quarta-feira, 25 de maio de 2016

A importância da perspectiva do paciente

"Listen to your patients; let them teach you. To grow wise you must remain a student."
(Escuta os teus pacientes; deixa-os ensinarem-te. Para cresceres em sabedoria deves permanecer aluno.)
John Whitehorn
(citado por Irvin Yalom em Momma And The Meaning Of Life: Tales of Psychotherapy)

É relativamente comum ouvir, em desabafos dos pacientes relativamente às suas próprias vivências, frases semelhantes a “A Ana Luísa saberá melhor do que eu...”. Mas não sei!
Como referi na minha apresentação na ClaraMente, o processo psicoterapêutico, para mim, começa como que uma dança em que procuro escutar a melodia do outro, descobrindo-lhe os tons e aceitando os seus próprios ritmos. É o outro quem, muito melhor do que eu, conhece os seus tempos, os seus movimentos, as suas lesões. É o outro quem traz para esta nossa dança a música, a história do bailado, os improvisos, ou o receio de os arriscar...
Nichols (1995) referiu que escutar é “a arte pela qual usamos a empatia para alcançar o espaço que existe entre nós [terapeuta e paciente]... Uma escuta genuína implica suspender memória, desejo e julgamento, e, pelo menos durante uns momentos, existir para a outra pessoa.”.
Tenho passado os últimos quase quinze anos a estudar e a aprender acerca das pessoas, dos pacientes. Uma aprendizagem enriquecedora, estimulante, dinâmica, prazerosa, e essencial à minha profissão. Ainda assim, a aprendizagem maior começou há quase dez anos, quando, finalmente, comecei a aprender com os pacientes, com as pessoas com quem tenho tido o privilégio de trabalhar e de acompanhar o crescimento. Têm sido estas pessoas quem mais me tem ensinado acerca delas e a ser melhor terapeuta. Acredito que é o outro, o paciente, quem nos pode também ensinar a fazer melhor terapia.
Se cerca de 30% da variância do resultado da psicoterapia é atribuída ao paciente (40% é inexplicável e os restantes 30% são atribuídos aos factores combinados (Norcross & Lambert (2011)), quem melhor que o próprio paciente para nos ajudar a compreender o que realmente permite a mudança, o crescimento, em psicoterapia?
A investigação em psicoterapia tem evoluído ao longo dos tempos, tendo-se passado, numa fase primordial, de uma investigação que parece ter surgido da curiosidade dos terapeutas compreenderam o que se passava em sessão, passando pelo estudo dos resultados obtidos em terapia. Tendo-se comprovado a eficácia da psicoterapia, o foco foi virado para a identificação de qual o melhor tratamento para cada problemática. Contudo, chegou-se a uma supreendente conclusão, conhecida no mundo científico como o veredicto do pássaro Dodo (de Alice no País das Maravilhas): “Todos ganham, e todos merecem prémios” – o que significava que os resultados de diferentes abordagens psicoterapêuticas revelaram-se semelhantes em populações clínicas. Ou seja, o modelo terapêutico parecia não ser tão relevante quanto isso.
Um novo passo na investigação em psicoterapia levou a que dicotomização entre investigação de processo (a compreensão daquilo que acontece na sessão sem compreender o seu impacto) e investigação de resultado (medir os efeitos da psicoterapia sem saber o que aconteceu durante as sessões) desse lugar a uma nova perspectiva: a Change Process Research (cuja tradução literal pode ser Investigação do Processo de Mudança), definida por Robert Elliot (2010) como o “estudo dos processos pelos quais a mudança acontece em psicoterapia, incluindo os processos facilitadores de mudança que acontecem em terapia, e a sequência das mudanças do paciente (que mudanças ocorrem primeiro e levam a que mudanças subsequentes do paciente)”. Compreendeu-se que importa considerar a experiência do paciente em terapia: as suas sensações, percepções, pensamentos e sentimentos durante e relativos às sessões de psicoterapia (Elliott & James, 1989). Até porque estas experiências permitem a definição de princípios orientadores da prática psicoterapêutica, permitindo aos terapeutas aprender efectivamente a partir das experiências dos pacientes (Levitt, Butler, & Hill, 2006).
Uma abordagem personalizada em saúde mental está, felizmente, a ser cada vez mais reconhecida, procurando considerar a singularidade dos pacientes: as suas necessidades específicas e as suas opiniões sobre o processo de tratamento (Sales & Alves, 2012). Nesse sentido, e seguindo o ensinamento do Professor John Whitehorn, espero manter a humildade de reconhecer a sabedoria de cada pessoa acerca de si mesma e do seu processo... até porque ignorar a perspectiva do paciente acerca do seu próprio processo seria obviamente um erro.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.



Referências:
. Elliott, R., & James, E. (1989). Varieties of client experience in psychotherapy: An analysis of the literature. Clinical Psychology Review, 9, 444.
. Elliott, R. (2010). Psychotherapy Change Process Research: Realizing the promise. Psychotherapy Research , pp. 123-135.
. Levitt, H., Butler, M., & Hill, T. (2006). What Clients find Helpful in Psychotherapy: Developing Principles for Facilitating Moment-to-Moment Change. Journal of Counseling Psychology , pp. 314-324.
. Nichols, M.P. (1995). The lost art of listening. New York: Guilford Press.
. Norcross, J. C., & Lambert, M. J. (2011). Evidence-based therapy relationships. In J. C Norcross, (Ed.), Psychotherapy relationships that work: Evidence-based responsiveness (pp. 3–24). New York, NY: Oxford University Press.

. Sales, C., & Alves, P. (2012). Individualized Patient-Progress Systems: Why We Need to Move Towards a Personalized Evaluation of Psychological Treatments. Canadian Psychology / Psychologie Canadienne , pp. 115-121.

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