terça-feira, 30 de maio de 2017

A arte de largar... e deixar ir

Creio que a todos nos custa largar determinadas pessoas, determinados momentos, determinados lugares, determinadas memórias, determinadas ideias, determinados objectos, num ou outro determinado momento da nossa vida. Umas vezes mais e outras vezes menos, a algumas pessoas mais, a outras pessoas menos.

Naturalmente o largar, será sentido de forma bastante diferente se somos (ou se sentimos que somos) obrigados a fazê-lo, ou se sentimos que essa decisão é nossa.

Por exemplo: um jovem que os pais mudaram de cidade e teve (não por opção dele) que ir estudar para outra escola e deixar os antigos colegas e amigos; ou numa relação onde a outra pessoa terminou e “vemo-nos” obrigados a largar essa pessoa. Um outro exemplo é o sermos nós a terminar a relação porque não nos sentimos bem, mas apesar disso, ser difícil largarmos as memórias dos momentos bons que foram passados. A capacidade de largar, em determinados momentos pode ser uma tarefa realmente árdua.

O largar, vai-nos permitir estar disponíveis para abraçar algo novo, uma nova etapa.

Podemos pensar em relações, podemos falar de empregos, podemos falar de casas, podemos falar de colegas de trabalho, podemos falar de cidade... O ser humano é um ser de hábitos, contudo, quando surgem mudanças (pequenas ou grandes, mais intensas ou menos), mesmo que sejam encaradas como positivas, automaticamente também podem despertar em nós uma certa resistência. Essa resistência faz parte do nosso corpo, da nossa mente. Basta pensarmos que quando uma mudança ocorre, obriga-nos a aprender algo de novo, a adaptar-nos, existe uma exigência a que temos que dar resposta, sendo por vezes assustador (então ainda mais quando não queríamos aquela mudança!)

A própria resistência à mudança está associada ao que já conhecíamos e ao que já fazia parte de nós até à data, e até mesmo quando isso nos podia estar a causar mal-estar e sofrimento (por exemplo uma relação tóxica). Tal como a própria expressão diz “mais vale um mal conhecido do que um mal desconhecido”, e isso porque apesar de sabermos que o que queremos largar nos faz mal, o desconhecido também não nos dá segurança, e o receio de largar e avançar não é efectivamente uma tarefa fácil.

Se conseguirmos encarar essa resistência como uma parte da resposta natural do nosso organismo, até mesmo como fazendo parte do próprio processo de aceitação à mudança, já não nos sentiremos tão assustados. Se aceitarmos a própria resistência, largaremos o que temos que largar mais facilmente, para nos disponibilizarmos a abraçar o verdadeiro presente...

Artigo escrito para a Revista Psicologia da Actualidade - encontra-se na edição nº 36 - Maio Junho 2017


Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

terça-feira, 16 de maio de 2017

O Coração da Loucura – Um Olhar da Psicologia



O Coração da Loucura, retrata a trajetória de Nise da Silveira, uma psiquiatra brasileira revolucionária que lutou na sua época pela humanização dos tratamentos na saúde mental.
A história do filme decorre em 1944, altura em que Nise vai integrar o Hospital Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Rio de Janeiro, deparando-se então com os tratamentos convencionais e agressivos adotados nos doentes com esquizofrenia, nomeadamente os eletrochoques e a lobotomia. Face à sua recusa em utilizar tais métodos, dada a violência dos mesmos, Nise é “afastada” pelo corpo clínico e colocada a dirigir o então abandonado e considerado como menor, serviço de Terapia Ocupacional.
É neste contexto que uma nova abordagem com os doentes começa a ser desenhada pela mão de Nise, uma abordagem sustentada num contacto personalizado e baseado no afeto e no respeito pela individualidade. O  acolhimento afetivo e o reconhecimento da identidade de cada uma daquelas pessoas, abre um espaço potencial para a retoma de um desenvolvimento que ficou suspenso. Ciente da importância do papel das relações afetivas nestes “clientes”, conforme ela os designava, Nise também foi uma pioneira na introdução da terapia assistida por animais, utilizando os cães como co-terapeutas. 
Em alternativas às terapias convencionais e agressivas da psiquiatria clássica, Nise introduz tratamentos através de atividades expressivas, tais como a pintura e a modelagem, que começam a ganhar destaque como meios privilegiados de acesso ao mundo interno destas pessoas. A livre expressão artística, passa a ser entendida como uma nova linguagem para a compreensão e tratamento dos clientes psicóticos, espelhando as emoções mais profundas dos mesmos. No estudo dessas imagens, Nise constatou que um dos símbolos que aparecia com maior frequência no trabalho dos doentes esquizofrénicos eram as formas circulares, parecendo existir uma contradição no aparecimento de um símbolo de unidade num funcionamento desorganizado e fragmentado como o do esquizofrénico.
Na correspondência que estabeleceu com Carl Jung a este respeito, Jung respondeu-lhe que aquelas formas circulares eram mandalas e expressariam o potencial auto-curativo da psique, isto é, as forças da psique que buscam a ordem e a unidade no psiquismo de pessoas que estão a experimentar períodos de grande confusão e desorganização mental. Essa correspondência foi o início da introdução da Psicologia Jungiana na América Latina, que se constituiu como uma das ferramentas fundamentais no desenvolvimento da obra de Nise.
Como a própria dizia, “É preciso não se contentar com a superfície”, entendendo  a  arte como manifestação do inconsciente individual e coletivo e o processo criativo como tratamento.
Os talentos artísticos extraordinários que se revelaram nestas pessoas, chamaram a atenção do mundo das artes, nomeadamente de um crítico de arte muito conhecido chamado Mário Pedrosa que denominou esta arte como Arte Virgem pelo facto destas pessoas não terem qualquer formação artística.
Em 1952, foi inaugurado o Museu de Imagens do Inconsciente, de grande importância para o estudo do processo psicótico e que ofereceu aos investigadores melhores condições para acompanhar a evolução de casos clínicos através da produção artística espontânea.
Nise ao trocar o eletrochoque pelo afeto abriu novas possibilidades para a compreensão do mundo interior do paciente esquizofrénico.

