sexta-feira, 29 de julho de 2016

Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe... Sobre o fim das relações

Terminar uma relação significativa é algo quase sempre difícil, independentemente de sermos nós ou a outra pessoa a terminá-la.
A decisão acerca de permanecer ou terminar uma relação parece ser cada vez mais solitária – numa época em que as religiões já não aterrorizam as pessoas para que se mantenham em relações que foram abençoadas, em que a sociedade parece preocupar-se cada vez menos com o fim dos relacionamentos, e em que a investigação sugere que, de uma forma geral, as crianças crescem de forma mais saudável num lar desfeito do que num lar infeliz: para a decisão de ficar ou terminar uma relação, pesam cada vez menos os factores externos, deixando cada um de nós cada vez mais a sós com os internos. Assim, um importante indicador  para esta escolha parece ser o modo como nos sentimos na e com a relação. Contudo, isso parece muitas vezes dificultar ainda mais a decisão, ao toldar-nos a capacidade para recorrermos à razão.
Ainda assim, tomada a decisão, por vezes vamos adiando...apavoramo-nos com a ideia de ver o outro triste, vamos encobrindo a nossa vontade. Queremos ser simpáticos, e, na verdade, gostamos de ser gostados... mesmo por aqueles de quem já não gostamos. Contudo, essa atitude só prolonga o nosso sofrimento, e o do outro. Assim, se queremos realmente sair de uma relação, respeitando-nos a nós próprios e ao outro, o que temos a fazer é: sair! E, generosamente, aceitarmos poder ser odiados por alguém que até aqui gostava de nós.
Há também momentos em que a decisão não passa sequer por nós, e, de uma forma mais ou menos inesperada, deparamo-nos com o fim de uma realidade conhecida por nós até então. O sentimento de rejeição, de termos deixado de ocupar o lugar especial que tínhamos na vida da outra pessoa, pode ter um impacto muito variável em cada um de nós, mas parece inevitável. Dizem-nos “Tens que ser forte! A vida continua...”. Só que a dor é tão grande que a vida não parece continuar, tão egoísta que parece impedir-nos de tentar prosseguir. E, na verdade, o fim de uma relação significativa, superar uma rejeição, não é momento para actos de bravura: é essencial permitirmo-nos estar tristes, receber e aceitar essa nossa tristeza, e oferecer-lhe quanta música melancólica, refeições calóricas e serões de filmes no sofá nos apetecer.
Quando a relação acaba efectivamente, grande parte da dor que sentimos prende-se com a sensação de perda... Mas, e se procurarmos olhar para a situação não como uma perda, mas como uma transição? A verdade é que as relações (mesmo as que terminam) permanecem connosco para sempre... na nossa memória, nas emoções que sentimos quando pensamos nelas, nas pessoas nas quais, com elas, nos tornámos, nas aprendizagens que nos proporcionaram.

O fim de um relacionamento não significa que uma relação falhou... Se, com ela, conseguimos crescer enquanto pessoas, fazer aprendizagens para as nossas vidas, então, na verdade, foi bem sucedida.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Como a dopamina aumenta o meu bem-estar?

Não fazendo uma continuação do artigo que escrevi na semana, mas acabando por fazer, em O grande momento antes do grande momento – A Antecipação, referi que existem alguns estudos que indicam que imaginar uma situação do futuro, activa partes do cérebro ligadas à felicidade. Também referi que no momento da antecipação de um momento agradável por que se espera, os níveis de dopamina elevam-se. A dopamina é o neurotransmissor responsável pela motivação, impulso e foco, ela permite-nos ter sentimentos de prazer, felicidade e de euforia.

Assim, a minha proposta com este artigo é tentarmos pensar de que forma nós próprios podemos “induzir” mais dopamina no nosso organismo.

Sabem aquela sensação que quanto menos faço, menos vontade tenho de fazer? Ou quanto mais faço, parece que mais energia tenho e mais vontade tenho de fazer? Pois bem... Podemos tentar começar por aí! Por exemplo, acordo e sinto-me sem energia, cansada ou um pouco triste... Naturalmente com essa pouca energia, se pensar em fazer uma actividade mais complexa e que exija muito de mim, a probabilidade de o fazer é muito pequena... Mas e se pensar em fazer um café? Ou um chá? E sentir o cheiro do café ou do chá? E se puser a tocar uma das minhas músicas favoritas? E se pensar numa actividade para fazer a seguir que não me custe tanto, mas que me pode até ajudar a superar esta fase? E se ligar a uma amiga para vir almoçar a minha casa? E se pensar em ir apenas dar uma pequena volta ao jardim mais próximo de casa? Como me sinto ao imaginar-me a passear, a ouvir os passarinhos, até mesmo levar um livro ou o jornal e ler num banco de jardim ou numa esplanada? Como me sinto ao imaginar essa possibilidade? E ao fazer, como me sinto a seguir? Muito provavelmente já me poderei sentir com mais energia e até a actividade que exige mais de mim, já poderá ser mais suportável ou pelo menos mais próxima de se imaginar a ser concretizada...

Sugiro que tentemos ver não uma escadaria, onde queríamos estar, mas cada degrau. E a verdade é que ao irmos subindo cada degrau aprendemos muito sobre nós e dá-nos uma sensação de concretização, e torna-se menos difícil olhar para os degraus que se seguem, porque se acredita um pouco mais... Porque nos sentimos mais confiantes, porque na verdade estamos a ir aumentando, de forma gradual também os níveis de dopamina no nosso organismo... Esse acreditar, essa sensação boa que surge quando penso “eu estou a ser capaz...”é essencial de ser alimentada, dia após dia.

Então na prática o que posso fazer para aumentar a dopamina?

- O exercício físico é uma das melhores coisas que podemos fazer para o nosso cérebro, porque para além de aumentar os níveis de dopamina, aumenta a produção de novas células cerebrais, retarda o seu envelhecimento e melhora o fluxo de nutrientes para o cérebro. E aqui mais uma vez, não necessitamos de sair a correr cada dia. Para quem não faz actividade física, fazer caminhadas ou exercícios suaves, sem impacto como yoga ou tai chi, que produzem poderosos benefícios para a mente e corpo, podem ser uma boa solução. É essencial encontrarmos algo que gostamos de fazer e que seja adaptado à nossa condição física.

