quarta-feira, 20 de junho de 2018

Saber dizer não na relação conjugal





Na vida de um casal, nem sempre tudo é um mar de rosas e conservar o equilíbrio emocional implica antes de tudo saber comunicar com o parceiro.
Quantos casais vivem juntos há dezenas de anos sem comunicarem verdadeiramente? Isto é, sem partilharem as suas preferências, vontades, desejos, bem como os seus desagrados e necessidades? A dificuldade em dizer não, está muitas vezes na origem dos problemas de relacionamento e poderá estar associada ao medo em desagradar o parceiro e deixar de ser amado, magoá-lo, provocar conflitos, sofrer represálias, rupturas e transgredir (na medida em que existe a convicção que o próprio não tem direito a ter desejos pessoais).
Com medo de desagradar o parceiro, estas pessoas acabam por anular as suas próprias necessidades e preferências e por passar a viver ao serviço do desejo do outro, o que no dia-a-dia, poderá traduzir-se por este ou aquele restaurante, filme, comportamento ou carícia. Sem haver plena consciência da anulação que é feita da própria identidade, estes pequenos gestos são desvalorizados e devidamente racionalizados: “não vale a pena estar a aborrecê-lo com isso”; “isso também é irrelevante”; “eu é que me sinto assim sem razão, o problema é meu”.
Na realidade, cada emoção não partilhada aumenta o distanciamento entre o casal e poderá levar à separação, se não for fisicamente, pelo menos afetivamente. Os outros têm a necessidade de nos conhecer verdadeiramente para nos amarem e respeitarem mas tal não é possível se a imagem transmitida não for a real. Dizer não é posicionar-se em face dos outros como diferente, existir como sujeito com desejos e necessidades próprias e não como objeto que funciona como prolongamento do desejo do outro.
Inevitavelmente, esta submissão constante ao outro, acaba por dar lugar a ressentimentos, que embora possam ser reprimidos, acabam por minar a relação. Se por um lado, a pessoa nunca se opõe nem comunica as suas necessidades, por outro também poderá esperar, secretamente, que o parceiro, como que por magia ou telepaticamente, descubra quais são e as satisfaça.  A personificação deste papel de mártir ao serviço dos outros, também poderá trazer benefícios secundários relacionados com uma pressuposta auto-valorização e superioridade moral, que leva à manutenção do mesmo.
A verdade é que muitas destas pessoas, ao longo do seu desenvolvimento, nunca sentiram legitimidade para desejar e aprenderam a calar os seus desejos e a escondê-los, não só dos outros, mas também delas próprias. Como tal, têm dificuldade em dizer não, porque também não sabem verdadeiramente o que querem, o que precisam ou o que poderiam propor em alternativa. O ficar por conta própria e  tomar as rédeas da vida, poderá dar lugar a sentimentos de desamparo e solidão porque até então sempre foi o desejo do outro, o farol condutor.
Para redescobrir as próprias necessidades é importante escutar e respeitar as emoções, porque são elas que informam das necessidades, nomeadamente daquelas que foram frustradas, para que então depois possam ser comunicadas ao parceiro. Desta forma, não só é possível zelar pela preservação da  integridade pessoal como também promover uma comunicação mais verdadeira e honesta com o parceiro, o que contribui para uma maior proximidade afetiva e segurança na relação a dois. 

Este artigo está publicado na Psychology Now-Revista Psicologia na Actualidade, na edição n.º42 de Julho-Agosto-Setembro de 2018 




terça-feira, 19 de junho de 2018

A Antecipação e a dopamina

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz.” (em “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry)

Já a raposa dizia ao Principezinho, que uma hora antes do grande momento, do seu encontro (que lhe iria fazer feliz), ela estaria muito feliz. O que nos leva para uma ideia de uma preparação psicológica, ou de uma expectativa positiva antecipatória de um bom momento que vai chegar em breve.

Podemos efectivamente pensar em várias situações em que isso acontece: vemos o trailer de um filme e ficamos empolgados até vermos a sua estreia; acordamos muito bem-dispostos porque sabemos que logo mais à noite vamos ter um jantar entre grandes amigos; passamos uma semana com uma boa sensação porque antecipamos a viagem de férias... Ou seja, situações que imaginamos serem boas, dão-nos uma boa sensação quando estão a chegar.

Alguns estudos indicam que imaginar uma situação do futuro, activa partes do cérebro ligadas à felicidade. E isso acontece, provavelmente porque sabemos que o futuro é incerto e com esse pensamento agradável, de boas perspectivas, sentimo-nos confortáveis, mais seguros e confiantes.
As esperas de situações agradáveis dão-nos prazer. A expectativa de que vai acontecer algo que desejamos gera no nosso organismo um prazer antecipado. Dias, semanas ou meses antes de o evento acontecer já estamos a imaginar com satisfação o dia a chegar e já nos conseguimos sentir satisfeitos. Esperar por uma festa que ansiamos, pelas férias desejadas ou pelo filme tão esperado é possuir expectativas agradáveis quanto a um evento futuro. Quando se espera esse momento, tendemos a ter afectos positivos. Este estado corporal é sentido com entusiasmo, esperança, excitação, alegria, felicidade e bem-estar. Por outro lado, quando temos expectativas desfavoráveis (doença grave de algum amigo, situação difícil de exame), temos sentimentos negativos: ansiedade, desespero, sofrimento com pensamentos mais negativos.

