quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A Música como recurso para o nosso Bem-Estar

A música é celeste, de natureza divina e de tal beleza que encanta a alma e a eleva acima da sua condição – Aristóteles

A música (do grego μουσική τέχνη - musiké téchne, a arte das musas) é uma forma de arte que se constitui na combinação de vários sons e ritmos, seguindo uma pré-organização ao longo do tempo. O campo das definições possíveis é na verdade muito grande, existem definições de vários músicos e de musicólogos, mas podemos considerar segundo estudos, que a música é uma linguagem universal, e faz parte da história da humanidade desde as primeiras civilizações. Não se conhece nenhuma civilização que não possua manifestações musicais próprias. Definir a música não é tarefa fácil porque apesar de ser intuitivamente conhecida por qualquer pessoa, é difícil encontrar um conceito que inclua todos os significados dessa prática. Mais do que qualquer outra manifestação humana, a música contém e manipula o som e o organiza no tempo.

De que forma a música lhe toca? Como é a sua relação com a música? E se tivesse que escolher 10 músicas como a banda sonora da sua vida? Aceita esse desafio?

Existem inúmeros estudos e cada vez mais, que comprovam os efeitos positivos da música no nosso cérebro. E hoje, decidi trazer esta sugestão de reflectirmos e tornarmo-nos mais conscientes sobre a influência que a música tem sobre nós, para a podermos utilizar como um recurso para o nosso bem-estar.

Um dos desafios é recordar de forma cronológica quais as músicas que nos foram marcando na nossa vida, na infância, na adolescência, na juventude, na vida adulta... Um outro é recordar associações de determinados momentos marcantes a determinadas músicas, tal como uma viagem, umas férias, um aniversário, um momento, uma pessoa... Um outro desafio será perceber as sensações que essas recordações nos trazem. O que nos faz sentir quando ouvimos ao vivo aquela banda que seguimos há 30 anos e quando tocam aquela nossa música favorita? Essa sensação é indescritível? Pois é. Será pela sonoridade em si? Será pela história daquela música e banda? Será pela familiaridade do som? Talvez por tudo isto e mais... E qual a sensação quando estamos no meio do trânsito e de repente passa uma das nossas músicas favoritas? Qual a sensação no final de um concerto que simplesmente adorámos? E o que sentimos quando decidimos colocar uma música, que acabámos de conhecer em modo “repeat”?

A música tem a capacidade de alterar o nosso estado de espírito. O corpo reage às vibrações dos sons, são despertadas sensações e emoções que interferem no funcionamento de nosso organismo. Atinge a nossa parte motora e sensorial por meio do ritmo e do som, e por meio da melodia, atinge a afectividade. A música proporciona alegria, melancolia, tensão, energia, motivação, sensualidade, calma, tranquilidade... A música tem um efeito quase mágico sobre as pessoas, algumas músicas motivam-nos para correr uma maratona inteira, outras fazem-nos querer ficar na cama e a chorar, e outras fazem-nos viajar no tempo.

A capacidade que a música tem de despertar sensações e emoções, pode ser a base de um dos seus maiores benefícios e um dos nossos recursos. E se conseguirmos identificar o nosso estado de ânimo (tristes, zangados, desmotivados...), e percebermos que tipo de música nos faz sentir melhor? Não poderemos efectivamente utilizar a música como nossa aliada?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A arte de sermos nós mesmos



Sermos nós mesmos é algo que a maioria de nós aspira e que relaciona com uma postura de autenticidade, espontaneidade e liberdade perante a vida e os outros.
No entanto, esta autenticidade é muitas vezes confundida com a tendência por parte de algumas pessoas em dizerem tudo aquilo que pensam em relação aos outros, sem se preocuparem se estão a magoá-los ou não. Será isto sermos nós mesmos? Na realidade o que isto revela é sobretudo a existência de um descontrolo dos impulsos agressivos e de uma falha na adequação social mascaradas por detrás da designação de autenticidade mas que em nada se relacionam com ela.
A autenticidade relaciona-se sobretudo e antes de mais com a compreensão do nosso funcionamento, isto é com um auto-conhecimento profundo.
Todos nós, até determinado ponto, somos condicionados, não só pela nossa biologia, isto é pelas nossas características inatas, mas também por fatores culturais. Nascemos e crescemos inseridos numa sociedade e para vivermos integrados nela, é esperado adotarmos e respeitarmos determinados códigos e regras de conduta. Por exemplo, para fins de ordem profissional e de garantia do nosso sustento, temos necessidade de sermos aceites e de incorporar certos limites e condicionalismos que vêm de fora. No entanto, torna-se problemático quando a preocupação pela adesão às normas vigentes é de tal modo excessiva e exagerada que leva o indivíduo a esconder a sua individualidade por medo do julgamento dos outros, vivendo em sofrimento por isso. 
Importa não esquecer que existe sempre um espaço para o exercício da nossa liberdade individual, para nos reinventarmos e sermos criativos e é esse espaço que é necessário ocupar e viver com responsabilidade. É o espaço onde nos descobrimos, quer no que respeita aos valores que nos orientam, à atividade intelectual e desportiva que nos estimulam, ao sentido de humor com o qual nos identificamos, à forma como nos relacionamos, às atividades que escolhemos para lazer, entre outras dimensões da nossa identidade. No fundo, é no exercício deste livre arbítrio, que nos vamos conhecendo e entrando em  contacto com o nosso verdadeiro eu.
Uma das principais dificuldades vividas por muitos de nós está exactamente em explorar e em viver este espaço, quer seja por medo do julgamento do exterior face a eventuais erros ou por receio de sair da zona de conforto à qual estamos habituados. No entanto, se queremos realmente sermos nós mesmos, teremos em primeiro lugar de saber quem somos e arriscarmo-nos a viver nesse espaço de liberdade individual onde,naturalmente, vamos entrar em contacto com as nossas vulnerabilidades e limitações mas também com as nossas forças e potencialidades.
Podemos dizer que a compreensão e a aceitação do verdadeiro eu na sua íntegra, por um lado, e a vivência de acordo com o que se é e acredita, por outro, são duas condições fundamentais na promoção de uma maior harmonia na relação connosco e com os outros e no domínio cada vez melhor na arte de sermos nós mesmos.