- Os benefícios da meditação têm sido comprovados em inúmeros estudos. As pessoas que meditam com regularidade aumentam: a capacidade de aprender, a capacidade de se relaxarem profundamente e os níveis de criatividade. Tem sido demonstrado que a meditação aumenta a dopamina, melhorando o foco e a concentração.

- Manualidades de todo o tipo – pintura, tricô, costura, desenho, fotografia e bricolage, ajudam na concentração e no foco, de forma semelhante à meditação. Essas actividades aumentam a dopamina, afastam a depressão e protegem contra o envelhecimento do cérebro.

- Ouvir música pode causar libertação de dopamina. E tal como referi no artigo da Antecipação, não temos que ouvir a música para obter este neurotransmissor, a dopamina flui apenas pela antecipação da escuta.

- Culinária – para quem gosta de cozinhar, esta actividade também pode ser muito prazenteira e assim elevar o nível de dopamina. Podemos até definir diferentes fases para estarmos atentos: a fase de imaginarmos um novo prato saboroso, a fase de procurarmos receitas com determinados ingredientes, a fase da preparação e a fase da degustação, que pode ser partilhado com a família ou amigos. Cada uma destas fases de antecipação permitem-nos elevar os níveis de dopamina.

O acto de explorar, procurar e posteriormente encontrar, activa os nossos circuitos de recompensa. Criar metas de curto e longo prazo e transformar as metas de longo prazo em pequenas metas de curto prazo é essencial para nos darmos um aumento de dopamina ao longo do caminho. A dopamina desempenha um papel muito importante na forma como vivemos as nossas vidas, não sendo nenhuma surpresa, que quando o sistema de dopamina não está equilibrado pode contribuir para problemas de saúde.

Vamos aproveitar a busca e a exploração, definir objectivos tanto de longo quanto de curto prazo e aceitar novos desafios? Com certeza que nos vamos sentir mais vivos, focados, produtivos e motivados!

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 24 de julho de 2016

As primeiras férias sem os pais


Para a maior parte dos adolescentes, férias de verão são sinónimo de diversão, liberdade, descoberta e amigos.
Nesta fase do desenvolvimento, a identificação e o sentimento de pertença ao grupo de pares assume um papel central na vida do adolescente, bem como a conquista progressiva pela autonomia.
Passar um período das férias, longe dos pais, com o grupo de amigos é um desejo frequente dos jovens que nem sempre é recebido de forma pacífica pelos pais. No entanto, apesar das preocupações serem legítimas, importa não esquecer que esta pode ser uma experiência fundamental no amadurecimento e no desenvolvimento da autonomia do jovem, capacitando-o com recursos para se relacionar, resolver problemas e superar adversidades.
Quando ponderam sobre a permissão face este tipo de pedidos, os pais deverão atender às provas de responsabilidade e autonomia evidenciadas pelo jovem, ao longo do tempo. As saídas à noite, poderão constituir-se como um importante ensaio para testar como o jovem utiliza a sua liberdade e como pode ser confiável, no que respeita ao cumprimento dos horários, gestão do dinheiro, comportamentos evidenciados e na honestidade para com os pais. A capacidade do jovem em dizer não de forma assertiva, independentemente da pressão do grupo, é outro aspeto essencial que convém ter em conta, já que tal se constitui como um fator protector face a situações de risco. O diálogo aberto entre pais e filhos no que respeita à sexualidade constitui-se igualmente como um fator de proteção, nomeadamente em períodos de férias sem os pais em que podem ocorrer envolvimentos sexuais, já que veicula a transmissão de informações e modos de proteção face a doenças sexualmente transmissíveis e gravidezes indesejáveis.
Toda a educação que visa tornar os filhos pessoas responsáveis, no que respeita às suas ações e ao cumprimento de deveres, compromissos e horários e como tal pessoas confiáveis e merecedoras da respetiva liberdade, constitui-se como o caminho para a autonomia. Ao longo deste mesmo caminho, a supervisão dos pais é fundamental para determinarem quando se justifica a sua intervenção e a adoção de medidas mais firmes, que podem até implicar a retirada de alguma da liberdade que já tinha sido concedida, caso esta não esteja a ser utilizada de forma adequada e responsável.
 O modo como os próprios pais vão ensaiando e exercitando com os filhos comportamentos de autonomia ao longo da vida, vão certamente determinar a preparação psicológica dos jovens para estes períodos de férias por sua conta e risco.
Os pais deverão certificar-se que conhecem os amigos com quem o filho vai, para onde ele vai,  quais os planos e em garantir a manutenção da comunicação telefónica dentro de um horário acordado para saber se está tudo bem. Convém também ficar com os contactos de outros amigos, caso a ligação com o filho não se consiga estabelecer. O diálogo relativo aos eventuais perigos que poderão existir e às estratégias protetoras que poderão ser adotadas é essencial.
As férias longe da família não só respondem a uma necessidade dos jovens descobrirem os outros, o mundo e dessa forma descobrirem-se a si próprios como também desenvolverem a capacidade para cuidarem de si, o que, numa sociedade em que a transição para a autonomia tem vindo a ser cada vez mais adiada, importa estimular. A relação entre pais e filhos também pode sair beneficiada após este período, na medida em que o jovem ganha maior consciência das suas ações e das suas consequências e os pais podem ganhar maior confiança e segurança no adolescente face a este amadurecimento.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Da amizade...

