terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Lars e o Verdadeiro Amor – Um Olhar da Psicologia


Poderá a doença mental ser uma forma última que o sujeito encontra para comunicar com o mundo, na tentativa de encontrar um caminho para resolver um sofrimento sentido como intolerável?
 Este é o princípio a partir do qual o filme “ Lars e o Verdadeiro Amor” se desenvolve e que nos permite  lançar um outro olhar na forma como entendemos a doença mental.
Lars  é um homem com muitas dificuldades de socialização, demonstrando pouco ou nenhum interesse em se relacionar com a sua família e colegas de trabalho. Do seu passado sabe-se que a sua mãe morreu no parto e que Lars foi educado pelo seu pai, também ele um homem afetivamente distante.  Apesar do interesse e do esforço demonstrado pela família e por outras pessoas do seu trabalho e da comunidade em comunicarem com ele, Lars prefere o isolamento, não estabelecendo praticamente qualquer tipo de diálogo e revelando inclusivamente uma intolerância ao toque que lhe provoca dor.
Quando Lars comunica ao irmão e cunhada que gostaria de lhes apresentar a sua namorada, de nome Bianca, e chega com uma boneca de silicone, falando com ela como se de uma mulher real se tratasse, a família de imediato percebe o estado perturbado em que Lars se encontra e procura aconselhamento médico. 
A médica que também é psicóloga, esclarece que Lars se encontra descompensado e a sofrer de uma perceção distorcida da realidade mas que esta pode ter sido a forma que ele encontrou para conseguir comunicar com o mundo. Por indicação da médica, a família e a comunidade mobilizam-se para compactuar com esta ilusão, num esforço coletivo e solidário para ajudar Lars, integrando a sua namorada Bianca como um membro da comunidade.
Gradualmente, Lars começa a tornar-se mais comunicativo e alegre, procurando envolver-se mais com a sua família e amigos. Bianca constitui-se claramente como uma ponte que Lars construiu para, através dela, conseguir sair para fora da sua carapaça e comunicar com os outros e em particular com a figura feminina. É interessante como Lars projeta em Bianca a imagem de uma mulher idealizada, que partilha consigo muitas características e que se constitui como um importante suporte emocional para ele.
A determinada altura, Lars encontra Bianca inconsciente na cama e percebe que ela está mal de saúde. Começa então a desenhar-se a despedida de Lars em relação à sua criação,  o que revela que esta deixou de ter utilidade para ele e que ele está pronto para resgatar a sua independência e a relação com o mundo.
A despedida e morte de Bianca podem representar igualmente uma oportunidade para Lars finalmente elaborar a dor relacionada com a perda da mãe, abrindo-lhe a possibilidade para se relacionar com uma rapariga real, Margo, uma colega de trabalho que está ao seu lado no último adeus a Bianca e que há muito que vinha demonstrando interesse por ele.

Este é um filme com uma dimensão humana muito marcante e que vem novamente reforçar a importância da relação, aqui conseguida a partir de um objeto irreal, na transformação do ser humano. Porque é no encontro com o outro que nos podemos encontrar a nós próprios e assim crescer e evoluir. 

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Temos o Poder em ser quem queremos ser?

O ser humano é um ser bio-psico-social e somos desde o nosso nascimento inseridos na cultura em que os nossos pais estão inseridos. Vamos sendo tratados, educados, amados da forma que os nossos pais / familiares / cuidadores o sabem fazer. E quando vamos crescendo, existe uma tendência de repetirmos o que aprendemos ou fazer o oposto (quando achamos que não concordamos com algo), contudo isto acontece quando reflectimos sobre estas questões, e desta forma temos uma maior capacidade de optar pelo que acreditamos que faz mais sentido para a pessoa em que nos tornámos e que queremos ser.

Foi termos vivido tudo o que vivemos no passado lá atrás, até ao passado de há 5 minutos, que nos faz ser a pessoa que somos agora neste minuto. As experiências, as reflexões sobre estas e o que decidimos fazer com elas... E são estas decisões que nos dão o poder. Cada um de nós pode optar por ser diferente.

Não colocando de parte (de todo!), o valor da nossa genética, tal como da predisposição com que nascemos. Muito antes pelo contrário, ao termos consciência do que temos em nós, das nossas capacidades, das nossas aprendizagens, dos nossos gostos, das nossas dificuldades, podemos optar pelo que nos é mais fácil em determinados momentos, pelo que gostamos mais, ou, procurar melhorar determinados aspectos e características. O sermos o que somos é algo em constante mudança, em maior ou menor mudança...

A grande diferença de termos ou não esse poder, pode ser pelo nível de consciência que temos (quanto maior consciência, maior poder temos para mudar) e pela vontade de largar o que já é conhecido e avançar à descoberta (que pode ser extremamente assustador, contudo, muitas vezes essencial para (re)descobrirmos o nosso bem-estar).