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sem direcção?... e a importância de conhecermos os nossos Valores

Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

... cantava José Régio, no Cântico Negro. Muitos de nós já experienciámos esta realidade em alguns momentos das nossas vidas. Não sabemos para onde vamos, o que queremos, sabemos apenas que não é por ali...
Por onde queremos ir, afinal? Por onde é que vamos? Em momentos como estes procuramos por algo que nos oriente, que nos guie, desejamos uma bússola nos indique o caminho... Parecemos esquecer (ou desconhecer) que é em nós que está essa resposta. É dentro de nós que podemos encontrar esse rebuscado instrumento de navegação chamado Valores.
É frequente confundir-se Valores com Objectivos. Os Valores são uma direcção. Os Objectivos são destinos. Quando alcançamos um objectivo, o trabalho está feito, terminámos. Os valores, por seu lado, são viagens de uma vida. Não acabam. Guiam-nos ao longo da vida.
No entanto, e ainda que sejam coisas diferentes, Valores e objectivos estão relacionados. Muitas e diferentes pessoas partilham, por exemplo, o objectivo de fazer um curso superior, e terão chegado a esse “destino” quando tiverem o certificado na mão. Missão cumprida, tarefa concluída, objectivo alcançado! Contudo, diferentes Valores podem aí ter estado envolvidos: alguns fazem-nos por terem a educação, a aprendizagem, como Valor; outros porque Valorizam a possibilidade de um futuro mais estável financeiramente, e ver este como um caminho para lá chegar; outros vivem o Valor da amizade, e a universidade é um contexto facilitador para conhecer novas pessoas e fazer amigos. Não há Valores bons nem maus... são escolhas (não decisões) que não carecem de ser justificadas ou defendidas.
Há também pessoas, ou momentos, em que parece nada ser Valorizado, em que os Valores parecem não existir. Isso acontece, geralmente, em momentos de quase desespero, ou em que nos sentimos profundamente desesperançados e receamos expressar os nossos Valores, ou, tão só, por não termos tido ainda espaço para entrarmos em contacto pleno com os nossos próprios Valores.
Nesse trabalho pode ser importante questionarmo-nos “Isto é algo que me importa, pelo qual me interesso?”, em vez de “Consigo alcançar isto?”. Os Valores são aspiracionais: Quais os Valores aos quais eu aspiro? Que Valores quero que rejam a minha vida?
E quando olhamos para dentro e começamos a encontrar estas direcções, podemos arriscar questionarmo-nos quais desses Valores que encontrámos são verdadeiramente nossos, quais podem ser resultado da pressão social, ou da vontade generosa de agradar outros. Quais quero manter? Por que estou a fazer isto? Faço-o por mim ou por outra pessoa?
Importa não esquecer que o propósito dos Valores tem que ver com (re)descobrir as nossas próprias vidas, (re)descobrirmo-nos a nós mesmos e... escolher por onde vamos.

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

(José Régio, in O Cântigo Negro)


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

E se as nossas necessidades ficarem em segundo plano... quase sempre?

Falei na semana passada da questão da auto-determinação e da heterodeteriminação e da importância de termos consciência dessa tendência, para melhor entendermos de que forma nos afecta a nós e aos outros e de que forma lidamos com as consequências dessa nossa atitude.

E hoje continuando na linha desse mesmo tema, pergunto, sendo nós mais hetero determinados, ou quando decidimos numa determinada situação sê-lo, quando tomamos determinadas opções, tendo em conta a vontade e a necessidade do outro, ficamos à espera de retorno? E caso esse retorno não chegue, o que fazemos a esse mal-estar que isso nos cria?

Quando tomamos a opção de escolher algo que coloca a nossa necessidade ou vontade em segundo plano (porque é uma opção, podemos escolher colocar a nossa vontade em primeiro ou em segundo plano), podemos ficar genuinamente satisfeitos e realizados por vermos a outra pessoa satisfeita e feliz. Mas e se isso for sempre assim? E se nos apercebermos que a nossa posição nas relações tem tendência de ser essa, a de colocarmos a nossa vontade e as nossas necessidades em segundo plano? Mas e se as pessoas se “habituarem” a esta nossa postura e nós aceitarmos o não retorno, porque escolhemos simplesmente ser assim, sem esperar nada em troca... Aguentaremos realmente não receber nada em troca? Ou estaremos no nosso íntimo à espera de que esse retorno chegue entretanto? E se continuar sem chegar? O que fazemos a essa tristeza, angústia, frustração, desilusão, às vezes até culpa...? E o que fazemos se a nossa vontade e necessidades continuarem a não serem consideradas?

Todas as pessoas têm as suas“feridas", que podem provocar padrões de relacionamento mais complicados e conflituosos, e cada pessoa, conforme a sua estrutura, experiências e organização tem formas diferentes de dar e receber amor. E assim existem pessoas que dão muito, pessoas que sentem que dão muito, outras que precisam de receber e dar de forma igualitária, outras que precisam de receber de forma intensa e constante, e muitas outras formas...