Cada um que passa na nossa vida passa sozinho, pois cada pessoa é única, e nenhuma substitui outra. Cada um que passa na nossa vida passa sozinho, mas não vai só, nem nos deixa sós: leva um pouco de nós mesmos e deixa um pouco de si mesmo. Há os que levam muito, mas não há os que não levam nada; há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada.
(Desconhecido)
Esta citação foi sendo atribuída a Antoine de Saint-Exupéry, a Charlie Chaplin e a Khalil Gibran (menos reconhecido, foi um poeta, filósofo, ensaísta, entre outras artes, libanês)... Talvez algumas pessoas a tenham considerado tão valiosa, que não acharam que pudesse ser atribuída a um “anónimo”, a uma pessoa comum, desconhecida. Quem a lê talvez fique com vontade de a dar a conhecer a outros e, sabemos pelo Marketing, que nada melhor do que acrescentar-lhe um nome sonante para que se torne inesquecível. Não a acho particularmente bonita, não me importo se estará metricamente bem construída, mas a verdade que abraça parece-me digna de contemplar, compreender, aceitar.
Ao longo da nossa existência, as nossas vidas vão-se cruzando com as vidas de muitas outras pessoas. E, ao que parece, a verdade é que todas essas vidas levam, pelo menos, um pedacinho daquelas com as quais se cruzam.
Dia 20 foi o dia internacional da Amizade, dia em que se celebra aqueles que nos deixam mais do que um pequeno pedaço dos seus Eus, aqueles que, presentemente ou em qualquer momento das suas vidas, partilharam connosco aquilo que são, e a quem presenteámos com aquilo que somos. Mais, ou menos, mas raramente com nada.
As primeiras amizades parecem surgir da descoberta de que gostamos de fazer as mesmas coisas que outras pessoas também gostam. Com o passar do tempo, estas semelhanças podem continuar a garantir a convivência, mas raramente são suficientes para manter uma Amizade. 
E é aqui que, muitas vezes, procuramos mostrar os nossos pontos fortes, as pessoas extraordinárias que conseguimos ser, os feitos incríveis que alcançámos, a viagem magnífica que fizemos ou desejamos fazer... Contudo, muita investigação e a experiência vão-nos mostrando que é a partilha dos nossos momentos embaraçosos, das nossas tristezas, da melancolia ou ansiedade que tantas vezes sentimos, que nos vão ligando aos outros, que, principalmente, vão ligando os outros a nós, que transformam um conhecido num Amigo. Ao fazermos isto, colocamo-nos numa situação de vulnerabilidade face ao outro, arriscamos situações que nos possam fazer sentir humilhados. Ao partilharmos com o outro algumas das estranhas verdades que fazem parte das nossas vidas, aquelas que nos fazem tantas vezes sentir sozinhos, é como se lhe confiássemos  parte da nossa dignidade e da nossa auto-estima. Há pouca coisa que possa ser mais valiosa do que isso... E, apesar de haver momentos em que queremos  acreditar que gostamos dos nossos amigos pelo que eles são, não há grande dúvida de que é essencial e determinante a forma como eles apoiam quem nós somos. 
Para finalizar volto à citação inicial, à ideia de que as pessoas passam pelas nossas vidas, e que tantas vezes nos é difícil aceitar que, na amizade, por vezes estamos perto, outras vezes longe, e que outras voltamos a aproximar-nos e até a fortalecer os laços...ou não. E é aí que importa lembrar que "há os que deixam muito, mas não há os que não deixam nada".

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia,

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O grande momento antes do grande momento – A Antecipação

“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz.” (em “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry)

Já a raposa dizia ao Principezinho, que uma hora antes do grande momento, do seu encontro (que lhe iria fazer feliz), ela estaria muito feliz. O que nos leva para uma ideia de uma preparação psicológica, ou de uma expectativa positiva antecipatória de um bom momento que vai chegar em breve.

Podemos efectivamente pensar em várias situações em que isso acontece: vemos o trailer de um filme e ficamos empolgados até vermos a sua estreia; acordamos muito bem-dispostos porque sabemos que logo mais à noite vamos ter um jantar entre grandes amigos; passamos uma semana com uma boa sensação porque antecipamos a viagem de férias... Ou seja, situações que imaginamos serem boas, dão-nos uma boa sensação quando estão a chegar.

Alguns estudos indicam que imaginar uma situação do futuro, activa partes do cérebro ligadas à felicidade. E isso acontece, provavelmente porque sabemos que o futuro é incerto e com esse pensamento agradável, de boas perspectivas, sentimo-nos confortáveis, mais seguros e confiantes.
As esperas de situações agradáveis dão-nos prazer. A expectativa de que vai acontecer algo que desejamos gera no nosso organismo um prazer antecipado. Dias, semanas ou meses antes de o evento acontecer já estamos a imaginar com satisfação o dia a chegar e já nos conseguimos sentir satisfeitos. Esperar por uma festa que ansiamos, pelas férias desejadas ou pelo filme tão esperado é possuir expectativas agradáveis quanto a um evento futuro. Quando se espera esse momento, tendemos a ter afectos positivos. Este estado corporal é sentido com entusiasmo, esperança, excitação, alegria, felicidade e bem-estar. Por outro lado, quando temos expectativas desfavoráveis (doença grave de algum amigo, situação difícil de exame), temos sentimentos negativos: ansiedade, desespero, sofrimento com pensamentos mais negativos.

Existem cerca de 100 biliões de neurónios no cérebro humano, e estas células comunicam entre si através de substâncias químicas do cérebro chamadas neurotransmissores. A dopamina é o neurotransmissor responsável pela motivação, impulso e foco, permite-nos planear com antecedência e resistir aos impulsos, para que possamos alcançar os nossos objectivos. É ela que dá aquela sensação boa quando dizemos “Eu consegui fazer isto! Eu fui capaz!”, quando realizamos a tarefa que nos propusemos a fazer. Faz-nos ser competitivos e é responsável pelo nosso sistema de prazer e recompensa. Ela permite-nos ter sentimentos de prazer, felicidade e de euforia. Pelo lado oposto, pouca dopamina dificulta-nos a ter um foco, faz-nos sentir desmotivados, apáticos e até mesmo deprimidos.

Assim, ao esperarmos por um momento agradável ou ao nos prepararmos para uma festa desejada, o nosso organismo produz e liberta dopamina e noradrenalina para que possamos agir e fazer algumas actividades de preparação, e nos adaptarmos para esse momento.

A libertação da dopamina e noradrenalina acontecerá muito tempo antes do grande momento se realizar. Tempo antes do evento imaginamos, comentamos, sonhamos e nos preparamos para o dia. Vários estudos demonstram que o nível de dopamina é mais elevado no momento da antecipação desse evento agradável, do que até mesmo no momento tão desejado e esperado.