“O que melhora no atendimento é o contacto afetivo de uma pessoa com a outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.”  Nise da Silveira

terça-feira, 2 de maio de 2017

“O Homem em busca de um sentido”

Hoje decidi trazer para este blogue o nome de Viktor Frankl e o livro “O Homem em busca de um sentido”. Nascido em 1905, Viktor Frankl formou-se em psiquiatra em 1930 e dois anos depois, foi deportado pelos nazis para os campos de concentração, onde ficou até à sua libertação treze anos depois, em 1945. Faleceu com 92 anos em Viena, em 1997.

Viktor Frankl, psicólogo, psiquiatra e filósofo foi um dos sobreviventes dos campos de concentração mais letais, Auschwitz e Dachau, foi o ex-prisioneiro nº 119.104, e escreve sobre essa realidade. Contudo, tal como o próprio Viktor Frankl diz, não se dedica a descrever os horrores dos campos de concentração, pois outros autores já o fizeram melhor. Mas sim, a descrever o comportamento da mente humana mediante um cenário de restrição total, onde seres humanos eram tratados pior que animais; onde, ele mesmo se viu diversas vezes reduzido aos limites entre o ser e o não-ser.

“O Homem em busca de um sentido”, escrito em 1946 é um livro extremamente tocante, impossível de não nos envolver na leitura, mas também nos nossos pensamentos sobre a nossa própria existência. Foi considerado um dos dez livros mais influentes de sempre. Nesse livro o fundador da escola da Logoterapia, que explora o sentido existencial do indivíduo e a dimensão espiritual da existência, escreve “Tornava-se fácil deixar passar as oportunidades de fazer alguma coisa de positivo da vida no campo, oportunidades que existiam de facto. Encararmos a nossa “existência provisória” como irreal era em si mesmo um factor importante no processo que levava os prisioneiros a perderem a vontade de viver; de certa maneira, tudo se torna inútil. As pessoas que agiam assim esqueciam que são justamente, tais situações externas excepcionalmente difíceis que dão ao Homem a oportunidade de crescer espiritualmente e superar-se (...) tais pessoas não tomavam a sério e desprezavam (essas oportunidades) como se fosse algo sem importância. Preferiam fechar os olhos e viver no passado. Para tais pessoas, a vida torna-se uma coisa sem sentido.”

“Aqueles que conhecem a estreita ligação entre o estado de espírito de uma pessoa – a sua coragem e esperança, ou a falta dela – e o estado de imunidade do seu corpo perceberão que a perda súbita de esperança e de coragem pode ter um efeito mortífero”(...)“Qualquer tentativa para restabelecer a força interior de um homem no campo tinha primeiro de conseguir apontar-lhe um qualquer objectivo futuro. As palavras de Nietzsche, “Aquele que tem uma razão para viver pode suportar quase tudo”, poderiam ser o lema de referência.”

Viktor Frankl, explica que apesar de defender a importância de que cada pessoa crie objectivos, naturalmente que esses objectivos que ajudam a definir o sentido da vida, variam de pessoa para pessoa e de momento para momento, sendo impossível definir o sentido da vida de uma forma geral. As questões sobre o sentido da vida não são respondidas por meio de declarações genéricas. Vida significa algo muito real e concreto, assim como os desafios.

Com esta pequena apresentação e estes excertos, acredito que possa ter despertado alguma curiosidade a quem ainda não leu este livro. Talvez possa ser inspirador, como foi para mim.



Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.