o stress que costuma marcar o regresso ao trabalho depois das férias, é uma reação normal de adaptação ao dever. Depois da habituação a um ritmo mais lento durante as férias, gerador de bem estar e satisfação quer do ponto de vista físico e emocional, é normal sentirmos resistência em acelerar novamente e regressar à rotina laboral e familiar.
No entanto, existem várias estratégias que poderão ser adotadas no sentido de minorar os sintomas de stress associados ao regresso à rotina laboral, contribuindo para uma adaptação mais eficaz ao ritmo de trabalho:
    • Marcar o regresso a casa um ou dois dias antes da data em que começa a trabalhar para ter tempo para arrumar tudo e preparar-se para retomar a rotina.
    • No regresso à rotina doméstica, dividir as tarefas pelos dias da semana e dar prioridade ao que é realmente urgente, sendo de evitar fazer tudo ao mesmo tempo e cair na exaustão.
    • Tentar deitar-se mais cedo nos dias anteriores ao regresso ao trabalho e dormir 7 a 8 horas, para que a transição para a obrigação no cumprimento de horários seja mais gradual e menos stressante.
    • Transformar o fim das férias num momento de alegria, marcando jantares com amigos, partilhando as experiências de férias, as fotografias e recordando os momentos agradáveis.
    • Tentar chegar mais cedo no seu primeiro dia de regresso ao trabalho para ficar com mais tempo para conseguir planear o seu dia e ajustar-se à rotina. Tentar conversar com os colegas que vão chegando para se atualizar e saber o que aconteceu durante o período que esteve fora.
    • Fazer uma triagem do trabalho acumulado e estabelecer prioridades. Querer resolver todos os assuntos pendentes, o mais rapidamente possível é facilitar a instalação do stress
    • Terminar os primeiros dias do regresso ao trabalho com caminhadas regulares ou com um convívio entre amigos para alivio do stress associado à mudança de rotina.
    •  Procurar incluir na sua agenda semanal algo que lhe dê prazer e seja para si um gerador de emoções positivas ( ginásio, dança, natação, pintura, etc.)
Retomar rotinas e horários gradualmente e reviver emoções positivas associadas ao período de descanso são pois a chave para regressar ao trabalho de uma forma mais ajustada e menos stressante.

terça-feira, 13 de julho de 2021

A arte do Equilíbrio

 
Tantas vezes ouvimos falar, comentar ou aconselhar que temos que equilibrar a vida familiar com a profissional, que temos que equilibrar a situação financeira, que temos que equilibrar o tempo disponível entre responsabilidades e lazer... Equilibrar, equilibrar, equilibrar.

A arte de equilibrar faz-me lembrar um malabarista com imensas bolas. É preciso conhecer a arte. Apesar de todos sabermos a importância do equilíbrio entre as várias áreas da nossa vida, muitos de nós em determinados momentos nos deparamos num desequilíbrio. E hoje aqui, debruço-me mais sobre o momento em que olhamos para a situação de forma lúcida e vemos as nossas opções (áreas) a serem “malabarizadas”, e quando sabemos que ultrapassámos o tal limite do equilíbrio. Olhamos para a situação e sentimos que já não vamos aguentar muito mais tempo neste equilíbrio forçado. A preocupação aumenta, os pensamentos de que tudo vai cair em breve surgem, o prazer das tarefas em si diminuiu ou desaparece e o esforço é cada vez maior e intenso. E coloca-se aqui a questão: “Como deixar cair apenas 1 ou 2 bolas, enquanto continuo a equilibrar o resto?” E quantas vezes surge a vontade de deixar cair tudo, largar tudo? Por norma, quando nos encontramos num grande nível de cansaço e exaustão esse pensamento é comum.

Quem não é um malabarista nesta vida?

O que quero trazer para reflexão, é a importância de nos irmos apercebendo que estamos a introduzir algo a mais para equilibrar, e que isso pode colocar em causa o que já tínhamos antes. É essencial percebermos e aceitarmos que não existem Super Heróis e que efetivamente ao introduzir algo novo, teremos que abdicar de alguma outra coisa, ou pelo menos abdicar do tempo que tínhamos para todas as outras coisas.