Por isso, quando sabemos que vamos ter algo agradável e desejado, que tal experienciar ao máximo esse momento da antecipação? Como o podemos maximizar? E após a situação tão esperada, como podemos prolongar ao máximo e ficar com aquela boa sensação...?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 17 de julho de 2016

Férias grandes e tempo de qualidade com os filhos



Terminado o ano letivo e concluída a jornada de estudo, testes e trabalhos escolares levada a cabo durante meses a fio, estão aí as merecidas férias de Verão!
Mas e agora, como podem as crianças aproveitar da melhor maneira estes três meses em que não vão à escola?
Esta é uma pergunta que inquieta muitos pais que se preocupam em proporcionar aos seus filhos um período de diversão e de qualidade, ou até mesmo aquelas férias inesquecíveis, na Disneylandia, ou naquele destino exótico de praia ou até mesmo naquela colónia de férias fantástica.
Todas estas opções são válidas mas não necessariamente as que vão marcar a diferença na vida da criança, pois mais importante que o valor financeiro despendido, são as experiências afetivas que são proporcionadas e que vão gerar memórias positivas, sentimentos de pertença e de bem-estar.
Nas férias, pais e filhos têm a oportunidade de passar mais tempo juntos e de desfrutar da companhia uns dos outros, o que é importante não só para reforçar os laços afetivos mas também a qualidade da comunicação. Esta será tanto melhor quanto mais facilitador for o ambiente familiar no que respeita à comunicação da criança para abordar qualquer tipo de assunto com os pais e quanto mais empenhados estes estiverem em escutar ativamente os seus filhos e em estimular a sua expressão de pensamentos e sentimentos.
Nas férias, o planeamento de atividades deverá implicar a participação dos filhos, na medida em que dessa forma os pais estão a envolvê-los nas tomadas de decisão e a transmitir-lhes implicitamente a mensagem que as suas sugestões são ouvidas e consideradas, mesmo que nem sempre possam ser concretizadas. A imposição dos pais, que “obrigam” os filhos a estar em determinado sítio ou a realizar certa atividade, contra a sua vontade, pode ser geradora de conflitos, ansiedade e stress.
Tal como os adultos, as crianças também necessitam do seu próprio espaço, pelo que é natural que, ocasionalmente, optem por não acompanhar os pais em determinado programa porque preferem ficar a realizar uma outra atividade ou na companhia de outras crianças da sua idade. Aqui importa encontrar uma situação de equilíbrio familiar, na qual a criança é respeitada na sua autonomia e vontade própria, dentro daquilo que é considerado razoável, sem haver prejuízo nas ligações afetivas entre pais e filhos.
As férias são a altura ideal para quebrar a rotina e dar a conhecer às crianças outras realidades que, ao longo do ano, muitas vezes por falta de tempo, não estão acessíveis. Promover o contacto das crianças com o cinema, a música, a dança, os museus e os livros é uma forma de sensibilizá-las para as artes e para o gosto em relação a esses universos. A verdade é que, durante as férias, as crianças também podem aprender muito, e de forma lúdica e divertida, desenvolvendo a sua criatividade, conhecimentos e competências sociais através das brincadeiras com outras crianças nas quais aprendem a seguir regras, a contestar, a respeitar e a desenvolver autonomia.
Quando os pais não têm possibilidade de passar férias com os seus filhos, poderão ser ponderadas outras hipóteses como a estadia numa colónia de férias ou na casa de um familiar próximo, que proporcionem experiências de convívio com novas pessoas ou familiares. Não obstante, estas opções não deverão ser impostas à criança que deverá ter a oportunidade para escolher.
Das muitas atividades que os pais poderão realizar nas férias com os seus filhos ficam aqui algumas sugestões:
Ao ar livre:
- um piquenique
- um passeio de barco ou de comboio
- um passeio de bicicleta com a família depois de planeada a rota
- um passeio pedestre ao ar livre, que permita entrar em contacto com a natureza
- um passeio cultural pela cidade
- visitas a museus
- visita ao jardim zoológico
- ida à praia
- ida à biblioteca que muitas vezes têm programas para crianças
- ida ao cinema
-visita a familiares e a pessoas conhecidas, para reforçar os relacionamentos interpessoais da criança
- viagens que dêem a conhecer outras realidades e culturas
Em casa:
- cozinhar refeições (deixar a criança decidir a ementa daquele dia e irem fazer as respetivas  compras)
- convidar amigos para irem lá a casa e fazerem uma festa
- fazer teatros, karaoke
- jogar jogos de tabuleiros
- ler e fazer o desenho da história
- ver um filme ou um programa de televisão e conversar sobre o mesmo
- fazer pinturas com guaches ou aguarelas

                Independentemente das atividades escolhidas, importa acima de tudo a disponibilidade dos pais para estarem atentos às necessidades emocionais das crianças e o seu envolvimento na relação com elas. São estes momentos de convívio familiar e de proximidade afetiva que se vão constituir como memórias positivas extremamente importante no desenvolvimento da criança e que a vão acompanhar ao longo da vida.

                E já agora, umas ótimas férias com os seus filhos!!

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Viajar... uma necessidade psicológica?!?