Sem dúvida que podemos ter uma determinada tendência, o que é natural, e o primeiro passo é conseguirmos tomar consciência desse padrão, para o conseguirmos "desconstruir”, para construirmos algo que nos seja mais funcional, mais satisfatório, e que nos permita viver de forma mais harmoniosa connosco próprios e com os outros.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 20 de novembro de 2016

Superando a dor da rejeição



A experiência da rejeição é algo que todos nós já vivenciámos ao longo da vida mas nem por isso deixa de ser menos dolorosa quando acontece.
Quem nunca se sentiu, naquele momento da infância, esquecido ou preterido por parte dos pais? E anos mais tarde, quando o amigo mais chegado, começou a dar preferência à companhia de outro? 
Na fase adulta, esta é uma experiência que continua a ser vivida nas mais diversas situações, nomeadamente nas relações amorosas e de amizade mas também no contexto laboral quer em situações de despedimento ou na ausência de reconhecimento das competências para determinado cargo.
O sofrimento associado à experiência da rejeição é profundo, sobretudo face ao abandono e perda de figuras afetivamente significativas, o que poderá dar lugar a marcados sentimentos de tristeza aliados a sentimentos de zanga e revolta. É como se o investimento afetivo depositado naquela pessoa não tivesse sido correspondido, ficando o próprio numa economia de perda em que deu mais afeto que aquele que recebeu. 
É expectável que este seja um momento de dor e como tal é importante que o próprio conceda a si mesmo o tempo necessário para elaborar esses sentimentos, reavaliar a situação e refletir sobre o que aconteceu. Se a elaboração da perda se processa de maneira saudável, a reação depressiva não se prolonga no tempo nem se pauta por uma intensidade marcada, implicando um sentimento depressivo mas também de zanga.  No entanto, em personalidades depressivas, que durante a infância não se estruturaram de forma segura, a tendência centra-se na culpabilização do próprio face à não correspondência afetiva, sendo esta atribuída à falta de qualidades pessoais. Nestes casos, a frustração afetiva, a indiferença ou a rejeição por parte do outro são suscetíveis de levar à instalação de uma depressão mais grave, mais longa e mais intensa, com sentimentos de inferioridade, podendo induzir diálogos internos auto-punitivos tais como “ele deixou-me porque eu não sou suficientemente atraente e inteligente” ou “há pessoas mais interessantes que eu”.  
Por seu lado, os  indivíduos com personalidades mais seguras, quando percebem que não estão a ser correspondidos, tendem a reajustar o seu posicionamento naquela relação ou procuram chegar a uma solução de compromisso satisfatória para ambas as partes. Nos casos em que a separação é inevitável, importa aceitar e lidar com a tristeza que daí decorre para que as expetativas outrora criadas possam ser diluídas e finalmente seja tempo de voltar a investir na realidade externa, em novos projetos e em novas pessoas. 

Podemos então entender a experiência da rejeição como parte integrante do nosso crescimento, sendo mesmo possível ressignificá-la de forma diferente. Se olharmos para ela como o resultado da escolha do outro em seguir um caminho diferente, podemos integrá-la como sendo uma decisão que se prende acima de tudo com o processo pessoal dele e não nos vamos pôr em causa por isso nem interpretá-la como um ataque pessoal. Assim, é possível vivenciar estas experiências de modo mais construtivo e tranquilo, na medida em que prevalece uma atitude de aceitação e respeito, não só pelo outro mas também pelo próprio, na medida em que a existência de uma auto-estima consolidada apenas torna aceitável uma relação em que haja correspondência afetiva. E isto promove a diluição de uma dor, que de outra forma, nos aprisionaria ao passado, penalizando-nos e impedindo-nos de usufruir daquilo que mais importa: o presente.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

“O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho”... e a dificuldade em viver o Presente

Há uma semana foi anunciada a morte de Leonard Cohen, reconhecido cantor, mas também escritor, poeta, e monge budista. E é como se essa variedade e complexidade estivessem presentes nas suas músicas e letras – goste-se ou não, o ritmo que escolhia e as letras que cantava levaram a que Pico Iyer dissesse que “Cohen takes you in, not up.”, ou seja, que as suas canções não são para elevar o ânimo, mas sim canções que nos fazem viajar para dentro de cada um de nós, em profundidade.
Cohen encontrou na meditação e na vivência budista a forma de desacelerar a vida agitada que tinha. Encontrou-se no silêncio, na quietude, arte de parar, de estar no presente. Terá dito que não ir a parte nenhuma foi a grande aventura que faz sentido em qualquer outro lugar.
Apesar de a prática da meditação ser milenar, de tantos exemplos mediáticos (Cohen, Alan Watts...) destacando a importância de vivermos o presente, da possibilidade de encontrarmos sugestões mindfulness em tantas publicações e até mesmo apps... continua a ser-nos terrivelmente difícil habitar adequadamente este lugar a que chamamos Presente. Também no Livro do Desassossego, Fernando Pessoa escreveu: Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho. Mas a verdade é que a nossa mente parece muito mais passear entre o passado, de um Presente que já foi, e o futuro, que ainda não está aqui, e que não pode, por isso, ser parte da realidade vivida enquanto não for, também ele, Presente.
Estamos desastrosa e quase permanentemente conectáveis; já não há fins de semana; os dias de descanso são só para alguns; dormimos pouco; corremos muito; comemos mal. E, mesmo quando conseguimos fugir desse ambiente de serviço de urgências, e até quando somos presenteados com um sol magnífico (ou uma super-lua!), o céu mais azul que já vimos, o mar de um turquesa encantador, a brisa que refresca e ao mesmo tempo aconchega... a nossa mente consegue fugir para a reunião que vamos ter daí a dois dias, para a discussão da semana passada com o nosso melhor amigo, ou, simplesmente, para as belas fotos que vamos poder publicar nas redes sociais. É como se esse sol, o mar, a brisa que embala, pudessem ser mais reais, e também melhor apreciados, quando já são memória. Porque no Presente são difíceis de experienciar, com tanto ruído que existe em nós.