Existem cerca de 100 biliões de neurónios no cérebro humano, e estas células comunicam entre si através de substâncias químicas do cérebro chamadas neurotransmissores. A dopamina é o neurotransmissor responsável pela motivação, impulso e foco, permite-nos planear com antecedência e resistir aos impulsos, para que possamos alcançar os nossos objectivos. É ela que dá aquela sensação boa quando dizemos “Eu consegui fazer isto! Eu fui capaz!”, quando realizamos a tarefa que nos propusemos a fazer. Faz-nos ser competitivos e é responsável pelo nosso sistema de prazer e recompensa. Ela permite-nos ter sentimentos de prazer, felicidade e de euforia. Pelo lado oposto, pouca dopamina dificulta-nos a ter um foco, faz-nos sentir desmotivados, apáticos e até mesmo deprimidos.

Assim, ao esperarmos por um momento agradável ou ao nos prepararmos para uma festa desejada, o nosso organismo produz e liberta dopamina e noradrenalina para que possamos agir e fazer algumas actividades de preparação, e nos adaptarmos para esse momento.

A libertação da dopamina e noradrenalina acontecerá muito tempo antes do grande momento se realizar. Tempo antes do evento imaginamos, comentamos, sonhamos e nos preparamos para o dia. Vários estudos demonstram que o nível de dopamina é mais elevado no momento da antecipação desse evento agradável, do que até mesmo no momento tão desejado e esperado.

Por isso, quando sabemos que vamos ter algo agradável e desejado, que tal experienciar ao máximo esse momento da antecipação? Como o podemos maximizar? E após a situação tão esperada, como podemos prolongar ao máximo e ficar com aquela boa sensação...?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Documentário "Olhar de Nise" - A revolucionária da Psiquiatria que trocou os choques eléctricos pela arte-terapia





Olhar de Nise, é um documentário que mostra passagens da última entrevista a Nise da Silveira (1905-1999)uma das primeiras mulheres a formar-se em Medicina no Brasil e que revolucionou os tratamentos psiquiátricos ao utilizar a Terapia pela Arte, em vez de métodos invasivos e agressivos como os choques elétricos ou a lobotomia, muito em voga na altura.
Nise agitou os meios culturais e artísticos no Brasil com a criação do Atelier de Pintura e Modelagem, no Serviço de Terapia Ocupacional do Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro, pequena localidade do Rio de Janeiro. 
As obras deixadas pelos seus pacientes são um sucesso em exposições por todo o mundo e constituem o acervo do Museu das Imagens do Inconsciente, que criou em 1952, e que contempla mais de 350 mil pinturas e esculturas. 
O documentário conta com testemunhos de amigos, dos auxiliares, dos intelectuais que conviveram com ela e também de ex-pacientes, para além do artista plástico Almir Mavignier, que trabalhou em conjunto com a psiquiatra na criação do Ateliê.
Eles revelam de que forma foram  descobertos no Hospital diversos artistas com talento, como Fernando Diniz, Adelina Gomes, Emygdio de Barros e Raphael, comparados a grandes nomes da pintura universal.
O documentário conta com fortes momentos dramáticos e emocionantes que reproduzem as agruras do ambiente psiquiátrico onde a médica atuou durante mais de 50 anos, sempre determinada a torná-lo mais humano e respeitoso para os pacientes. 
O documentário participou em festivais nacionais e internacionais e recebeu ovações e prémios em vários deles.

terça-feira, 5 de junho de 2018

A arte de sobreviver a ambientes tóxicos

O ser humano, é um ser fantástico! Tem uma enorme capacidade de adaptação, no entanto essa adaptação pode criar dificuldades de se avançar em determinados momentos da vida.

Uma criança nasce e entra em contacto com o Mundo através dos seus cuidadores, esses são os modelos e através destes a criança vai aprendendo e desenvolvendo-se. À medida que este desenvolvimento vai acontecendo, a criança / adolescente / jovem / adulto, vai-se apercebendo que o modelo parental (ou de outros cuidadores) pode não ter sido efectivamente o mais saudável e vai acabando por desenvolver estratégias para se adaptar ao meio onde está inserido.

O conceito de sobrevivente  não tem que ser utilizado apenas para as situações de guerras ou de grandes traumas, uma criança que vive num meio onde existe negligência ou algum tipo de abuso (violência física, violência verbal...), não sabendo o que fazer, pode desenvolver várias estratégias para "sobreviver", com o objectivo de se cuidar e se equilibrar. Se pensarmos numa criança de 10 anos que não tem afecto, porque os pais são emocionalmente ausentes, esta criança vai naturalmente tentar proteger-se e apesar de se sentir sozinha e indefesa irá desenvolver formas para superar a dor / tristeza / revolta. Contudo, uma criança de 10 anos desenvolve as estratégias que é capaz nessa idade. Contudo o que vai acontencendo a essa estratégia à medida que vai crescendo?

Um adulto "sobrevivente" a experiências de vida emocionalmente duras, tende a ir evoluindo as estratégias que foi criando em criança, tende a adaptá-las... contudo, muitas vezes fica preso a estas, mesmo quando o contexto é diferente. Muitas vezes este adulto, pode activar as estratégias de defesa (protecção) quando sentir que existe algo idêntico às situações "difíceis" que viveu. O medo do abandono, o medo da indiferença, o medo da crítica são receios muito comuns em adultos que de alguma forma sentiram que viveram uma infância marcada por falta de afecto e atenção, ou até mesmo negligência e abuso.

Muitas vezes estes adultos conseguem ser perfeitamente funcionais e terem uma vida totalmente equilibrada, contudo nas relações mais intimas, de relacionamentos mais próximos, podem surgir as estratégias que se habituaram a usar naquele determinado contexto mais adverso... e é essencial, a consciência que o contexto sendo totalmente diferente, necessita de estratégias também elas totalmente renovadas. Não fará muito sentido (racionalmente falando), que uma pessoa não partilhe a responsabilidade de algo importante com o seu/sua companheiro/a, porque tem dificuldade em confiar, sendo que a estratégia que utilizou durante muito tempo foi simplesmente contar consigo próprio...

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico