domingo, 30 de outubro de 2016

O Cancro da Mama e a Influência dos Factores Psicológicos



                  O Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama celebrou-se ontem a 30 de Outubro, visando-se neste dia um apelo à mudança de comportamentos perante a doença e a divulgação de informação sobre o tratamento, o rastreio, o diagnóstico e a prevenção do cancro da mama.
                O diagnóstico de cancro da mama é um dos mais receados pelas mulheres, por ser uma doença estigmatizante, potencialmente mortal e, habitualmente, com consequências ao nível do seu funcionamento biológico, psicológico e social.
                Sendo a mama um símbolo da sexualidade e feminilidade, a perda deste órgão pode comprometer diretamente a auto-estima e auto-imagem da mulher, reativando sentimentos de desvalorização e inferioridade que podem comprometer os relacionamentos sociais e particularmente, a relação conjugal e a sexualidade.
                A mama, para além de estar ligada à estética feminina, exerce uma função fisiológica de amamentação, sendo um símbolo de maternidade. Perder esta parte do corpo, representa, simbolicamente uma diminuição destas capacidades maternas e um comprometimento na imagem sexuada, uma vez que a mama é também das partes do corpo mais associadas ao prazer na relação sexual.
                Apesar de toda a evolução da medicina, o momento do diagnóstico é ainda sentido como uma sentença de morte, dando lugar a angústia e sofrimento, bem como a sentimentos de incerteza e ansiedade quanto ao futuro e a pensamentos recorrentes sobre a morte, o que também é vivido por parte da família que acompanha este processo.
                Os impactos emocionais mais comuns após o diagnóstico são a sensação de perda do controle sobre a vida, mudanças na auto-imagem, medo da dependência, do abandono, do isolamento e da morte, sendo as comorbidades mais frequentes a ansiedade e depressão.
                Vários estudos referem que a forma da mulher se posicionar e lidar com a doença, do ponto de vista emocional, é de extrema importância para o sucesso do tratamento. As perturbações emocionais prejudicam o bom funcionamento do sistema imunológico causando alterações bioquímicas, pelo que as pessoas mais combativas e que adotam uma atitude positiva, têm maior esperança de vida do que as que reagem com uma perceção de baixa auto-eficácia e sentimentos de desesperança. O peso emocional de uma doença varia de pessoa para pessoa e é influenciado por vários fatores tais como as vivências passadas, a personalidade, o grupo de familiares e amigos.
                O acompanhamento psicológico nestes casos é de extrema importância para a adaptação emocional e funcional inerente a todo este processo, promovendo ainda a participação mais ativa e positiva da mulher durante o tratamento e a sua qualidade de vida.
                Mas para além dos profissionais que podem ajudar, é muito importante o suporte social e familiar. A perceção por parte da mulher da disponibilidade daqueles que lhe são chegados e o sentir que não está sozinha nesta luta, é sem dúvida determinante para a promoção do seu bem-estar emocional. 

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Necessidades, amor, ideal romântico... e infidelidade

A ideia de um mesmo par romântico para a vida, de que as relações se desenrolam com um período inicial de namoro, com um nível crescente de compromisso, casamento, filhos, até que um dia um dos elementos do casal morre, já não é a única a ser considerada. Ainda assim, continua a ser assustadoramente comum que qualquer desvio a esta sequência seja, para muitos, sinónimo de fracasso. Se a pessoa por quem nos apaixonámos há 30 anos atrás (há 10, há 5, há 2...) não é aquela com quem estamos neste momento é porque, muitos dirão, alguma coisa correu mal, não soubemos fazer as coisas como deve ser. Vimos já anteriormente que a existência de uma alma gémea é mais do que questionável, e que dificilmente encontraremos alguém que seja completamente compatível connosco. Para além disso, e mesmo podendo fantasiar com essa ideia, somos pessoas, seres mutáveis, em permanente mudança. Numa relação, não crescemos necessariamente ao mesmo ritmo, e nem sempre na mesma direcção. O que queremos hoje pode ser bastante diferente do que queríamos há 30 (10, 5, 2...) anos atrás... e será, quase certamente, diferente daquilo que vamos querer daqui a 2 (5, 10, 30...) anos.
Não fosse isso suficiente para algumas desilusões, crescemos ainda com o ideal romântico de que uma mesma pessoa vai dar resposta à nossa lista infindável de necessidades, e, nela, entre outras qualidades, encontraremos o melhor amante, o melhor amigo, o melhor pai, o fiel confidente, o companheiro emocional, o par intelectual... Mas, mesmo quando racionalmente até podemos perceber que é algo bastante improvável, porque o mantemos?!? Em parte, porque ao sermos nós próprios essa pessoa para o outro, temos a ilusão de que somos únicos, indispensáveis, insubstituíveis, “O/A tal”. Contudo, uma ameaça à relação parece dizer-nos que não! E a sensação de segurança e pertença antes sentida é dolorosamente abalada.
Quando essa ameaça envolve a existência de uma terceira pessoa, aos olhos de muitos de nós isso representa talvez o maior desrespeito pela relação, a traição do amor que a outra pessoa sente... Talvez poucos de nós nos detenhamos a pensar que, numa relação, a traição pode surgir de muitas outras formas: Quando desprezamos o outro, não estaremos também a trair? Negligenciarmos a relação ou o outro não será, também, traição? A indiferença, a violência, a falta de empenho ou envolvimento, não são também elas desrespeitadoras do sentimento que o outro tem por nós?
Numa época em que as pessoas já não se divorciam apenas por estarem infelizes, mas porque sentem que podem ser mais felizes, os estudos mostram-nos que o número de divórcios representa 50% do dos casamentos, e que a percentagem de relacionamentos que experiencia alguma forma de infidelidade pode chegar aos 75% (a definição de infidelidade não é consensual, havendo uma grande variação de valores). Isto parece mostrar que mais do que não amarem o seu companheiro, mais do que estarem infelizes, as pessoas sentem não estar a ter o que querem e precisam nas suas relações.

Esther Perel, psicoterapeuta que se tem dedicado a estudar as relações humanas, nomeadamente a tensão entre as necessidades de segurança (amor, pertença, proximidade) e as necessidades de liberdade (aventura, desejo e distância), refere que o desejo que está presente nos casos extraconjugais é diferente daquele que habitualmente se pensa: mais do que de sexo, trata-se do desejo de atenção, desejo de nos sentirmos especiais, desejo de nos sentirmos importantes. Isto leva Perel a alertar que a traição sexual é apenas uma das formas de magoar um companheiro, e que a vítima de um caso extraconjugal nem sempre é a vítima de uma relação.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Comportamentos Aditivos

Um Comportamento Aditivo pode ser uma actividade, objecto, substância ou comportamento que se tornou no centro principal da nossa vida e que desta forma nos exclui de outras actividades ou nos prejudica física, mental ou socialmente.

As adições surgem quando fazemos algo (ingerimos uma substância ou nos envolvemos numa actividade) que inicialmente nos dá prazer e satisfação, e progressivamente nos vai afastar de outras actividades e pessoas. Ao tornar-se algo compulsivo, vai interferir com a nossa vida, com o nosso dia-a-dia, tornando-se prejudicial. Existem diferentes tipos de adições, tais como as adições às drogas, ao jogo, ao álcool, ao tabaco, ao trabalho, ao sexo, à internet, ao exercício físico ou às compras.

Embora com aparência muito diferente, as dependências físicas de vários produtos químicos, como álcool ou drogas, e a dependência psicológica de actividades como jogo compulsivo, sexo, trabalho, exercício físico ou compras são igualmente perturbadoras para quem delas sofre. No caso de algumas adições, tais como o álcool, drogas ou tabaco, podem existir efeitos físicos e psicológicos muito graves. Além disso, o consumo excessivo destas substâncias são factores de risco importantes para uma ampla variedade de problemas sociais, económicos e jurídicos, como também criam dificuldades nas relações interpessoais (trabalho ou estudo com baixo rendimento, problemas com amigos, familiares e colegas de trabalho).

Sempre que não temos ou fazemos aquilo em que estamos adictos, sentimo-nos em baixo e com sensações muito desagradáveis. Os sintomas de abstinência podem incluir irritabilidade, ansiedade, agitação ou perda de controlo, e a nossa tendência é procurar diminuir esses sintomas e, assim, continuar a fazer ou a consumir, permitindo que esse ciclo continue. Torna-se cada vez mais difícil parar e podemos chegar a uma situação descontrolada. No entanto, é frequente não nos apercebermos que o nosso comportamento está fora de controlo e que nos causa problemas a nós e aos outros.