Por vezes surge a ideia que largar algo é estar a falhar. Mas como se criou essa ideia de que temos que conseguir dar resposta a tudo? Mesmo que isso signifique ultrapassar o nosso limite? Onde está o nosso limite?

O autoconhecimento é essencial para conseguirmos identificar as nossas necessidades, as nossas prioridades e os nossos limites. Todos nós temos necessidades, e todos nós temos limites, mas ter consciência deles, aceitar para adotar os comportamentos e tomar as decisões que nos fazem bem é decidir de forma ativa, focando-nos no que está ao nosso alcance, como nos queremos cuidar.

domingo, 27 de junho de 2021

O impacto do cancro nos profissionais de Saúde

Tomando as significações que o cancro tem na nossa sociedade como profundamente relacionadas ao sofrimento, dor e morte, é importante refletir sobre o sofrimento psicológico que os cuidados aos pacientes de cancro pode criar nos profissionais de saúde. O contacto com uma doença como o cancro coloca os profissionais de saúde perante muitos fatores de stresse psicológico: comunicação de más notícias, adaptação à inexistência de cura médica, exposição repetida à morte de pessoas com os quais estabeleceram uma relação, envolvimento em conflito emocionais, absorção de cólera e de mágoa expressa pelos pacientes e pelos familiares e desafios ao sistema de crenças pessoais (Twycross, 1999).

Diversos estudos demonstram que os sentimentos despertados nos médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais que atuam em Oncologia, são semelhantes aos dos pacientes e familiares afetados pelo cancro, tais como a negação, a raiva, a culpa, o pensamento mágico e sintomas depressivos. Sentem também a impotência imposta pelos limites dos recursos pessoais e científicos. Quando e se o sofrimento não é levado com a devida consideração e os profissionais não são estimulados a explorar formas de elaborá-lo, pode levar a maiores níveis de ansiedade, depressão, criar um impacto negativo na rentabilidade do profissional como também poder afetar a qualidade do próprio cuidado ao paciente (Silva, 2010). 

Algo é factual: é inevitável um certo grau de stresse no trabalho em Oncologia. A questão coloca-se sobretudo de qual o nível de stresse que pode ser evitado? Qual pode ser reduzido? Controlado ou Eliminado? O stresse constitui um aspeto intrínseco e inevitável da vida laboral, mas será a forma e a maneira de perceber e confrontar o stresse que vai marcar a diferença no funcionamento, adaptação e qualidade de vida dos profissionais de saúde.

Perante uma situação de stresse, a pessoa mobiliza estratégias para reestabelecer o equilíbrio do organismo e este equilíbrio depende das estratégias de confronto utilizadas para lidar com as situações stressantes. As Estratégias de Confronto referem-se a padrões de comportamento, cognições e perceções utilizadas para manter o equilíbrio do organismo mediante as exigências internas e/ou externas (Lazarus & Folkman, 1984). É importante referir que as estratégias de confronto utilizadas pelos cuidadores para lidar com situações de stresse, associadas ao ato de cuidar, cumprem um papel determinante nos níveis de saúde física e mental dos mesmos, e que certos processos de confronto promovem a saúde e previnem a doença, enquanto outros contribuem para a geração de processos de doença ou para o seu agravamento (Reis, 1998; Sequeira, 2013; Zarit & Edwards, 2008). Por esta razão existem programas de intervenção psicológica desenvolvidos para a gestão de stresse em contexto profissional. Os programas existentes demostram vantagens para os trabalhadores como para os responsáveis das organizações, e também para a sociedade em geral: redução dos custos dos seguros sanitários, diminuição do absentismo laboral, diminuição dos acidentes laborais, custos de tratamento mais reduzidos, aumento de produtividade, aumento do bem-estar, aumento da satisfação, aumento da qualidade de vida dos profissionais.

Os objetivos gerais da atenção psicológica aos profissionais de
saúde da Unidade de Oncologia são essencialmente para permitir que os profissionais consigam gerir o stresse, prevenir o desgaste pessoal, aumentar e desenvolver os recursos internos mais funcionais e adaptativos para lidar com as situações de stresse e desenvolver hábitos e rotina de autocuidado que permita uma boa qualidade de vida tanto pessoal como laboral.

 Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade - Psychology Now, nº 53 Abril-Maio-Junho 2021
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domingo, 16 de maio de 2021

Homofobia Familiar: quando o preconceito começa dentro de casa

 


Foi a 17 de maio de 1990, faz hoje precisamente 31 anos, que a Organização Mundial de Saúde (OMS), retirou a homossexualidade da Classificação  Internacional de Doenças (CID).

Esta decisão foi um passo importante para a compreensão da homossexualidade como identidade sexual, e não como uma doença ou desvio da normalidade, passível de tratamento e cura.

No entanto, uma lei escrita, não muda preconceitos, comportamentos agressivos e tabus, pelo que importa continuar a combate-los, assinalando-se anualmente a 17 maio O Dia Internacional de Luta contra a Homofobia e a Transfobia que visa a consciencialização civil para a discriminação das pessoas homossexuais, transexuais e transgéneros.

Esta é uma descriminação que começa desde logo e muito frequentemente, dentro de casa, no seio das próprias famílias e cujo sofrimento que desencadeia acaba por levar à procura de ajuda psicológica especializada. Apesar de todo o processo na mudança de mentalidades que tem ocorrido ao longo dos tempos, o preconceito continua a existir dentro da própria família, onde supostamente deveria ser o lugar do amor, acolhimento, aceitação e compreensão.

 Para muito pais ainda é difícil abrir mão das suas expetativas e da opinião dos outros, encarando a homossexualidade dos filhos como uma falha pessoal, narcísica, que induz culpabilidade, vergonha e fracasso. Esta rejeição poderá traduzir-se por parte dos pais em manifestações de chantagem emocional, humilhação, frieza afetiva, distanciamento emocional e rutura relacional, dando lugar a um marcado sofrimento psicológico, nomeadamente ansiedade e depressão, e a danos significativos na auto-estima.

 Muitas pessoas sentem-se aprisionadas e sufocadas num conflito interno que oscila entre afirmar e viver em pleno a sua essência e não querer dececionar e perder o amor dos pais, reprimindo a sua própria identidade numa fachada. Muitos homossexuais afastam-se dos seus familiares ao conquistarem a sua independência financeira e também muitos outros permanecem ligados à sua família por uma ilusão de proteção de vínculos de amor "naturais", mas que exige uma anulação do próprio.

Se uma das maiores preocupações de pais e mães de homossexuais diz respeito à violência a que o filho poderá estar sujeito no quotidiano, em vez de se limitarem a tolerar os seus filhos ou a exercer sobre eles discriminação e violência (tudo aquilo que vai contra ao exercício da parentalidade) deveriam antes acolhê-los, amá-los e ajudá-los a lidar com o preconceito que eventualmente poderão encontrar.

A família é o primeiro sistema de apoio que promove a estruturação da identidade do individuo, de forma mais fragilizada ou fortalecida, e da qual dependerá a sua auto-aceitação, segurança pessoal e resiliência perante as adversidades.

Importa, pois, trazer para o debate público o problema da homofobia ainda sofrida no seio de tantas famílias e escondida pela esfera privada, uma vez que reforça os danos causados pela discriminação e violência nos espaços sociais.

A família, deveria, pois, constituir-se como um importante alvo de ação das políticas públicas que visam a defesa dos direitos humanos e civis, bem como o combate a todo tipo de violência e discriminação.

terça-feira, 20 de abril de 2021

Mente sempre Ativa, Corpo sempre tenso


Felizmente cada vez se fala mais sobre o ser humano como um todo e sobre a importância da saúde mental. A saúde mental é a base do bem-estar geral. É este o sentido da expressão “mente sã em corpo são” ou, noutra formulação, que “não há saúde sem saúde mental”.

“Para todas as pessoas, a saúde mental, a saúde física e a social são fios da vida estreitamente entrelaçados e profundamente interdependentes. À medida que cresce a compreensão desse relacionamento, torna-se cada vez mais evidente que a saúde mental é indispensável para o bem-estar geral dos indivíduos, das sociedades”. (OMS, 2002)

Contudo, ao mesmo tempo, um recente estudo de Thomas Curran e Andrew Hill, publicado no Psychological Bulletin, concluiu que o perfecionismo está em ascensão. Os autores, ambos psicólogos, concluem que "as recentes gerações consideram os outros mais exigentes, são mais exigentes com os outros e são mais exigentes consigo mesmos". Na cultura atual em que se venera a competição, desencoraja-se a cooperação e potencializa-se a individualidade, promove-se a ambição e atribui-se valor pessoal à realização profissional. Não surpreendentemente, as sociedades orientadas por esses valores tornam as pessoas mais críticas e mais ansiosas face à possibilidade de serem julgadas.

