Desde o dia em que nascemos
começamos a envelhecer. Há, porém, etapas marcadas por datas, que são apenas
referentes sociais, mas que condicionam a vida de cada um de nós. Um desses
referentes é chegar aos 65 anos e atingir a “terceira idade”, e um outro é
quando se deixa de trabalhar e se entra na condição de reformado.
O processo de envelhecimento é um
processo individual, que cumpre o seu próprio ritmo, de acordo com a herança
genética recebida, com as condições ambientais em que este se desenvolveu e com
todas as experiências ao longo da vida. Esta fase é propícia ao
aparecimento de questões existenciais, sobre a importância da vida que se teve,
o valor das coisas que se fizeram. No momento em que se olha para trás, por
vezes com um olhar mais triste, é também importante encontrar-se satisfação no
presente. Esta pode ser uma fase em que se perdem amigos, onde as questões de
saúde podem ser uma grande preocupação e o bem-estar ter um outro valor.
Envelhecer bem é envelhecer de
forma activa e satisfatoriamente, com capacidade para praticar estilos de vida e
formas de comportamentos para melhor desfrutar do bem-estar durante o máximo de
tempo possível. Para se envelhecer bem, cada pessoa tem de tomar a decisão de
intervir no seu processo de envelhecimento. Envelhecer com êxito depende da
sociedade, dos seus sistemas de saúde e de protecção, e do próprio indivíduo,
sendo que este é agente do seu desenvolvimento pessoal e, em certa medida, da
sua saúde, da sua participação e da sua segurança.
O Envelhecimento Activo, segundo a Organização Mundial da Saúde, “é
um processo de optimização das oportunidades para a saúde, a participação e a
segurança, com o objectivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as
pessoas envelhecem”. Para promover o envelhecimento
activo há factores essenciais que é preciso privilegiar. É imprescindível cuidar
do corpo e do funcionamento cognitivo, pois estes ajudarão a optimizar as
capacidades físicas e psicológicas e a compensar algumas lacunas, se for esse o
caso, melhorar as relações familiares e sociais, ganhar uma maior participação
social e, por último, enfrentar situações difíceis sabendo lidar com estas
adequadamente. São estes os ingredientes fundamentais do envelhecimento activo:
a saúde, o funcionamento intelectual e o compromisso com a vida.
Comprometermo-nos com a vida implica
o sentimento de que somos necessários, de que aquilo que realizamos tem sentido
e é útil para os outros com quem convivemos, o que incentiva as actividades fora
de casa, sentirmo-nos menos sós, sermos independentes da família, termos uma
boa rede social e preocuparmo-nos com os outros.
Mas surge aqui uma grande
questão. Como se pode envelhecer de forma activa numa instituição?
E é aqui que entra o conceito de Humanitude, que se caracteriza por ser
um cuidar centrado na pessoa cuidada (interesses, gostos, características
pessoais) e na relação entre essa pessoa e o cuidador. Nesta metodologia,
existem técnicas relacionais, assentes em pilares relacionais. E tem como
objectivos desenvolver a co-responsabilização do cuidador e da pessoa cuidada,
promovendo a participação da pessoa cuidada nos cuidados e decisões, segundo as
suas capacidades físicas e cognitivas, indo ao encontro do envelhecimento
activo.
Sendo assim, talvez pudéssemos
ter um envelhecimento realmente activo nos lares e nos centros de dia. Por que
não então tentar fomentar mais estas práticas que apenas visam a qualidade dos
cuidados e o bem estar de quem é cuidado? Não será importante criarmos um maior
debate na sociedade para conseguirmos novas políticas e novas práticas no cuidar,
para se ir ao encontro de um novo paradigma, realmente humanista? Pode-se envelhecer de forma
activa em casa com a família, em casa sozinho, num lar... Vamos permitir e
apoiar os nossos idosos a envelhecerem de forma tranquila.
“A Laura morreu, pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de
roupa e um álbum de fotografias. Foi o que fizeram. Depois, nessa mesma tarde,
levaram o álbum porque achavam que ia servir apenas para que eu cultivasse a
dor de perder a minha mulher. Depois, ainda nessa mesma tarde, trouxeram uma
imagem da nossa senhora de Fátima e disseram que, com o tempo, eu haveria de
ganhar um credo religioso, aprenderia a rezar e salvaria assim a minha alma. E
um médico respondeu, a verdade é que ficam mais calmos. Achei que era esperado
de mim um desespero motor. Digo motor para dizer de acção. Algo como partir
coisas, revirar os móveis, agredir fisicamente os funcionários, os enfermeiros
que me poderiam prender. O quarto pequeno é todo ele uma cela, a janela não
abre e, se o vidro se partir, as grades de ferro antigas seguram as pessoas do
lado de dentro do edifício. Pus-me a olhar para o chão, com ar de entregue. Estou
entregue, pensei. Aos meus pés os dois sacos de roupa e uma enfermeira dizendo
coisas simples, convencida de que a idade mental de um idoso é, de facto, igual
à de uma criança. O choque de ser assim tratado é tremendo e, numa primeira
fase, fica-se sem reacção. Se aquela enfermeira pudesse acabar com aquele
sorriso, ao menos acabar com aquele sorriso, seria mais fácil para mim entender
que os meus sentimentos valiam algo e que sofrer pela Laura não vinha de uma
lonjura alienígena, não era uma estupidez e, menos ainda, vinha de um crime
pela clausura e tudo. E ela sorria e eu poderia desejar-lhe, com tanto
desprezo, o pior mal do mundo. Que lhe arrancassem os braços e as pernas,
pensava eu, tirem-lhe os olhos e façam-na perder a voz e chamem-lhe cabra
porque é o que ela merece. Senhor Silva, com esta mantinha vai ficar quentinho
à noite, ainda aqui vai ter muitos sonhos bonitos, vai ver.”
(in A máquina de
fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe)
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Sem comentários:
Enviar um comentário