Nem toda a gente gosta de viajar. E, daqueles que gostam, há os que preferem ir para o destino mais distante possível, há os que gostam de “viajar cá dentro”, há os que preferem a natureza, os que amam as grandes cidades, os que são adeptos dos fins de semana prolongados, e os que não se importam de acumular as férias de dois anos para poderem depois perder-se no tempo... E mesmo cada um deste “viajantes” é também, por vezes, outro tipo de viajante. Em diferentes momentos (cronológicos ou emocionais) das nossas vidas preferimos e fazemos viagens diferentes...
Por vezes podemos atribuir a capricho, ou má utilização da palavra, quando alguém diz que precisa viajar. Muitos poderão argumentar que precisar precisa-se de comer, de um tecto, de um agasalho no inverno... não de viajar! Mas, e se encararmos viajar como sendo realmente uma necessidade?
Na Idade Média, quando havia algo de errado com alguém essa pessoa era incentivada a partir em peregrinação, dirigindo-se, por exemplo, ao local onde se encontrassem os restos mortais de um determinado santo, preferencialmente daquele “especializado” na preocupação, doença ou problema que se possuía. Arrisco dizer que, hoje, quase todos que viajam fazem-no por outros motivos. Ainda assim, concordo que há lugares no mundo que, pelas suas características, têm o quase “poder” de mudar e ajudar a reparar algumas das nossas feridas interiores.
Quando viajamos, todos integramos também (de uma forma mais ou menos profunda, mais ou menos consciente) uma viagem interior. Só que, ao contrário do que acontecia na Idade Média, agora partimos muitas vezes sem sabermos exactamente o que é que está mal connosco, o que ou onde dói, e, por isso, partimos também sem saber muito bem como o destino escolhido nos pode ajudar... Pode alguém partir sem saber antes onde está? Quantas vezes o desejo de viajar traz consigo não só a vontade para visitar algum lugar, como também a de deixar para trás determinadas partes de nós mesmos?
E se procurássemos aprender com aqueles nossos antepassados e nos tornássemos viajantes mais conscientes? E se nos tornarmos mais ambiciosos relativamente às viagens, e as encararmos como uma forma de nos ajudar a desenvolver o melhor de nós mesmos, crescendo com as sugestões oferecidas pelos lugares em que estivemos? Poderíamos começar por procurar conhecer outras características que cada lugar possui: não o tipo de alojamento que existe, ou a facilidade em levantar dinheiro, ou mesmo a distância a um hospital... outras qualidades como a calma, a sensualidade, o rigor, a tolerância, a perspectiva. Ao atentarmos a estes detalhes, poderemos permitir que a viagem exterior nos ajude na interior também – o que só é possível se nos arriscarmos olhar para dentro, saber onde estamos bem lá no fundo do nosso Eu.
Qualquer local para onde possamos viajar possui características que podem proporcionar algum tipo de mudança benéfica. Há sítios que podem ajudar-nos com a timidez, outros com a ansiedade. Os desertos, por exemplo, parecem poder ajudar-nos a promover a nossa humildade, recordando-nos, por exemplo, como somos, à escala global, apenas uma pequena peça.
Assim, é como se o acto de viajar atingisse o seu potencial máximo ao ajudar-nos, quase como uma forma de terapia, a corrigir os desequilíbrios e imaturidades que nos são naturais.
As viagens permitem-nos, muitas vezes, procurar no mundo exterior onde precisamos ir no nosso mundo interno. Para isso é necessário arriscar... Deixar de viajar apenas para onde nos é confortável no nosso interior, para onde nos é familiar, deixando de procurar nesses locais apenas repetir o que já temos.

"A verdadeira viagem de descoberta não consiste em ver novas paisagens, mas em observar com novos olhos."

Marcel Proust


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia,

terça-feira, 12 de julho de 2016

O Mundo afinal é ou não é Justo!?

Quantas vezes nos ouvimos a dizer, ou ouvimos a alguém a expressão “Isto não é justo!”

Quando perdemos um jogo de futebol e jogámos muito melhor do que o adversário, quando nos fartamos de estudar e saem as perguntas da matéria que menos percebemos, quando sabemos tudo muito bem e temos tudo organizado e surge um imprevisto que nos impede de atingir o nosso objectivo. Se eu me esforcei e me empenhei tanto, se pensei em tudo, não é justo não conseguir! Quase como que se existisse um conceito de justiça universal, que recompensasse os bons e castigasse os maus e, quando isso não acontece, sentimos uma indignação porque não é justo... Será assim?

Quando somos crianças, ensinam-nos que nos devemos portar bem, cumprir as regras e ser uma boa pessoa (a emprestar os brinquedos às outras crianças, a não fazer mal mesmo que nos façam, etc.), com a promessa de que esse comportamento nos vai trazer consequências positivas. Ao contrário, se desobedecemos, se não seguimos as regras, as desgraças irão acontecer: desde um castigo ou o homem do saco que nos vem buscar. E assim, começamos a pensar que o mundo funciona como um juiz, justo, que vai distribuindo recompensas e punições em função dos nossos comportamentos. Se a essa aprendizagem juntarmos também a necessidade do ser humano de sentir que controla o que ocorre à sua volta, temos a explicação do que se chama a “teoria do mundo justo”, onde cada qual tem o que merece.

Definitivamente, a vida não é justa. E ainda que vamos repetindo essa ideia a nós mesmos, e muitas vezes, não é por isso que a pequena esperança dentro da nossa cabeça desaparece, que nos leva a manter o pensamento (quase que mágico), que o malvado irá receber antes ou depois o seu merecido castigo, e que as pessoas boas acabarão por ser recompensadas.

Para lidarmos com as inúmeras tragédias que acontecem diariamente no nosso mundo, diminuindo ao máximo a sensação de ameaça constante, tendemos muitas vezes a tentar encontrar explicações "racionais" que nos levem a acreditar que tais factos jamais nos irão acontecer, formando assim uma crença de que o mundo, de uma forma ou outra, é justo com as pessoas decentes, boas, cuidadosas e justas, e que desgraças acontecem geralmente às pessoas más ou que fazem por merecer. Baseado nisso, Melvin J. Lerner criou a teoria da Crença no Mundo Justo (CMJ), que pode ser caracterizada como uma atribuição defensiva, de acordo com a qual se acredita que todos têm o que merecem e merecem o que têm. A CMJ ajuda-nos a manter a nossa visão da vida como segura, organizada e previsível. Esta crença está intimamente relacionada com factores sociais, políticos, interpessoais e culturais que regulam as crenças.

De acordo com Melvin J. Lerner, a crença no mundo justo é uma ilusão fundamental para que mantenhamos a nossa percepção de invulnerabilidade face às ameaças da vida. A nós não nos acontecerá porque somos bons. Sabemos que as pessoas com maior CMJ têm níveis de bem-estar psicológico mais elevados. Contudo, a essas pessoas pode ser mais difícil ultrapassar um trauma quando elas próprias ou familiares passam por uma situação trágica que não tiveram o controlo. Segundo esta teoria, todas as pessoas, em maior ou menor grau, têm necessidade de acreditar que o mundo é justo. Contudo, temos que ter algum cuidado... É importante perceber que faz sentido querermos sentir-nos seguros e que naturalmente a teoria do Mundo Justo é como que uma forma de nos adaptarmos /sobreviver ao mundo em que vivemos, e de lidarmos com os medos, preocupações e perigos que nos rodeiam. Evidentemente não nos podemos sentir sempre vulneráveis e em perigo, não seria possível vivermos nesse estado constante.