Contudo, importa estarmos preparados para esta dissonância entre o espaço temporal em que os nossos corpos e as nossas mentes se encontram. Aceitarmos que estas duas partes de nós nem sempre coexistem no mesmo Tempo. E, com isso, lembrarmo-nos também que o mesmo pode acontecer com as outras pessoas – e que, por exemplo, quando parecem não estar a prestar atenção ao que estamos a dizer, podem simplesmente estar a experienciar esta dificuldade.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Autodeterminado? Ou heterodeterminado?

Quantos de nós temos uma maior tendência em ser autodeterminados? Quantos de nós temos a tendência de ser heterodeterminados? Quantos de nós temos a consciência dessa tendência? Quantos de nós ficamos satisfeitos com essa tendência? Quantos de nós conseguimos ir conciliando estas duas abordagens de uma forma satisfatória para si?

A questão da auto ou hetero determinação, não é de todo, qual a mais ou menos correcta e acertada, mas sim, de que forma temos essa consciência, de que forma nos afecta a nós e aos outros e de que forma lidamos com as consequências dessa nossa atitude.

Por exemplo, quando alguém nos diz que esse curso não tem saída e que por isso temos que escolher outra formação que garanta um emprego, ou quando alguém nos diz que temos que manter o casamento porque, casamento é para a vida. Efectivamente podemos aceitar o conselho e tirar um outro curso, como também podemos tentar manter o casamento. Com certeza que serão as opção mais acertadas, se realmente essas forem uma escolha nossa, sentida. Contudo, quantas vezes sentimos que não é uma opção nossa e escolhemos à mesma avançar com ela? O que nos pode levar afinal a seguir a opinião/conselho/orientação/pressão dos outros, quando estamos a decidir algo para a nossa vida? Na verdade a consequência dessa decisão será vivida apenas por nós... E como é suportar uma consequência que não queríamos, mas que nos vimos levados a ela? Quantas vezes nos sentimos desiludidos, angustiados, arrependidos com um peso que não era suposto? Se temos essa tendência e nos apercebemos que o resultado pode ser devastador para nós, o que nos pode levar a manter essa atitude e a não sermos mais autodeterminados?

Mas por outro lado, quantas vezes decidimos não seguir a opinião/conselho dos outros e seguir a nossa vontade? O que sentimos, quando estamos a fazer o que nos faz mais sentido? Mas quantas vezes nos apercebemos que afinal a outra pessoa podia ter tido razão, ou que teve mesmo. Talvez possamos aprender algo com isso, tenho a certeza, no entanto também nos podemos sentir menos boas pessoas por termos seguido a nossa vontade e não o conselho de quem se preocupa connosco. E quantas vezes surge uma vozinha a chamar-nos egoístas? Mas estaremos realmente a ser egoístas quando seguimos a nossa vontade?

A tomada de consciência das nossas necessidades e o desenvolvimento da nossa assertividade (ver artigo sobre assertividade), possibilitar-nos-á uma liberdade na escolha e uma maior capacidade de lidar com as consequências dessa escolha, de forma mais tranquila e menos culpabilizadora.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 13 de novembro de 2016

Como ensinar o meu filho a estudar?

A aquisição de métodos de trabalho eficazes e de competências ligadas ao saber estudar são determinantes para um percurso escolar e académico bem sucedidos.
A aprendizagem destas competências, muitas vezes negligenciada, não só promove a autonomia dos alunos, como também lhes vai exigir menos tempo de estudo e aumentar a eficácia na compreensão e apreensão dos conteúdos.
Para ajudar os seus filhos a alcançar o sucesso escolar, os pais têm um papel fundamental na promoção da autonomia, responsabilidade e motivação dos filhos, assim como no desenvolvimento das estratégias de estudo mais eficazes das quais se destacam as seguintes:
·         Escolher um local de estudo cómodo, tranquilo e bem iluminado, com a temperatura ideal e isento de fatores distratores, no qual todo o material necessário deve estar disponível.
  • Criar uma rotina de estudo, estando definido esse tempo no horário semanal. Não é possível os alunos estudarem apenas o que lhes apetece e quando lhes apetece, sendo fundamental o incentivo dos pais para um estudo regular e frequente já que tal permite ir acompanhando a matéria diária, possibilitando reforços de aprendizagem e esclarecimento de dúvidas.
  • Gerir o tempo de forma equilibrada, sabendo que os períodos de estudo devem ter uma duração de 40-50 minutos, ao fim dos quais importa fazer uma pausa de cerca de 15 minutos. Repartir o esforço por diferentes momentos traz melhores resultados. 
  • Começar a estudar pelas disciplinas mais difíceis, enquanto os níveis de concentração são mais elevados e passar depois para as disciplinas mais fáceis.
  • Ler,explicar e praticar 
Ø  Num primeiro momento o aluno deverá ler com atenção as fontes de informação, realizando uma leitura compreensiva, ou seja, ler a frase completa, fazer breves pausas para pensar no que leu e reler quando não compreender. Durante essa leitura é importante ir sublinhando as ideias principais através das quais pode ir buscar as secundárias.
Ø  Numa segunda fase importa que o aluno reproduza a informação por palavras suas como se estivesse a dar uma aula, porque mais facilmente a informação ficará armazenada na memória a longo prazo, especialmente nos alunos cujo processamento da informação é feito preferencialmente pela via auditiva. Como uma das melhores maneiras de aprender é a ensinar, ao “ensinarem a matéria aos pais” os pais podem assumir um papel importante, nomeadamente fazendo perguntas à criança para aferirem se ela consegue explicar, pedindo pormenores e exemplos ou uma explicação diferente.
A  realização de apontamentos e resumos, reescrevendo por palavras suas os aspectos considerados mais importantes, permite igualmente trabalhar e sistematizar a informação. A elaboração de esquemas de chavetas ou de setas é outra estratégia útil sobretudo nos alunos cujo processamento da informação é feito preferencialmente pela via visual.
Ø  Por último, o estudo implica que o aluno consiga demonstrar o que sabe através de diferentes tipos de exercícios e perguntas, sendo a simulação de teste uma estratégia muito eficaz.