Nem sempre é fácil conseguirmos identificar uma adição visto esses comportamentos poderem ser confundidos com hábitos. No entanto, quando um comportamento se torna numa adição cria problemas no quotidiano e vão surgindo sinais de que algo não está bem. Alguns desses sinais podem ser: esconder esses comportamentos aditivos, negar que se está com um problema de adição, não ser capaz de controlar esses comportamentos, estar centrado na adição e falhar quando tenta acabar com ela. Por isso, a necessidade de se estar atento aos comportamentos aditivos pode permitir uma deteção precoce do problema e procurar ajuda rapidamente, para evitar que se desenvolvam problemas mais graves de dependência.

As adições não se resolvem apenas com força de vontade. Estão muitas vezes associadas aos comportamentos aditivos uma baixa auto-estima, depressão, insatisfação com a vida, ansiedade e insegurança, que é essencial ter em conta e tratar.

Se consideramos poder estar (ou um membro da nossa família ou um amigo) adicto a uma substância, actividade, objecto ou comportamento, é essencial procurarmos ajuda. 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 23 de outubro de 2016

O Bullying e o papel dos Pais na sua prevenção e combate


No passado dia 20 de Outubro, assinalou-se o  Dia Mundial de Combate ao Bullying que se constitui como um alerta internacional para esta problemática com que muitos jovens vivem e sofrem em silêncio. Segundo a UNICEF, uma em cada três crianças do mundo, entre os 13 e os 15 anos, é vítima de bullying na escola regularmente.
O bullying é uma designação utilizada para descrever atos de violência física ou psicológica intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos, dentro de uma relação desigual de poder. Este é um problema que afeta milhões de estudantes em todo o mundo e prejudica todos os envolvidos: quem é perseguido ou intimidado, quem intimida e quem presencia as situações de assédio e muitas vezes não sabe o que fazer.
O bullying pode afetar a saúde física, emocional e social das crianças vítimas de agressão e ter consequências graves, tais como depressões e, em última análise, suicídio. 
A família é uma das estruturas mais importantes na prevenção e no combate à violência praticada contra crianças e jovens, mas muitas vezes é a última a saber. O medo, a vergonha e a culpa são muitas vezes os principais motivos do silêncio da criança ou do jovem vítima de agressão, pelo que é importante a família estar atenta aos sinais de alerta tais como:
·    Perda ou deterioração frequente dos pertences escolares ou pessoais, como óculos, cadernos, mochilas;
·         Hematomas, arranhões, cortes ou roupas rasgadas sem explicação convincente;
·          Medo de ir sozinho ou não querer ir à escola;
·          Baixo rendimento escolar;
·         Querer ser acompanhado na saída ou na entrada da escola;
·         Pesadelos, alterações no sono e/ou apetite;
·         Dores corporais, de cabeça, de estômago ou vómitos;
·         Tristeza, choro ou irritabilidade;
·         Isolamento e falta de vontade de sair e de se relacionar com colegas;
·         Mudanças de humor e instabilidade comportamental;
·         Pensamento suicida.

Alguns destes sinais, isoladamente, podem não caracterizar por si só o bullying. No entanto, quantos mais sinais forem apresentados, maior é a probabilidade da criança ou jovem estarem a ser vítima de agressão.
Nestes casos, muitas vezes é necessário que sejam os prestadores de cuidados a iniciar a conversa, perguntando tranquilamente o que aconteceu para motivar aquele comportamento ou aquele sinal físico. É importante escutar com atenção e empaticamente, obter o máximo de informação possível, assegurar à criança que a culpa não é dela e elogiá-la pela coragem em falar e que juntos irão resolver o problema.  Manter um diálogo aberto, encorajar os filhos a expressarem o que sentem, a dizerem “não” quando estão desconfortáveis e a não reagirem com violência, para não gerarem ainda mais violência, são aspectos fundamentais a serem transmitidos.
Apesar desta ser uma situação que reativa emoções muito fortes nos prestadores de cuidados, o controlo das emoções é fundamental de modo a serem analisados cuidadosamente os próximos passos a seguir.
O contacto dos prestadores de cuidados com a escola é fundamental, para informar e ser informado sobre as ocorrências, para conhecer as estratégias utilizadas em prol da resolução do problema, para acordar maneiras de acompanhar a criança ou adolescente e para formar uma rede de apoio.  
É possível atuar frente a este problema formando uma aliança entre escola e família, com o objetivo de cuidar, proteger e desenvolver ferramentas para prevenir e deter o assédio entre pares. Pais, mães, prestadores de cuidados e toda a equipa da escola têm a responsabilidade de se unir para fazer das escolas lugares livres de violência e de bullying.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Dar, receber... e a consciência dos Limites