Mas, um exemplo infelizmente demasiado conhecido - A necessidade de culpar as verdadeiras vítimas em casos de violação, na sua maior parte, mulheres: "Se elas tivessem uma saia menos curta ou decote decente nada disto aconteceria." Assim, é importante percebermos até que ponto é que as culpabilizações que fazemos às vítimas não servirão apenas para restabelecermos a nossa crença no mundo justo, e aliviar o sofrimento que a confirmação das injustiças nos provoca. Se calhar, podemos estar apenas a ser ainda mais injustos!?

É essencial termos consciência do nosso nível na teoria da Crença no Mundo Justo e de que forma isso nos faz avaliar as tragédias que surgem, porque pode-nos levar a sermos bastante injustos na avaliação dos outros. Talvez possamos fazer algo mais concreto na luta contra essas injustiças, para diminuirmos a nossa sensação de vulnerabilidade? Talvez possamos aceitar que o Mundo afinal não é assim tão (nem sempre) Justo? Como nos poderemos sentir menos vulneráveis sem ser através de uma inversão de culpa (culpabilizando as vítimas), para que a teoria do Mundo Justo seja mais verdadeira?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Como pré(-)ocupar-se menos com o futuro e ocupar-se mais com o presente



A incerteza do futuro é uma das principais preocupações do ser humano, que muitos tentam driblar através da construção mental de múltiplos cenários perante uma situação que desperta dúvidas e inseguranças.
Procura-se assim, através do intelecto, prever e anteceder todas as variáveis possíveis, como se tal garantisse o controlo e o domínio da situação e de qualquer dano colateral que possa surgir.
Esta pré-ocupação excessiva e o medo em relação ao futuro, acabam muitas vezes por ter um efeito paralisante, inibindo o indivíduo para a acção e em última instância para a vida. A privação que daqui decorre e que é impeditiva do acesso a experiências de prazer, entusiasmo, ousadia e superação, podem levar a um bloqueio no crescimento, ao entorpecimento mental e ao adoecer.
Para evitar que tal aconteça, importa antes de mais o desenvolvimento de uma percepção realista da condição humana e a consciência que a única coisa que podemos controlar é aquilo que depende única e exclusivamente de nós e que passa pelos nossos comportamentos, atitudes, posição perante a vida e empenho. Tudo isto pode ser entendido como o nosso funcionamento interno, que no fundo é o que necessitamos de usar para nos lançarmos à vida.  A ideia que a podemos ensaiar e com isso prever resultados à semelhança do que se faz num laboratório não passa de mera utopia. Na verdade, grande parte das variáveis não estão no nosso controlo, até mesmo a saúde de cada um é algo que pode sofrer alterações sem disso haver qualquer tipo de domínio.
Assim sendo, a única coisa que depende de nós e à qual importa dar atenção é ao nosso empenho mas sem a cobrança de resultados, dado que estes também estão dependentes muitas vezes das próprias circunstâncias, assim como da maneira de ser, pensar e agir de terceiros, que não podemos controlar.
Tal não invalida que não possamos pensar num plano alternativo caso um determinado projeto não seja bem sucedido, até porque isso nos pode ajudar a descentrar da preocupação em relação aos resultados. Contudo, isso não nos deve retirar a atenção do presente, único tempo em que a vida se desenrola, tendo consciência que o erro e a falha fazem parte da condição humana e nos oferecem oportunidades únicas de aprendizagem e de superação pessoal.
O humor é também um instrumento poderoso, rir de nós mesmos é uma forma de lidar melhor com as nossas fragilidades. Negá-las ou escondê-las é uma maneira de lhes conferir poder e de limitar a nossa liberdade.
Voltando à questão inicial, a pré-ocupação com o futuro e a desocupação com o presente, podem conduzir a uma situação de grande empobrecimento na medida em que nos impede de ir para a vida por medo do mundo não corresponder exatamente ao que queremos ou que achamos que ele tem de ser. Perdemos assim a oportunidade de receber aquilo que ele teria para nos dar e de descobrimos ou redescobrimos talentos, capacidades e recursos internos importantes.
Prevalecendo na expetativa, ficamos dependentes que seja o outro ou o mundo a trazer-nos a realização que desejamos, quando na verdade, a nossa felicidade não vem de fora.

 O nosso bem estar vem do nosso funcionamento interno  e da forma como encaramos e nos relacionamos com aquilo que acontece. Como tal, é o uso do nosso funcionamento, daquilo que somos,  que nos  capacita para viver a vida em direto, sem ensaios nem repetição de cenas, no aqui e no agora.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

"Sou do tamanho do que vejo..." E não do tamanho do meu grupo de amigos - uma introdução à Introversão