Importa salientar que cada aluno tem o seu próprio perfil de aprendizagem, pelo que devem ser exploradas e encontradas as estratégias de estudo mais eficazes para cada um. A valorização por parte dos pais do esforço, do trabalho e dos progressos dos seus filhos, promove igualmente o sentimento de confiança, de competência e a motivação para os estudos. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

A tristeza como um farol...

Um dos meus “mentores” costuma dizer que quem não entristece… deprime. Susan Piver diz que o desespero é consequência de lutarmos contra a tristeza. O desconforto e mal estar associados a quando sentimos tristeza fazem-nos, por vezes, colocar no seu lugar emoções que imaginamos (e, mais do que isso, desejamos) magoarem menos, como raiva, desesperança, desamparo…
Sabemos que esta raiva nos complica frequentemente a relação com os outros, e que a desesperança e o desamparo nos levam, quase irremediavelmente, a refugiarmo-nos na inacção. Nada disto cumpre a sua função inicial, pois não?!? Não ficamos, de todo, menos tristes do que estávamos inicialmente…
Mas, e se encararmos a tristeza que estamos a sentir como uma chamada de atenção? Como o início de um caminho que nos ajudará a sentirmo-nos melhor, mais felizes... Ou seja, olhar a tristeza como uma oportunidade, dolorosa, para vermos aquilo que fomos ignorando e precisamos saber, e que nos levará a uma nova fase de mudança e crescimento.
Não nos iludamos, “abraçarmos” a nossa tristeza, sem a camuflar com outras emoções ou actividades, não nos faz sentir imediatamente bem: é difícil e, por vezes, mesmo doloroso. Mas permite-nos sentirmo-nos vivos, em contacto connosco próprios. Dá-nos a possibilidade de parar, observar, e ganhar consciência acerca do que está mal nas nossas vidas… a única forma de podermos voltar a trazer-lhes equilíbrio. Ao prestarmos atenção às nossas emoções, à nossa mente, é como se estivéssemos a vê-la trabalhar, e isso pode ajudar-nos a não nos sentirmos tão oprimidos pelos nossos pensamentos, e, portanto, mais livres para fazer diferente, para mudar.
Contudo, a sensação de desamparo tem aqui um forte impacto, uma vez que pode fazer-nos sentir que não somos capazes de mudar a nossa situação, e, portanto, a tristeza permanece. Por outro lado, a sensação de esperança, a crença nas nossas capacidades, e a coragem em agir essa autoconfiança, permitem melhorar o nosso humor. Como refere James Gordon,  assim que aprendemos a expressar as nossas emoções, nos comprometemos em nos ajudarmos a nós mesmo, e a chegar aos outros, já estamos no nosso caminho.
Por outro lado, e como já fui falando noutros textos, ao fugirmos de qualquer emoção, neste caso da tristeza (e de qualquer estado a ela associado), corremos o risco de permanecer presos nos mesmos padrões de sempre, nos hábitos, ideias e formas de nos relacionarmos com os outros que se foram deteriorando, que não nos servem.

Este não é, como vemos, um caminho sem obstáculos. A dúvida, a solidão, o orgulho, o ressentimento, a procrastinação, o perfeccionismo, o medo... todos eles podem aparecer, mesmo sem serem convidados. Olhêmo-los antes como desafios, e usêmo-los como faróis que nos ajudam a ver melhor o nosso prório sentido, propósito e direcção.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Distorções Cognitivas - a importância de as identificar e de as questionar

Muitos de nós, em determinados momentos, podemos sentir que nos boicotamos e que somos o nosso pior inimigo, sem no entanto percebermos, porque é que as coisas não avançam por mais que tentemos fazer com que elas aconteçam.

As DISTORÇÕES COGNITIVAS são basicamente maneiras distorcidas de processar uma informação, ou seja, são interpretações enviesadas do que nos acontece, criando diversas consequências negativas.  Quando se sofre de depressão, por exemplo, tem-se uma visão da realidade na qual as distorções cognitivas exercem um papel principal (visão de túnel). Todos nós podemos utilizar algum tipo de distorção cognitiva. Saber detectá-las e analisá-las ajuda-nos a desenvolver atitudes mais realistas e, acima de tudo, mais funcionais.

Aqui ficam algumas das distorções cognitivas e exemplos de situações:

Personalização
Quando nos sentimos 100% responsáveis pelos acontecimentos. Por exemplo, o filho do António fez um exame e não passou. O António pensa logo ter fracassado na educação do seu filho, acha que cometeu algum erro, porque se tivesse feito tudo bem feito, seu filho teria aprovado.

Filtro mental
Consiste em focarmo-nos nos aspectos negativos e ignorar o resto da informação. O negativo é filtrado e absorvido, enquanto o positivo é esquecido. Exemplo: A Maria preparou um prato para um jantar e convidou nove amigas.  Quase todas adoram a refeição da Maria, à excepção da Cristina, que disse que o prato estava um pouco salgado. Maria sente-se mal por isso e passa a achar que cozinha terrivelmente mal.–  Ela só absorveu o negativo, ignorando totalmente os aspectos positivos.