Já deu por si a dizer que sim quando queria dizer não? Houve momentos em que os problemas de outras pessoas eram a prioridade para si?  Aconteceu-lhe pedir desculpa exageradamente, quase por tudo e por nada, e não dizer o que realmente estava a sentir ou a precisar? Ou até mesmo sofrer fisicamente, por haver tanto a requerer a sua atenção no exterior que se sente quase incapaz de escutar o seu interior e dar resposta a necessidades de auto cuidado como o sono, o exercício, fazer pausas...? Procura ir sempre ao encontro do outro e dar para receber? Não é o único...

Muitos de nós vamos crescendo com a crença de que temos que ser amáveis, gentis, simpáticos, prestáveis e agradáveis para quem nos rodeia (muitas vezes, com prejuízo para os nossos próprios sentimentos e necessidades) para que possamos ser merecedores do apreço e carinho dos outros. No entanto, a ideia de “dar para receber” não é verdadeira. Pelo menos, não de uma forma proporcional.

Lamento, mas arrisco, causar desilusões: não é verdade que “recebemos na medida em que damos”. E por que é que arrisco contar-vos esta verdade?!? Porque não tomarmos esta consciência leva-nos irremediavelmente a sentimentos de fracasso, frustração, e até mesmo zanga (para connosco e/ou para com os outros), e impede-nos de estabelecermos limites saudáveis nas nossas várias relações (pessoais e profissionais).

Até onde é que se pode ir? Até onde é que permito que o meu trabalho interfira na minha vida pessoal? Quanto do outro é que posso aceitar em detrimento de mim? Até onde é que deixo que opinem sobre as minhas decisões? Quanto de mim quero que outros conheçam?

A resposta a estas questões implica um certo nível de auto-conhecimento. Contudo, se, por um lado, para respondermos precisamos conhecer-nos, por outro, questionarmo-nos acerca dos nossos limites poderá também ajudar-nos a conhecermo-nos melhor .

Aquilo que consideramos aceitável de uma forma geral não tem necessariamente que corresponder àquilo que consideramos aceitável nas nossas relações. Esses são os nossos limites. Conhecê-los é apenas o primeiro passo. Importa também aceitá-los e defendê-los.

Quando os nossos limites são ultrapassados é frequente a primeira emoção a ser sentida ser a raiva, que é aquela que nos protege em situações de perigo percebido, aumentando o nosso batimento cardíaco e a pressão sanguínea para que possamos dar resposta à reacção mais adequada: lutar, fugir ou parar (em inglês: fight, flight, freeze). É também habitual sentir-se medo e ansiedade. Assim, parece fácil estarmos atentos aos nossos limites e não deixarmos que eles sejam ultrapassados... a raiva, o medo e a ansiedade avisam-nos. O problema, como já vimos antes, é que emoções como o medo e a raiva são algo para o qual temos uma incrível tendência de evitamento. Se não nos permitirmos sentir todas as nossas emoções (neste caso, principalmente medo e raiva) com amabilidade, gentileza, aceitação, não poderemos criar limites saudáveis porque simplesmente não nos permitimos a conhecê-los, o que poderá causar danos significativos em nós mesmos e nos outros, através das nossas palavras e comportamentos.

Se não nos permitirmos a sentir raiva, como é que vamos detectar e recusar abusos? Se não nos permitirmos a sentir medo, como nos podemos perceber e proteger do perigo? Como referi no artigo acerca da aceitação das nossas emoções, os sentimentos aos quais não demos ainda atenção não vão, nem conseguem ir, embora. São como conhecidos ou familiares que não queremos convidar para as nossas festas mas que se demoram, se deixam ficar, e se vão alimentando da energia dos restantes convidados. Assim, talvez importa recebê-los com alguma amabilidade e perguntar-lhes gentilmente o que pretendem, do que necessitam: “Raiva, eu agradeço que estejas a mostrar-me que os meus limites foram ultrapassados e estão a cuidar de mim. Do que me queres proteger, Medo?”. Para conhecermos os nossos limites, sabermos onde estão, importa então reconhecer as necessidades ligadas a esses sentimentos, escutar a necessidade que os nossos sentimentos estão a reclamar que seja respondida. 