Sendo assim, será que andamos a correr para o sentido oposto do que sabemos que é o saudável...? Os níveis de burnout, depressões e ansiedade na nossa sociedade demonstram que sim. Apesar de sabermos da importância de momentos de lazer, dos momentos de desligar, cuidarmos de nós de forma consciente e estarmos em contacto com as nossas emoções, as exigências profissionais e sociais parece que tendem em levar vantagem... O que falta para colocarmos a nossa saúde e bem-estar em primeiro plano? Quanto melhor nos sentirmos connosco, quanto maior o nosso bem-estar, maior será a nossa produtividade no trabalho e melhor serão as nossas relações com os outros (família, amigos e colegas). O que nos leva ainda a pensar que a saúde mental não é assim tão importante? Ou que a falta desta só acontece aos outros? Ou que não é necessário fazer nada para a ter/manter...?

Existem inúmeros problemas físicos e consequentemente doenças, que vão sendo desenvolvidas tais como as tensões musculares acumuladas durante muito tempo. Por exemplo, duas situações muito comuns: dor de costas / dor de cabeça e problemas gástricos. Muitas pessoas nestas situações procuram solução farmacológica e procuram forma de deixar de sentir dor e incómodo. Totalmente de acordo, procurar formas de aliviar o mal-estar é essencial... mas e se em parte formos nós a criar esse mal-estar? E se forem as nossas estratégias de lidar com o stress que não estão a ajudar? E se for a nossa mente que ao estar sempre ativa para fazer mais e melhor, preocupada e em alerta, não permitir o corpo relaxar? A ligação é direta, Mente em alerta – Corpo em tensão. Então porque não olharmos para a nossa mente e procuramos compreender melhor o que está a acontecer? Porque não gastar (investir) algum tempo a olhar para dentro, e permitirmo-nos a compreender o que realmente sentimos? Porque não procurar formas e estratégias saudáveis e mais funcionais para apaziguar essa mente? Essencial para o nosso equilíbrio e estabilidade!

domingo, 21 de março de 2021

A Música como Via para as Emoções

 



“A arte da música é a que mais se aproxima das lágrimas e das recordações.” Oscar Wilde

Esta frase de Oscar Wilde é bem representativa do poder da música na evocação de emoções e memórias, impactando e modulando o nosso estado emocional.

Ao nos permitirmos entregar a nossa atenção plena à melodia, harmonia, ritmo e letra da canção, estamos a potenciar a nossa capacidade para contactar, identificar, nomear e comunicar as nossas emoções. Estas são competências essenciais para o desenvolvimento da autoconsciência emocional, sem a qual não é possível a gestão adequada das nossas emoções e a adoção de respostas mais adaptativas.

Para compreender o impacto emocional da música, foi realizada uma investigação liderada por Alan Cowen, neurocientista da Universidade da Califórnia em Berkeley (EUA), a partir da qual uma amostra de 2500 pessoas provenientes dos EUA e da China foi exposta a ouvir diferentes géneros musicais, incluindo rock, folk, jazz, clássico, experimental e heavy metal. Foi demonstrado que, independentemente do sexo da pessoa e de sua cultura, 13 emoções principais foram universalmente acionadas: diversão, irritação, ansiedade, erotismo, serenidade, sonho, energia, desejo, desafio, alegria, tristeza, medo e triunfo. Por exemplo, a música The Shape of You, de Ed Shereen, despertou alegria na maioria das pessoas, e The Star Spangled Banner, o hino dos Estados Unidos, semeou um sentimento de triunfo ou orgulho, As Quatro Estações, de Vivaldi, teve um efeito energizante nos participantes e, grosso modo, as composições de heavy metal foram tidas como “desafiadoras”.