Esta distorção também está presente quando acreditamos que se algo aconteceu uma vez, acontecerá em todas as outras vezes. Por exemplo: O João terminou com a Sónia depois de dois anos e meio de relação. A Sónia pensa “ninguém vai gostar de mim”“nunca mais encontrarei alguém que queira ficar comigo”.

Maximização e minimização
Essa distorção cognitiva consiste em maximizar os nossos próprios erros e os acertos dos outros e, minimizar os próprios acertos e os erros dos outros. “Não importa quantas coisas fiz correctamente no passado, elas não têm importância. O que importa agora é que cometi um erro gravíssimo.”

Pensamento dicotómico
Consiste na extrema valorização dos acontecimentos, sem levar em conta os aspectos intermediários. Classificar as coisas como brancas ou pretas, verdadeiras ou falsas. Por exemplo: “Se este trabalho não ficar perfeito, o meu esforço não terá valido para nada”, ou quando uma pessoa não encontra emprego e pensa “sou completamente inútil!”.

Catastrofização
Ocorre quando prevemos o futuro negativamente sem considerar outros resultados mais prováveis. Exemplo: “O meu filho ainda não chegou, deve ter acontecido alguma coisa horrível. Vou esperar um pouco, mas não vou conseguir dormir.” Outros exemplos: “O meu namorado não me atende o telemóvel, deve estar com outra”.

Generalização
Ocorre quando generalizamos de um caso, para todos os casos, mesmo que seja apenas ligeiramente idêntico. Se uma vez foi verdade, será sempre assim: “A mim nada nunca corre bem”; “Nunca me vou casar”; “Eu nunca termino o que começo”; “Eu jamais vou conseguir deixar de fumar”; “Não dormi bem ontem, a minha insónia vai durar para sempre” ou “Nunca mais vou conseguir ter um emprego bom como este”.

Raciocínio emocional
Refere-se à suposição de que as nossas emoções reflectem as coisas como elas são. É acreditar que o que sentimos no momento é o correcto e verdadeiro.  “Estou-me a sentir uma incompetente, logo sou totalmente incompetente!” ou “Eu sinto que é assim, consequentemente isso tem que ser verdade.”

Afirmações como “deveria fazer isso…”
São crenças rígidas e inflexíveis de como nós ou os demais deveríamos ser. As exigências concentradas em nós próprios favorecem a autocrítica, enquanto as dirigidas aos outros favorecem a raiva, a ira e a agressividade. Alguns exemplos podem ser: “Deveria ter dado mais atenção ao meu marido, assim ele não me teria deixado”“Não devo cometer erros”“Os outros devem-se portar bem comigo” ou “Preciso gostar de todos.”

Leitura da mente
Consiste em afirmar que determinadas suposições são certas, mesmo que não exista nenhuma evidência que a comprove. Acreditar que se sabe o que os outros pensam e o motivo de se comportarem como se comportam. “O que ele quer é pôr-me nervoso!”“O que ele quer é rir-se de mim!”, “Eles sentem pena de mim!” ou “Ela só está comigo por dinheiro!”

Predição do Futuro
Consiste em afirmar que determinadas suposições são certas, mesmo que não exista nenhuma evidência para as comprovar, é esperar que nada dê certo, sem sequer permitir a possibilidade de que seja razoável ou positiva. “Tenho certeza de que vou reprovar.”,“Ninguém me vai dar atenção na festa”.

Rotulagem
Utilizar rótulos pejorativos para nos descrevermos, ao invés de descrever os nossos actos e qualidades com objectividade e exactidão. Por exemplo: “Sou um inútil!” ao invés de “Cometi um erro, mas nem sempre faço isso.”

Sugestão:
Tentar dialogar connosco próprios e questionarmo-nos. Com qual ou quais nos identificamos? E se a partir de agora começarmos a estar mais atentos? Agora que já as reconhecemos, podemos questioná-las. Assim poderá ser mais fácil procurarmos alternativas que façam mais sentido e que nos sejam mais benéficas.

Fontes: Beck, A. T. (1979). Cognitive Therapy and the Emotional Disorders. New York: Meridian.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


domingo, 6 de novembro de 2016

Dia da Preguiça...ou a importância de parar?



Hoje, dia  7 de Novembro, assinala-se o  Dia Internacional da Preguiça cujo intuito serve para lembrar o quanto o descanso é importante para o nosso bem-estar.
Esta data torna-se particularmente importante numa era em que muitas pessoas se queixam constantemente de não terem tempo para nada, descurando a necessidade de parar, pelo menos algumas vezes por dia, em prol da própria sanidade mental.
Vivemos num mundo no qual impera a pressão constante por desempenhos excelentes e maximização de resultados e onde o fazer nada passou a ser visto negativamente, induzindo sentimentos de culpa.  
Muitas pessoas entram neste ritmo acelerado e numa urgência constante em responder às expectativas pessoais e sociais criadas, gerando-se as condições propícias para o desenvolvimento de quadros de stress e em última instância de burnout. Quem se aproxima desse ponto deixa de se sentir produtivo  e podem emergir sensações desagradáveis tais como a ansiedade, a raiva, o tédio, o desejo de procrastinar e até sintomas físicos como dores de cabeça, dores de estômago ou insónias. Para este desgaste extremo podem contribuir diferentes fatores tais como o perfeccionismo, o elevado nível de ambição e de criticismo, a auto-exigência e a pressão por parte do exterior. Neste contexto atual, parece não haver muito espaço para desligar, desconectar e parar, até mesmo nos supostos momentos de pausa, a propensão para continuar ligado, a consumir informação, através dos smartphones parece levar a melhor.
No entanto, há muito que as neurociências evidenciaram a importância dos “tempos de nada”. O importante é acalmar a mente, parar de analisar e afastar totalmente os pensamentos indutores de stress, na medida em que esta paragem conduz à reorganização mental, que é a base para novos insights e novas soluções, isto é para a criatividade. Ou seja, ao ativar no cérebro um estado mais passivo e relaxado, são neutralizados os efeitos negativos das hormonas do stress e produzidos neurotransmissores como endorfinas e dopaminas  que induzem a sensação geral de bem-estar e a criatividade.
Há várias alternativas para ativar um estado de relaxamento, tais como um exercício de relaxamento, dar um passeio a pé ou fazer uma corrida,  ouvir música calma, fazer uma sesta ou tomar um banho quente. Este estado permite assim romper com os padrões de raciocínio anteriores e com as emoções negativas associadas, promovendo o acesso a uma posição neurológica mais favorável a um raciocínio mais claro, criativo e produtivo. Quantos momentos “eureka!”já tivemos no duche ou enquanto conduzíamos ao ouvir música?