Na semana passada lancei a questão “Quando é que deixámos de poder ver o copo meio vazio?!”, reflectindo acerca de uma espécie de “obrigatoriedade” de estarmos (e sempre) optimistas em relação às coisas; alegres, satisfeitos, bem sucedidos em todos os nossos papéis. A pergunta foi-me acompanhando, evoluindo, fui-me questionando, e foram surgindo questões como: Quando iremos deixar de termos de ser todos líderes, excelentes oradores, super sociáveis e sociais? Quando é que será admissível para a nossa sociedade podermos ter menos de 100 amigos no Facebook, ou (utopia!) não termos sequer Facebook? Quando é que não seremos apelidados de esquisitinhos, bichos do mato, ou impulsionar preocupações acerca de uma possível depressão, quando recusamos o convite para a mega festa de fim de verão (ou de qualquer outra coisa... porque motivos para festejar, convenhamos, parece ser coisa que não escasseia) por querermos, simplesmente, ficar em casa, com o estore em baixo, a ver um filme? Quando é que estas situações vão poder novamente entrar no campo das Escolhas que fazemos? Quando é que os outros (os que festejam o fim (e o início, e o decorrer) de cada Verão 10 vezes; os que têm 3000 amigos no Facebook e, verdade seja dita, uns 500 “próximos” na vida real; os que passam os meses de Novembro e Dezembro em jantares de Natal; os que falam sem parecer que algumas vez se calam...) vão deixar de pensar que uma vida sossegada e pacata não é algo imposto aos que não souberam fazer pela vida, e que tiveram que se resignar à sua incapacidade social?
Esses, os pensativos e introspectivos, são vistos muitas vezes como pessoas sem iniciativa e com pouca capacidade para trabalhar em equipa, que se “viraram para dentro” por terem baixa auto-estima e défice de um sem número de outras qualidades consideradas desejáveis. Contudo, estima-se que 30 a 50% da população seja composta por introvertidos!
O que é isso de se ser introvertido?!? Bem... até mesmo na investigação acerca da personalidade, houve tempos em que a introversão era definida por aquilo que não era: extroversão. Ou seja, até por volta dos anos 80, sabia-se que se os extrovertidos eram pessoas assertivas e entusiásticas, que prosperavam em ambientes sociais altamente estimulantes, então os introvertidos eram o oposto! Ponto.
Tal como referi no artigo acerca do perfeccionismo, actualmente sinto que somos bombardeados com ideais de formas de estar e viver - já Jung falava de como vivíamos condicionados por uma sociedade que nos tenta ensinar como viver. No caso concreto da introversão-extroversão, parece que a extroversão é a forma correcta. E a “missiva” vem acompanhada de argumentos que associam atributos positivos às pessoas extrovertidas, como serem mais inteligentes, mais bonitas, mais interessantes, mais desejáveis para fazer amizade, mais criativas, mais competentes profissionalmente, e... mais felizes! A introspecção, muito associada às pessoas introvertidas, por seu lado, parece não reunir grande prestígio na nossa sociedade, e as pessoas que escolhem uma vida mais solitária são muitas vezes vistas como alguém que deixou de acreditar, em si e nos outros, e são, por isso, infelizes. Susan Cain, grande defensora da importância do papel dos introvertidos na nossa sociedade, refere que algumas das nossas melhores ideias, manifestações artísticas e invenções foram geradas por pessoas silenciosas e cerebrais que souberam sintonizar-se com o seu mundo. Sem a introversão, não conheceríamos Chopin, Proust, Orwell, Harry Potter ou não teríamos acesso ao Google.
De acordo com Cain, se por um lado se conhece há séculos o poder da solitude, actualmente parece que ele é esquecido (e, diria eu, até mesmo renegado): parece difícil conseguirmos estar com um grupo de pessoas sem imitar as suas opiniões instintivamente, muitas vezes sem sequer nos apercebermos de que o fazemos.
O meu desafio, por agora, é que possamos aceitar a ideia de que se, por um lado, os extrovertidos precisam de muita estimulação, os introvertidos parecem sentir-se mais vivos, mais ligados, e mais capazes, quando estão em ambientes mais sossegados, mais recatados.
Retomo Jung na defesa da importância de conhecermos a nossa forma de funcionamento e aceitarmo-nos como somos, a nossa personalidade, a nossa maneira de ser, em vez de nos resignarmos a ser aquilo que é esperado que sejamos.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 5 de julho de 2016

E se cada cor de chapéu transformasse o nosso pensamento?

A principal dificuldade de pensar é a confusão. Por vezes, algumas vezes, muitas vezes tentamos fazer demasiadas coisas de uma só vez e pensar em tudo e tomar decisões, tendo em conta a informação concreta que se tem, tentar encontrar a lógica dessa informação, juntamente com a parte emocional, a esperança e a criatividade – é como fazer malabarismo com demasiadas bolas. Contudo, cada elemento tem um  espaço e a sua função, e é importante sabermos como equilibrar de forma harmoniosa estes aspectos e ver as coisas de várias formas é, muitas vezes, essencial em processos de tomadas de decisões complexas.

Com a sua forma prática de tomar decisões e explorar novas ideias, Edward de Bono, criou o Método dos Seis Chapéus de Pensamento, e em muitas situações do nosso dia-a-dia, poderá permitir-nos pensar melhor, utilizando o chapéu mais adequado para cada situação.

Conseguirmos num determinado momento separar a emoção da lógica, a criatividade da informação objectiva, pode-nos ajudar a conseguir encontrar pensamentos e soluções alternativas mais construtivas e eficazes.

O Método dos Seis Chapéus de Pensamento permite-nos dirigir o nosso pensamento, tal como um maestro faz com a sua orquestra; podemos decidir qual o instrumento a tocar num determinado momento e num outro, de forma a tornar a melodia mais harmoniosa. E conseguirmos fazer isso, ajuda a desviarmo-nos do caminho conhecido e assim a pensarmos de maneira diferente sobre um tema / problema.

Então, quem se aventura a experimentar este método?
Sugiro que cada um de nós pense num problema, numa dificuldade, em algo que tenha que decidir e não saiba o que fazer... Já pensámos? Então agora vamos experimentar imaginar que colocamos chapéus e vamos estar durante alguns minutos com cada um deles. Ao usar cada determinado chapéu pensante, vamos assumir papéis "como se" tivéssemos uma determinada perspectiva.