Cada um de nós tem determinadas dificuldades mas também potencialidades, e ao explorarmos novas perspectivas vamos ser cada vez mais capazes de regular as nossas necessidades psicológicas e, assim, encontrar um maior equilíbrio emocional.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Quando o chão nos falta... e o lugar da Esperança

Há momentos em que de forma mais, ou menos, esperada, damos por nós sem chão. Olhamos, procuramos à volta... e não vemos.
Não estamos sequer suspensos, estamos... ali. Sem chão. Sem nada que nos sustente. Como se permanecessemos naquela fracção de segundos antes de começarmos a cair... em queda livre.
Mas também não estamos a cair... Estamos ali, angustiados. E, ainda que possamos ter uma restiazinha de esperança... estamos apavorados pela certeza de que vamos cair... E magoar-nos! Pior, não sabemos como é que vamos cair... quando é que vamos (finalmente?) cair, ou quanto nos vamos magoar. Ou ainda, em última instância, se vamos sequer sobreviver à queda. Não sabemos como é que se vive sem chão. Achamos muitas vezes que talvez nem seja possível fazê-lo.
E, no entanto, fazêmo-lo. Aprendemos pela experiência... Como um bebé que é atirado à água ainda antes de ter aprendido a nadar, e instintivamente se move de forma a manter-se à tona, vamos, avançamos, deixamo-nos cair, ou reagimos antes da queda. Mas vivemos.
Por vezes, chegamos lá a baixo, ao fundo... e é muitas vezes aí que temos a oportunidade de recomeçar. De pés assentes, subir de novo.
Mas, tantas vezes, uma nova angústia, um outro momento de desespero, de solidão, diz-nos que não somos capazes, que não vamos conseguir, sem esperança.
Esta é uma “emoção”, um conceito, cuja reputação deixa, frequentemente, algo a desejar. Por vezes podemos achar que é uma característica associada a quem ingenuamente vive feliz na ignorância. No entanto, esta característica, ou mesmo competência, é essencial.
Não é ela, por si só, que nos vai “salvar”, ou cumprir os nossos objectivos. Mas ajuda.

Quem tem esperança, tem também o desejo e a determinação de que os seus objectivos vão ser alcançados, e tem ainda uma série de estratégias (e a capacidade para as procurar e encontrar) para atingir esses objectivos ao seu dispor. A esperança permite-nos olhar os obstáculos com a perspectiva confiante de quem vai conseguir ultrapassá-los e, por isso, estamos mais dispostos a olhar à volta, a procurar formas, caminhos, ferramentas, para o conseguirmos. Ou seja, a esperança não corresponde apenas à vontade ou desejo de se chegar a determinado lugar, mas também às diferentes formas para lá chegar.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Viver Bem no Novo Ano


Nesta primeira semana do novo ano, em que muitos procuram descobrir novas formas de aumentar a sua qualidade de vida e bem estar, seria interessante, antes de mais, compreender o que significa afinal viver bem.
Vivemos numa era em que somos inundados, através das redes sociais, por publicações que projetam imagens de felicidade associadas a festas, viagens, aos melhores amigos, aos melhores namorados. A exposição a estas mensagens poderá, de certa maneira, gerar a crença  que viver bem é experienciar esta constante diversão e que, por conseguinte, a vida rotineira do quotidiano seria maçadora e desinteressante.
Esta ilusão que é vendida é suscetível de produzir, por um lado, uma sensação de admiração e de desejo em frequentar os mesmos lugares, fazer as mesmas viagens, conhecer aquelas pessoas, ou fazer aquelas atividades e por outro lado, gerar uma sensação de frustração e de fracasso por não se conseguir ter uma vida assim.
Na realidade, para vivermos bem, é importante a existência de uma rotina e a aceitação de que essa rotina tem inevitavelmente um caráter de repetição que pode ser organizador e gratificante desde que esteja em sintonia com as nossas características pessoais e aspirações.
Os períodos de pausa e de férias são importantes para relaxar, descansar e para uma libertação temporária das responsabilidades, horários e obrigações laborais. No entanto, se este tempo para não fazer nada ou de festa passasse a ser a rotina do quotidiano, acabaria igualmente por se tornar monótono e conduzir a uma sensação de enfraquecimento e de empobrecimento do eu.
A robustez da auto-estima é, sem dúvida, um  fator determinante para se viver bem e relaciona-se com o orgulho que temos em relação aos nossos valores e à forma como os refletimos na nossa conduta e na relação com os outros. Viver bem associa-se à existência desta congruência interna, sendo igualmente importante uma rotina na qual nos ocupamos com coisas que gostamos e das quais temos um retorno gratificante e compensador.
Quando estamos ocupados e envolvidos a fazer algo que nos interessa e entusiasma, ficamos totalmente conectados no momento presente e o tempo flui de forma rápida. Estas sensações agradáveis podem advir de trocas relacionais significativas, de atividades de lazer ou intelectuais (leitura, cinema, arte, música) e de atividade físicas como o desporto ou a dança, que aumentam a  produção de endorfinas, hormona responsável pela sensação de bem-estar.
Podemos concluir que viver bem se relaciona sobretudo com a construção de uma rotina congruente e harmoniosa com a nossa natureza humana, que transparece a nossa autenticidade e não com a superficialidade associada à imitação de um estilo de vida projetado e alheio.