Tempos de nada são portanto essenciais para aumentar a criatividade e a capacidade para resolver problemas e tomar decisões, incrementando a qualidade do trabalho e a auto-confiança. Para além disso, são nos tempos de nada que temos oportunidade para nos desligarmos do exterior e do modo automático em que vivemos grande parte do tempo, para nos conectarmos connosco, ou seja com os nossos sentimentos, desejos e aspirações e não nos perdermos de nós próprios na correria do dia a dia. É neste parar que a mente e o corpo reencontram a tranquilidade e o relaxamento que necessitam para a manutenção da saúde física e mental. Como tal, é essencial incorporar estes tempos de nada no nosso quotidiano, o que requer organização, estabelecimento de prioridades e acima de tudo permissão por parte do próprio. Porque apesar deste dia ser intitulado como o dia da preguiça, os tempos de nada em nada se relacionam com negligência, displicência, ou aversão ao trabalho mas sim com uma necessidade imperiosa de parar a que todos temos direito em prol da nossa saúde, bem estar, criatividade e produtividade.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A beleza da Vulnerabilidade

Vivemos num mundo vulnerável. Esbarramo-nos constantemente com vulnerabilidades: as nossas, as dos outros, as dos contextos em que nos vamos movimentando, a vulnerabilidade primária da simples condição de sermos seres-vivos (“Para morrermos basta estarmos vivos”). Todos nós corremos o risco de perder alguém de quem gostamos, de sermos despedidos, de ter que despedir alguém, de ficar doente, de sermos rejeitados, de ter de dar o primeiro passo numa relação, ou o último...
Estamos constantemente sujeitos a situações que implicam um maior ou menor grau de vulnerabilidade, e por vezes colocamo-nos noutras tantas que nos deixam ainda mais vulneráveis. A vulnerabilidade é, assim, como que uma condição inerente à nossa condição humana, e, mesmo assim, achamos que podemos fugir dela.
Porquê?!? Porque não queremos estar vulneráveis. Porque, geralmente (e não erradamente), associamos a vulnerabilidade ao medo, a ter dúvidas, a estar em risco, exposto.  Mas porque também associamos a vulnerabilidade a fraqueza, a angústia e sofrimento... coisas que não queremos sentir.
Nos seus estudos, Brené Brown foi percebendo que, muitas vezes, face à vulnerabilidade, tendemos a tentar “adormecê-la” em nós. E é aqui que alerta para o facto de não ser possível “adormecermos” selectivamente as emoções, ou seja, não nos é possível escolher não sentir as coisas “más”, sem que estejamos a negligenciar também outras emoções e afectos prazerosos. Ao tentarmos afastar-nos de sentimentos fortes como a vulnerabilidade, a dor, a vergonha, o sofrimento, a desilusão, estamos também a adormecer em nós a possibilidade de sentir alegria, gratidão, felicidade... o que nos leva, invariavelmente, a sentirmo-nos ainda mais infelizes, o que por sua vez nos faz sentir vulneráveis, gerando-se um ciclo vicioso.
Ao analisar as respostas às entrevistas que foi realizando, Brené Brown confirmou que, se por um lado, a vulnerabilidade é o centro da vergonha e do medo, também é (espantem-se alguns) fonte de alegria, da empatia, de amor, do sentimento de pertença. E percebeu que as pessoas que se sentiam merecedoras desse amor e desse sentido de pertença (por oposição àquelas que se questionam constantemente se serão suficientemente boas para o merecer) tinham em comum quatro características: Coragem (de serem imperfeitas), Compaixão (com elas mesmas primeiro, e depois com os outros), Afinidade (estavam dispostas a abdicar de quem achavam que deveriam ser, para serem, de uma forma autêntica, quem realmente eram, o que é indispensável para a afinidade), e Vulnerabilidade.
Estas pessoas falavam da vulnerabilidade como sendo necessária (mas nem por isso mais confortável ou menos dolorosa) e mostravam-se dispostas a fazer algo para o qual não houvesse quaisquer garantias, para dizerem “amo-te” primeiro, para respirar fundo enquanto aguardavam o telefonema do médico depois de um exame delicado, estavam dispostas (e consideravam fundamental) a investir numa relação, que podia ou não resultar. Abraçavam completamente a vulnerabilidade, acreditando que o que as torna vulneráveis as torna também bonitas.


 Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A esquizofrenia pode não ser incapacitante

A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, descreve perturbações mentais e comportamentais como situações clinicamente significativas, que se caracterizam por modificações do pensamento e do humor ou por comportamentos associados à angústia pessoal e/ou agravamento do funcionamento. A mesma OMS define saúde mental como o estado de bem-estar no qual realizamos as nossas actividades, gerimos o stress do dia-a-dia, trabalhamos de forma produtiva e contribuímos para a comunidade em que estamos inseridos. Assim, através da OMS, têm sido criados nos últimos anos a nível europeu e mundial, documentos relevantes para fortalecer uma visão holística da saúde mental, partindo do princípio de que não existe Saúde sem Saúde Mental (Comissão das Comunidades Europeias, 2005).