Vamos colocar o Chapéu Branco - Com este chapéu do pensamento, vamo-nos focar nos dados / informações disponíveis. Vamos olhar para a informação que temos e verificamos o que podemos aprender com ela. Observamos que falhas existem no conhecimento e tentamos preenchê-las ou tê-las em conta. É neste momento que analisamos as tendências passadas e tentamos extrapolar sobre dados históricos.
Agora vamos colocar o Chapéu Vermelho – Este chapéu vai fazer-nos olhar para o problema utilizando a intuição, a reacção instintiva e a emoção. Também será importante que tentemos pensar como é que as outras pessoas poderão reagir emocionalmente. Vamos tentar compreender as respostas dos outros que não conhecem as nossas razões.
De seguida colocamos o Chapéu Preto: Com este chapéu vamos olhar para todos os pontos negativos da decisão. Tentamos ver onde é que pode não funcionar, o que pode correr mal. Isto é importante porque destaca os pontos fracos, permitindo eliminá-los, alterá-los ou preparar planos de contingência para combate-los. Este chapéu ajuda-nos a fazer planos mais resistentes e mais resilientes.
De seguida colocamos o Chapéu Amarelo: Este chapéu ajuda-nos a pensar positivamente. É o ponto de vista optimista que nos ajuda a ver os benefícios da decisão e o valor desta. Este chapéu ajuda-nos a continuar quando tudo à nossa volta parece difícil.
E agora colocamos o Chapéu Verde: Este chapéu é o da criatividade. É aqui que podemos desenvolver soluções criativas para um problema. É uma maneira exuberante de pensar, onde há poucas críticas às ideias apresentadas. Existem várias ferramentas de criatividade (por exemplo: brainstorming, brainwriting) que nos podem ajudar.
Por fim colocamos o Chapéu Azul: Este chapéu representa o controlo do processo. Habitualmente este chapéu é utilizado pela pessoa que preside a uma reunião. Quando nos deparamos com dificuldades devido à falta de ideias, este chapéu pode ajudar a dirigir a actividade para o Chapéu do Pensamento Verde. Quando são necessários planos de contingência, ele pode pedir opinião ao Chapéu do Pensamento Preto, etc.

Alguns de nós, pensamos de forma racional e isso permite-nos ter pontos de vista muito positivos e por isso também são pensamentos muitas vezes, bem-sucedidos. Contudo, podemos falhar quando não olhamos para os problemas de maneira emotiva, intuitiva, criativa ou negativa. Isto significa que podemos falhar ao não darmos saltos criativos e ao não elaborarmos planos de contingência. De forma idêntica, os mais pessimistas também podem ser excessivamente defensivos e pessoas mais emocionais, e falham ao olharem para as decisões de forma pouco calma e racional.

Se olharmos para um problema através da técnica dos Seis Chapéus do Pensamento, podemos resolvê-lo utilizando todas as perspectivas. As decisões e planos tomados irão ter uma mistura de ambição, competências na execução, sensibilidade, criatividade e um plano de contingência.

Os principais benefícios do método dos Seis Chapéus de Pensamento são:
- Permitir pensar algo sem risco,
- Consciencialização sobre a existência de diversas perspectivas no assunto,
- Mecanismo útil para "mudar perspectivas",
- Regras para o jogo de pensamento,
- Concentração,
- Criação de mais pensamentos criativos,
- Melhor tomada de decisões.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 3 de julho de 2016

Chantagem Emocional – como reconhecê-la e lidar com ela?


Viver em sintonia com os nossos desejos e com a nossa verdade é algo que todos nós almejamos e que nos permite viver em satisfação e harmonia. No entanto, este exercício vital da liberdade individual nem sempre é fácil, sobretudo quando as nossas escolhas não vão ao encontro daquilo que os outros pretendem.
Quando o amor é libertador, existe o respeito e a aceitação pelas decisões do outro em prol da sua satisfação e realização pessoal, mesmo que essas escolhas não se coadunem com os interesses da própria pessoa. Mas nem sempre isto acontece, prevalecendo ao invés a tentativa egoísta de pressionar e obrigar o outro a abdicar da sua vontade em prol das necessidades e interesses do próprio.
A esta forma de manipulação psicológica através da qual uma pessoa tem por objetivo levar a outra a satisfazer os seus desejos, através da indução de sentimentos de culpa, ameaça ou remorso chamamos chantagem emocional e pode ocorrer em vários contextos relacionais tais como os conjugais, familiares, sociais e profissionais.
As estratégias mais utilizadas para manipular os sentimentos do outro e levá-lo a agir em oposição às próprias convições são as seguintes:
 - A auto-punição, caracterizada pela ameaça de um comportamento auto-destrutivo. Exemplo: “Se me deixares, não quero continuar a viver”
- A punição, que recorre à utilização de ameaças de retaliação em relação ao outro. Exemplo: “Se fizeres isso, vou-me embora” ; “Se não fizeres isso por mim nunca mais falo contigo”
- A vitimização, que faz uso da dor e da angústia para manipular o outro. Exemplo: ” Se saíres com os teus amigos vou ficar triste e sozinha”
            - A culpa, cujo objetivo é responsabilizar o outro pelo próprio comportamento. Exemplo: “Se eu sou agressivo é porque me provocas”
            Em qualquer dos tipo de chantagem emocional, a indução da culpa no outro, constitui-se como o núcleo principal e a mensagem latente é a seguinte: “Se não fizeres o que eu quero vais sofrer muito”. O registo utilizado é muitas vezes o apelativo e o teatral, que rapidamente se desvanece assim que as necessidades ficam satisfeitas.
A manipulação é frequentemente oriunda de pessoas inseguras, autocentradas e com pouca capacidade para conseguirem a empatia dos outros, que recorrem priviligiadamente a estas estratégias para obterem o que desejam, sem levarem em consideração as necessidades dos outros, assim como o sofrimento que lhes induzem. 
As pessoas manipuladas são frequentemente vulneráveis e propensas a desenvolverem sentimentos de culpa, medo e de obrigação bem como a evitar situações de conflito, acabando por ceder, sobretudo quando os laços afetivos são maiores como na relação entre casais ou pais e filhos. No entanto, essa não é a melhor maneira de lidar com a situação, na medida que reforça o comportamento manipulador e a sua repetição.
Romper com o padrão de chantagem emocional não é fácil e pode induzir sofrimento para ambas as partes, mas é essencial para que a pessoa manipulada possa restaurar a sua liberdade individual e para que o sujeito manipulador possa desenvolver novos comportamentos mais saudáveis na relação com os outros.
 Importa não ceder ao jogo da culpa, fazer uso da razão e ser firme na recusa.
A assertividade também transmite uma imagem mais segura e menos vulnerável, inibindo a ação da pessoa manipuladora.
Em casos mais graves, em que a pessoa se tornou refém emocional da outra, passando a viver numa situação de exploração emocional e de acordo com os interesses daquela, em desrespeito pelos próprios, poderá ser aconselhável a procura de ajuda psicológica especializada.
Trabalhar a inteligência emocional, promover a auto-estima, aumentar a conscencialização dos direitos e deveres e reforçar os limites pessoais são fatores protetores que capacitam a pessoa para lidar com estas situações de modo mais ajustado.