quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Sentir tudo em todas as suas formas... e a prática do Mindfulness

Quantas vezes, na correria do dia a dia, ao tentarmos cumprir com todas as solicitações com as quais nos deparamos, ao tentarmos que nada nos escape, a correr de um lado para o outro na ânsia de bem sucedermos em todos os nossos papéis, ao procurarmos fazer o balanço entre as tarefas que cumprimos e as que nos faltam cumprir, acabamos por nos perdermos de nós próprios, por perder o contacto com o momento presente, com aquilo que estamos realmente a fazer e a sentir? E, não menos vezes, isso acaba por trazer cansaço, mal-estar, desilusão, frustração, dificuldade de concentração, e, até mesmo, uma acentuada redução da nossa capacidade de cumprirmos efectivamente com os mesmos desafios.

É por isso que hoje escrevo sobre Mindfulness, ou seja, sobre a capacidade de aumentarmos a nossa consciência acerca daquilo que estamos realmente a experienciar através dos nossos sentidos, ou acerca do nosso estado de espírito através dos nossos pensamentos e emoções.

O conceito de Mindfulness pode, então, ser definido com a capacidade humana de estarmos completamente presentes, conscientes de onde se está e do que se está a fazer, e não demasiado reactivos ou sobrecarregados com o que se está a passar à nossa volta. O mindfulness permite-nos colocar algum espaço entre nós próprios e as nossas reacções, agindo de forma mais consciente, reduzindo as nossas respostas condicionadas.

Por vezes confunde-se mindfulness com  o desejo de serenar a mente ou de atingir um estado de calma e paz permanente. No entanto, a ideia, ainda que não seja fácil, é simples: observar o momento presente como ele é, sem julgamentos. Nem mesmo julgamento acerca dos julgamentos que possam surgir.

Ao tentarmos focar-nos no momento presente, é frequente sermos interrompidos por pensamentos ou preocupações acerca do futuro e arrependimentos acerca do passado. É importante não os ignorarmos, mas sim tomar uma espécie de nota mental acerca deles e deixá-los ir. Podemos então, novamente, voltar a observar o momento presente como ele é, o que faz do mindfulness a prática de voltar, uma e outra vez, ao momento presente. Em parte, o mindfulness parece resultar por nos ajudar a aceitar as nossas experiências (as boas, e as desagradáveis), em vez de as rejeitar ou evitar.

O mindfulness, apesar de não envolver qualquer prática ou crença religiosa, tem a sua origem no budismo, beneficiando de algo comum a várias religiões: uma prática que permite redireccionar os nossos pensamentos das preocupações para uma apreciação do momento e uma perspectiva da vida mais clara e conciente. 


Ana Luísa de Castro Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Um Olhar sobre o Ciúme