Podemos então entender que a música comporta uma tonalidade emocional dominante, que poderá ser identificada por uma larga maioria das pessoas, mas também poderá conduzir a reações emocionais diferentes e particulares que são condicionadas pela individualidade de cada um. Por exemplo, a música poderá ter uma tonalidade emocional dominante de alegria, que determinada pessoa identifica, mas provocar-lhe irritação. A reação emocional, assim como qualquer experiência, poderá variar em função do significado atribuído, personalidade, memórias e cultura.

O mapeamento das emoções produzidas pelos diferentes géneros musicais gerou uma ferramenta de software que permite que a pessoa escolha não a música, mas a emoção que deseja sentir através da música. Esta pesquisa poderá ter aplicações em terapias psicológicas e psiquiátricas projetadas para evocar determinadas emoções ou gerar ferramentas para melhorar o humor. Pela via da musicoterapia, é possível aliviar a tensão e minimizar sintomas de diversos problemas como o stress. Sabe-se que a música clássica, por exemplo, é amplamente recomendada para estudantes, pois estimula a aprendizagem e a memória.

As nossas escolhas musicais modulam e alteram as nossas emoções, uma vez que certas zonas do cérebro são ativadas de forma diferente perante construções musicais diferentes e mesmo as respostas fisiológicas podem variar de arrepios, lágrimas, aumento do batimento cardíaco e da atividade psicomotora.

Uma das estruturas cerebrais atividadas pelas perceções musicais é o sistema límbico, que é responsável pelas respostas emocionais, comportamentais e pela memória (afetiva), bem como pela libertação de neurotransmissores, como a dopamina, responsável pela sensação de prazer e bem-estar. Perturbações na regulação do sistema límbico podem gerar perturbações como a depressão e a ansiedade.

A música desperta memórias autobiográficas, um fenómeno denominado por choque de remeniscência e que mostra a influência da música na infância e adolescência. Muitas vezes, basta ouvirmos alguns acordes de uma música associada a esse período da nossa vida,  que imediatamente iniciamos uma viagem no tempo e trazemos ao presente memórias dessa altura, esquecendo por momentos as preocupações no dia a dia.

Sendo a música um importante recurso para modular e alterar as emoções, promover a memória e a aprendizagem, ativar as áreas motora e límbica, que participa na produção de sensações de prazer e bem-estar, não deixe de aproveitar ao máximo os seus benefícios em prol do seu bem-estar psicológico, nomeadamente neste período mais conturbado de crise pandémica.

Nesse sentido, deixamos as seguintes propostas que poderá desde já colocar em prática para promover o contacto com as suas emoções através da música:


1)      Através do link www.ocf.berkley.edu/~acowen/music.html#modal aceda ao software criado por Alan Cowen e seus colaboradores e identifique as suas emoções ao ouvir os trechos musicais. Experimente o software com outras pessoas.

 

2)      Identifique uma música significativa na sua vida, as emoções que ela lhe evoca e as memórias associadas.


domingo, 14 de fevereiro de 2021

De que forma a tolerância ou a falta desta afeta a nossa saúde mental?

 À primeira vista podia-se pensar de forma automática que a existência ou falta de tolerância estaria pouco relacionada com a saúde mental, podendo-se achar que uma pessoa pode estar bem psicologicamente, sentindo-se bem consigo e com os outros não sendo tolerante... mas como será possível estarmos bem com os outros sem a capacidade de toleramos as diferenças? Tendo em conta que a tolerância se define como “A tolerância, do latim tolerantĭa (constância em sofrer), é um termo que define o grau de aceitação diante de um elemento contrário a uma regra moral, cultural, civil ou física. Do ponto de vista da sociedade, a tolerância é a capacidade de uma pessoa ou grupo social de aceitar outra pessoa ou grupo social, que tem uma atitude diferente das que são as normais no seu próprio grupo. Assim, a partir da tolerância, é garantida a aceitação de diferenças sociais e a liberdade de expressão. Tolerar algo ou alguém é permitir que algo prossiga, mesmo que a pessoa não concorde com tal valor, pois é dado o respeito de discordar. Ser tolerante implica aceitar que todos temos a liberdade de escolha das nossas convicções e escolhas, e que todos temos o direito exatamente igual de desfrutar da mesma liberdade”.

Assim, tendo em conta que termos saúde mental também significa termos a capacidade de adaptação e conseguirmos criar relações com pessoas, é essencial olharmos para a nossa capacidade de tolerância como um aspeto essencial a ser refletido.