Ao falar-se de doença mental grave surge como paradigma a esquizofrenia, a “loucura” da psiquiatria clássica. Foi relativamente recente a mudança que ocorreu no Ocidente, ao dar à loucura o estatuto de doença mental (Foucault, 2008). A esquizofrenia afecta cerca de 1% da população e o destino destas pessoas, até há poucos anos, era viverem em asilos ou hospícios por longos períodos de tempo e muitas vezes o resto da vida (Alves, 2001; Oliveira & Filipe, 2009; Pulice & Miccio, 2013). Na segunda metade do século XX ocorreu uma evolução na forma como se encara esta doença mental por três principais factores: os progressos da psicofarmacologia, a transformação do movimento dos direitos do homem num fenómeno internacional, e a consciencialização de que a saúde mental é uma componente da condição de saúde e bem-estar (Alves & Afonso, 2006).

A esquizofrenia é uma das doenças do foro mental mais incapacitantes, não só para a pessoa em si, mas também para as pessoas da sua rede de relações sociais e familiares. Resulta numa grande alteração da personalidade, do pensamento, dos afectos e do sentido da própria individualidade, levando a pessoa a confundir a fantasia com a realidade e que geralmente conduz a modos de vida inadaptados e ao isolamento social.

É uma perturbação mental que apresenta múltiplas causas, embora sejam de destacar as vulnerabilidades genéticas às quais se adicionam diversos factores de stress no desencadear da doença. O aparecimento da esquizofrenia ocorre normalmente entre os 16 e os 25 anos. O perfil do aparecimento da doença não é uniforme no que se refere à altura do seu aparecimento nem à forma como se revela sendo que a evolução da esquizofrenia pode ser caracterizada por dois estádios, súbito ou lento. No estádio súbito, manifesta-se rapidamente e tem uma evolução em poucos dias ou semanas, enquanto no estádio lento o diagnóstico precoce é muito mais difícil e pode mesmo levar vários meses ou anos até que se detecte. No caso da evolução lenta, a esquizofrenia no grupo dos jovens adultos pode mesmo ser confundida com as chamadas crises de adolescência e por este motivo frequentemente desvalorizada.

A sintomatologia que pode estar presente:
• Delírios, ideias delirantes (pensamentos irreais, como, por exemplo, as ideias de ser perseguido ou vigiado)
• Alucinações (percepções irreais, ouvir, ver, saborear, cheirar ou sentir algo irreal, como, por exemplo, vozes que mandam fazer alguma coisa, ou comentam factos)
• Pensamento e discurso desorganizado (elaborar frases sem sentido ou inventar palavras)
• Agitação, ansiedade
• Falta de vontade ou de iniciativa
• Isolamento social
• Apatia
• Indiferença emocional

Trata-se de uma doença que apresenta várias possibilidades de tratamento, mas o farmacológico juntamente com o psicológico facilitam numa maior adaptação, sendo que a maioria das pessoas que se tratam podem levar uma vida praticamente sem limitações.

Os principais objetivos que podem ser atingidos na psicoterapia de uma pessoa com diagnóstico de esquizofrenia são: fornecer informações sobre a doença e procurar modos de lidar com ela, restabelecer o contato com a realidade (a pessoa será capaz de reconhecer experiências reais e diferenciá-las das alucinatórias ou delirantes), identificar factores stressores e capacitar a pessoa a lidar com os eventos da vida e discutir formas de suportar, modificar ou compreender melhor as situações vividas. Assim, pode-se ter uma melhor evolução na doença, com um crescimento, resultando num aumento da qualidade de vida e na adaptação social, conquistando uma maior autonomia e independência e diminuindo o isolamento. O sucesso do tratamento da esquizofrenia passa pelo envolvimento da família e das pessoas próximas, de modo a que elas possam facilitar a adaptação da pessoa em causa, à sua condição e para que todos possam aprender mais sobre esta doença.

Diversas investigações, em vários países, têm indicado que as pessoas desinstitucionalizados, ao estarem inseridos na comunidade, demonstram uma evolução positiva na aquisição e desenvolvimento de competências da vida diária e na qualidade das interacções sociais, a nível global de funcionamento e na qualidade de vida. Com um acompanhamento numa abordagem comunitária, a autonomia e o desempenho geral dos pacientes podem ser melhorados (Bond e col., 2004; Leff, 2000; Trieman, 2000; Vidal, Bandeira & Gontijo, 2008). Estudos feitos pelo programa global da Associação Mundial de Psiquiatria para diminuir o estigma e discriminação em relação à esquizofrenia (Leff, 2008), demonstraram que o isolamento e afastamento das pessoas com doença mental do resto da sociedade permite mais facilmente desencadear medos e fantasias sobre a loucura por parte da sociedade (Link & Cullen, 1986; Phelan & Link, 2004).

Assim, acaba por ser um dado consensual que um tratamento com abordagens integradas para a pessoa com doença mental grave, que incluam procedimentos biológicos e estratégias psicossociais focadas na pessoa e na família, são uma necessidade (Gonçalves-Pereira, Xavier, Neves, Barahona-Correa & Fadden, 2006). É da integração das possibilidades de intervenção existentes, que envolvem técnicos de saúde (psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, etc.) e as diversas estruturas de suporte disponíveis (familiares, sociais e comunitárias), que surgem as alternativas de tratamento acessíveis às pessoas com esquizofrenia, nos contextos em que vivem (Campos, 2009).

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.