O ciúme é um sentimento intrínseco à natureza humana e que é experienciado desde logo, numa fase precoce do desenvolvimento. Pode ser entendido como uma manifestação de emoções desencadeadas pela perceção da falta de exclusividade afetiva por parte da pessoa amada e pela sensação de se estar a dividir, ou mesmo a disputar a atenção, intimidade, dedicação, cumplicidade e afeto com outros, quer estes sejam os irmãos, os primos ou os amigos.
Este sentimento de exclusão está presente, prematuramente, no desenvolvimento com a entrada em cena do terceiro elemento que vai gerar sentimentos ambivalentes na criança: por um lado, o desejo de aceder a uma relação ampliada com o mundo, mas por outro, o temor de perder a sensação de amor incondicional e a segurança afetiva que a relação simbiótica com a mãe lhe transmite.
A resolução eficiente da triangulação implica que a figura materna e paterna estabeleçam uma aliança coesa no modo como lidam com a frustração da criança, garantindo-lhe simultâneamente o amor e a segurança afetiva necessárias.
No entanto, a má resolução da triangulação, poderá comprometer a socialização da criança e os seus futuros relacionamentos amorosos, dando lugar mais tarde ao ciúme patológico. Nestes casos, as relações amorosas adultas, reativam o conflito infantil não resolvido e são vividas com uma sensação de medo e ameaça constante pelo surgimento de um rival (terceiro elemento) capaz de roubar a figura amada. Há uma expetativa permanente e infundada de ameaça na relação, ela própria idealizada e com aspectos infantis relacionados com a ilusão de amor e dedicação exclusivos e incondicionais.
Nos casos de ciúme patológico, verifica-se uma permanente desconfiança e um estado de tensão, angústia e insegurança pelo temor de se ser traído, conduzindo a uma constante monotorização das ações do parceiro, mesmo que este não tenha dado razões para tal. As reacções são desproporcionais e podem mesmo ser agressivas do ponto de vista físico e psicológico, gerando sofrimento para ambas as partes.
Estas pessoas normalmente revelam uma elevada centração nelas próprias e na satisfação das suas necessidades (egocentrismo), sendo muito possessivas, controladoras e levando em pouca consideração a individualidade do outro. Pode igualmente estar presente uma auto-estima deficiente que se traduz no medo em se ser trocado por outra pessoa percecionada como mais interessante e com mais valor.
A reação face à ameaça da perda e abandono poderá traduzir-se num conjunto de emoções que vão desde o pânico à raiva descontrolada, na medida em que a ausência do outro se traduz numa perceção da perda da própria identidade pessoal. O ciúme aqui descrito não mede a intensidade do amor mas acima de tudo o grau de dependência e a imaturidade emocional.
A intervenção psicoterapêutica nestes casos revela-se fundamental, já que o grau de sofrimento é elevado, podendo haver prejuízo nas esferas profissional, familiar e social.
Sendo uma emoção intrínseca à natureza humana, o ciúme, relacionado com o desejo de exclusividade afetiva, não pode ser simplesmente eliminado mas importa saber geri-lo, controlá-lo, aprender a lidar com ele e minimizar os seus malefícios.
A comunicação entre o casal é fundamental e é legítimo que aquele que sente ciúmes possa informar o seu parceiro que esse sentimento o está incomodar mas sem limitar a sua ação, na medida em que essa vivência emocional não lhe dá o direito de agir agressiva e autoritariamente sobre o outro.

Quando é experienciado de forma positiva, o ciúme associa-se a uma conduta de zelo e de motivação para investir no próprio, no outro e na relação.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A arte de não engolir sapos? Ou a arte de os saber digerir?

Todos nós, já passámos com certeza por algumas situações em que nos vimos “obrigados” a engolir sapos... Isso não significa que tenhamos sido obrigados a não dar o nosso parecer e a nossa opinião, como também não significa que tenhamos ficado zangados o resto da semana por termos engolido esse sapo. E se pensarmos bem, se calhar até nem fomos realmente obrigados a engoli-lo, o mais provável é que tenhamos optado pelo que nos parecia a atitude com mais ganhos, ou pelo menos com consequências menos negativas.

O que afinal será mais sensato? Não aceitar engolir os tais ditos sapos? Assumir uma postura de rejeição total perante qualquer situação que nos obrigue a engolir sapos? Em todas as circunstâncias? E se não considerarmos o engolir sapos, como uma atitude total de submissão e passividade, mas sim de opção?

Será mais sensato aprendermos a fazer uma digestão, a melhor possível para cada tipo de sapo que engolimos?