Nos últimos tempos, parece-me que temos assistido a um aumento da intolerância social. Violência e atos de intimidação contra pessoas que exercem a sua liberdade de opinião e de expressão. Parece-me que se tem confundido dar opinião com ditar opinião de forma fundamentalista, anulando-se todos os pontos de vista diferentes. E parece-me que isso tem vindo a ganhar espaço sobretudo nas redes sociais, um pouco sobre todos os temas. De repente, temos doutorados e especialistas em todas as matérias, opinando como se cada um, individualmente tivesse a verdade absoluta.

Isso é assustador. Estamos cada um a crescer e a viver na sua própria bolha? Até que ponto a pandemia, ao exigir um maior distanciamento social, em que as pessoas se fecharam mais nas suas casas, também se fecharam mais nas suas redes sociais, na sua bolha, na sua realidade e as suas opiniões se tornaram mais e mais fundamentalistas?

É fundamental para uma sociedade harmoniosa, haver a capacidade de reflexão e a capacidade crítica, e isso acontece quando todos podemos partilhar as nossas opiniões e crescermos com essas partilhas, podendo assim evoluirmos como sociedade e como pessoas.

Uma boa saúde mental individual está relacionada com a vivência numa sociedade mais harmoniosa, onde se respeita o espaço do outro, e onde se aceita a diferença de ideias, de valores, de religião, de cultura, de visão política e de orientação sexual.

Uma pessoa tolerante tem uma maior flexibilidade mental, tem uma maior capacidade de se adaptar e isso permite com que a pessoa possa lidar melhor com situações inesperadas, de stress e de frustração, vivendo de forma mais tranquila e satisfatória.

Os meios de comunicação têm um papel fundamental e não podemos negar o peso do sensacionalismo, que tem tido um crescimento exponencial. Para além disso a educação formal e informal são os meios primordiais para promover a tolerância.

Proponho uma reflexão sobre este tema... Sou tolerante? Quais são as consequências da minha tolerância ou falta dela, em mim, nos outros e nas minhas relações ? Como me poderei tornar mais tolerante e como isso me faria sentir?

sábado, 30 de janeiro de 2021

Falta de Saúde Mental e Crise Financeira de mãos dadas

 Basta olhar para trás e ver pela História e pelas experiências recentes para sabermos que as crises sanitárias rapidamente se associam a crises económicas e sociais. A pandemia COVID-19 deixou muitas famílias em dificuldades financeiras, em situações de desemprego ou com diminuição dos seus rendimentos. Neste momento, muitos vivem preocupados com a estabilidade e com a continuidade da sua situação profissional. Se a situação de pandemia por si só é geradora de preocupação, ansiedade e stresse, quando temos preocupações com a nossa sustentabilidade financeira e da nossa família, os níveis de preocupação e ansiedade podem aumentar.

Segundo pesquisas conduzida pela APA – American Psychological Association, o dinheiro é a principal fonte de stresse para a maioria das pessoas, e estudos realizados durante esta pandemia já demonstram que a ansiedade financeira pode ser tão elevada quanto a ansiedade relativa à saúde. Para além disso, o problema financeiro pode agravar as situações de quem já está com problemas psicológicos, intensificando todos os sintomas nomeadamente pensamentos negativos em relação a si, à vida e ao futuro, bem como os quadros ansiosos, melancólicos e de desesperança.

Desta forma podemos dizer que a saúde financeira afeta a nossa saúde mental, mas também que a saúde mental afeta a nossa saúde financeira. Pessoas com sintomas de depressão ou ansiedade por um longo período de tempo sentem maior dificuldade em gerir as suas finanças, pois a intensidade dos sentimentos de medo, ansiedade e preocupação, aumentam a impulsividade na tomada de decisões, podendo trazer consequências ainda mais negativas em várias áreas de vida.