Aqui, no momento antecipatório em que decidimos engolir ou não o sapo, a nossa leitura e interpretação sobre o acto em si, irá influenciar a nossa decisão. Se eu sentir, por exemplo, que estou a ser humilhada propositadamente, e se isso me revoltar, e reagir de forma mais impulsiva, provavelmente não vou suportar a ideia de engolir o sapo. Ou, ao considerar que a situação não é justa, mas que a pessoa até pode não conseguir ver a minha perspectiva, posso decidir não engolir o sapo, por não concordar, contudo, posso explicar o meu ponto de vista e a minha razão para não o fazer. Contudo, talvez caso essa pessoa seja o nosso chefe, ou alguma pessoa que nos pode criar alguns problemas, essa ponderação já poderá ser diferente. Ou seja, apesar da minha vontade poder ser a mesma, de não engolir o sapo e de responder de acordo com a minha leitura, posso adoptar uma atitude mais controlada e tranquila. E até poderei decidir, que naquele caso, aquele sapo não me irá incomodar assim tanto...?

A sensação de desconforto nesses momentos, pode ser sentida de forma menos intensa, exactamente porque podemos conseguir ver que é uma opção nossa, e que de facto até tenho a ganhar (ou a não perder) e por esse motivo, essa decisão pode acabar mesmo por ser uma atitude de maturidade? O conseguirmos tolerar a frustração, não ficando a remoer, aceitando que a nossa opção é a mais acertada no momento.

A capacidade de reflexão, a avaliação da situação por diversas perspectivas e a ponderação, serão com certeza grandes ajudas que nos ajudam a decidir se não o vamos engolir, ou se vamos colocar condimentos para nos facilitar a digestão...

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Era uma vez... eu

As histórias da maioria de nós parecem ter, entre muitos, um ponto em comum: de acordo com alguma investigação, e mesmo relatos menos formais, no leito de morte o arrependimento por aquilo que não se fez parece imperar.
Será que era disso que falaríamos se escrevessemos sobre as nossas vidas postumamente? Será que esse nosso Eu, diria ao de hoje, "Faz!"? E o que diz o nosso Eu de hoje ao nosso Eu de ontem? E ao de hoje mesmo?
Há poucas semanas aceitei um desafio em que me foi proposto identificar e descrever os "capítulos"  da minha vida. Quero desafiar-vos também: se as vossas vidas fossem livros, quais os capítulos que teriam? Quantos eram? A que diriam respeito? Seriam organizados cronologicamente, numa sequência de diferentes fases de desenvolvimento? Ou o tempo não teria muita relevância nessa escolha? Seria o espaço?!? Ou também não? Enquanto unidades de significado, marcadores de vida, a que corresponderiam esses capítulos?

É comum no final de um caminho, de um projecto, de uma viagem, de uma fase, olharmos para trás. Fazemos uma espécie de balanço, avaliamos o que aconteceu, criticamos o que consideramos terem sido erros, regozijamo-nos (muito mais raras vezes) com os sucessos.
Isto leva-me a duas questões diferentes:

Por um lado, que tipo de narradores somos?
Ouve-se com frequência "Se eu soubesse antes o que sei hoje" ... Mas a verdade é que não sabíamos. Não tínhamos como saber e, por isso, dificilmente poderíamos ter feito diferente. Mas o que a investigação nos parece dizer é que esta aceitação para ser facilitada quando se fez! Mesmo que se tenha feito "mal"! E que não são os erros, mas sim o que se deixou de fazer, de tentar, de arriscar, os "não capítulos", aqueles que não chegaram a ser publicados e ficaram guardados na gaveta, que nos angustiam.
Para aqueles capítulos em que tudo parece ter corrido mal, há sempre a possibilidade de conseguirmos aprender a olhar para eles como lições aprendidas, como caminhos que tomámos e que nos ajudaram a perceber que não era por ali.

E, por outro, queremos mesmo esperar pelo fim para ver como poderíamos fazer melhor, crescer melhor, viver melhor? Ou irmo-nos narrando as nossas próprias vidas ajudar-nos-á a escrevermos histórias diferentes, a estarmos mais presentes, mais envolvidos, mais livres, e com uma maior capacidade de escolha e decisão?

São muitas perguntas, bem sei... Procuremos dar-lhes resposta?



Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.