Assim, torna-se fundamental olhar paras estas duas realidade e uni-las: literacia em saúde e literacia financeira. É importante aprender a gerir a nossa ansiedade financeira e adotar comportamentos que promovam escolhas financeiras que nos façam sentir mais tranquilos e seguros. Para fortalecer a resiliência na gestão de crises como a que vivemos, é fundamental melhorar os conhecimentos nesta área, nomeadamente desenvolver hábitos para maximizar uma boa gestão do orçamento familiar, promover o recurso responsável ao crédito e criar hábitos de precaução, sensibilizando para situações de risco que podem afetar o rendimento. Por outro lado, a literacia em saúde, apesar de ser uma conceção recente, tem vindo a ganhar uma crescente importância e destaque nos domínios da saúde pública e dos cuidados de saúde. Assim, em 1998, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu literacia em saúde como o “conjunto de competências cognitivas e sociais e a capacidade dos indivíduos para acederem à compreensão e ao uso da informação de forma a promover e manter uma boa saúde”.

Como potenciar ambas? Estando estas duas realidades intimamente ligadas, e sendo imprescindíveis no desenvolvimento de indivíduos mais conscientes de si, responsáveis e resilientes, será imperativo o desenvolvimento destas soft skills na formação educativa das nossas crianças e jovens. É fundamental que o ensino esteja sensibilizado para a importância da inclusão da literacia financeira e da literacia em saúde nos seus programas curriculares, na medida em que o desenvolvimento destas competências, é decisivo para a formação de adultos mais equilibrados e com mais condições de aceder a situações futuras de sucesso, possibilitando a construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades.

 Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade - Psychology Now, nº 52 Jan-Fev-Mar 2021
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sábado, 16 de janeiro de 2021

Ano Novo Oportunidade Nova


 

Um novo ano começa agora e com ele o desejo de encerrar um ciclo deveras exigente e para muitos devastador, renovando a esperança por um ano novo melhor.
E o que poderíamos entender como um ano novo melhor?
A resposta mais imediata seria indiscutivelmente a resolução da crise pandémica mas um ano novo melhor terá necessariamente de implicar mudanças internas individuais e coletivas. Sem um novo eu mais saudável, não poderá existir um ano novo melhor, a transformação começa por dentro.
E será que a crise pandémica que vivemos poderá ter algum potencial transformador? Esperemos sinceramente que sim. Se daqui não advir qualquer processo de aprendizagem e de transformação individual e coletiva, significa que todo o sofrimento e cansaço a que fomos sujeitos, foram completamente estéreis e em vão. 
A privação e a perda por aquilo que tomávamos como garantido, permitiu-nos contactar com o que realmente é essencial e tantas vezes invisível e subestimado. Cada um de nós trava diariamente a sua batalha pessoal, muitas vezes em silêncio e solidão, pelo que importa não nos distrairmos da importância da empatia e do encontro com o outro, nomeadamente em relação aos que não podem estar perto.
Face a circunstâncias externas que não controlamos, importa focar e valorizar naquilo que realmente podemos fazer para promover o nosso bem estar e o bem estar do outro.
O cuidar da nossa saúde psicológica, tal como cuidamos da nossa saúde física representa  o novo melhor que podemos implementar este ano.
O contato com as nossas emoções, sobretudo quando surgem sintomas de ansiedade, depressão e stress, é fundamental no reconhecimento de sinais de alerta no que respeita à saúde mental. O suporte da rede familiar e social, exercícios de relaxamento, mindfulness, meditação, hobbies, atividade e exercício físico podem ser importantes facilitadores na gestão e no equilíbrio emocional.
Da mesma forma, o auto-conhecimento, o tempo dedicado a atividades prazerosas e ao descanso, bem como a adoção de uma rotina significativa e gratificante, são elementos chave para uma saúde mental mais robusta.
Se o ano transato nos confrontou com o caráter efémero e mutável da vida, que este novo ano sirva para aprendermos a tirar o melhor partido de cada momento, a desfrutar das pequenas coisas, a valorizar cada conquista, a estabelecer novos desafios, a implementar estratégias de ação e a criar oportunidades de aprendizagem.
Podemos pois ter um papel ativo, mesmo perante condições adversas, porque na realidade não basta esperar que fique tudo bem. O bem estar emocional é, acima de tudo, um trabalho e uma responsabilidade pessoal, que poderá ser facilitado por um acompanhamento psicológico especializado.  
Este será certamente o grande desafio para 2021, transformar um ano que se adivinha desafiante numa oportunidade para desenvolver a resiliência, o auto-cuidado, a criatividade, a empatia, a gestão emocional, a aceitação perante o que não se pode mudar e a gratidão pelo que temos.