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Como querer que fique tudo sempre bem se nada é estático?

Quantas vezes ouvimos que vai ser depois da faculdade? Ou depois do divórcio, ou do filho ter crescido? Quantas vezes ouvimos que vai ser depois de mudar de emprego ou de casa? E quantas vezes a felicidade vai sendo adiada, porque “depois é que vai ser?” Mas... depois, vai ser mesmo o quê?

Por vezes o nosso grande desejo de atingirmos a dita felicidade, faz-nos quase aguardar por ela como se depois, no momento em que ela chegasse, tudo ficasse para sempre bem. Mas se por um lado, a espera desse futuro poderá não nos permitir viver o presente da melhor forma, por outro, é quase como se essa felicidade ao chegar fosse para ficar. E ficará?

A vida pode ser muita coisa, mas estática ela não é. Estamos numa mudança contínua e constante, não aceitar isso, poderá provocar angústias, decepções e desilusões repetidamente, para além de nos poder fazer criar padrões comportamentais não adaptativos, ao tentarmos forçar essa estaticidade. Aceitar esta realidade, permite-nos viver o aqui e agora com mais tranquilidade, e desfrutar do que vivemos no nosso dia-a-dia.

A mudança gera incerteza, não podemos saber exactamente o que vem a seguir e isso naturalmente causa-nos receio. Contudo, é essencial que esse receio não seja bloqueador. Por mais que queiramos controlar o que nos rodeia, prever todas as consequências de uma e outra decisão, não valerá de muito, visto irem existir com certeza muitas situações que vão acontecer de forma imprevisível, sem que tenhamos capacidade para as prever e / ou alterar. E, por isso, é importante aprender a aceitar que tudo o que nos vai acontecendo faz parte da nossa história e da nossa vida, e que viver o dia-a-dia com o que a vida nos dá, ao mesmo tempo que vamos fechando capítulos ou histórias que vão terminando, permite-nos estar livres para receber o que chega até nós.

Viver é estarmos em mudança e renovação. Somos o resultado de todas as vivências, reflexões, partilhas, sensações, tudo o que fomos vivendo até ao presente. Mas como em cada momento vamos integrando novas informações de tudo que nos rodeia, esse resultado está sempre a modificar-se, nessa evolução da nossa pessoa, nesse processo contínuo e constante.

Quando vivemos de forma mais aceitante com o que a vida nos traz, também podemos conseguir aceder ao meu “Eu” mais genuíno, e perceber o que nos faz mais felizes no momento. E isso pode ser o avançar, mas também pode ser o querer amadurecer ideias para avançar mais tarde. Ou seja, não é a minha decisão de avançar ou não, que é o mais relevante; mas sim o que me leva a isso. E assim, ao estarmos conscientes do que nos leva a avançar ou a ficar, vivemos com satisfação por estarmos a fazer, no momento, o que realmente nos faz sentido. Fará realmente sentido aguardarmos pela tal dita felicidade que chegará daqui a algum tempo? Não poderá fazer mais sentido procurá-la também no agora?

Ao longo da vida vamos passando por momentos muito bons, mas porque nada dura para sempre, vamos também, perdendo coisas boas e pessoas importantes, e aí, nesses momentos de perda, naturalmente sentimo-nos tristes, zangados, perdidos... Mas, como nada dura para sempre, nem as coisas boas, nem as más, outras coisas boas virão de seguida, e novos caminhos irão aparecendo. E de forma cíclica, esses altos e baixos vão surgindo e vão acontecendo. A isto se chama Viver.

“Lei é da Natureza
Mudar-se desta sorte o tempo leve:
Suceder à beleza
Da Primavera, o fruto; à calma, a neve;
E tornar outra vez, por certo fio,
Outono, Inverno, Primavera, Estio”. – Luís Vaz de Camões, em Ode.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 16 de outubro de 2016

Resolução de Conflitos - do risco da rutura à oportunidade de evolução

Na próxima 5ª feira, dia 20 de Outubro, comemora-se o Dia Mundial de Resolução de Conflitos. A data foi criada em 2005 pela Association For Conflict Resolution e assinala-se anualmente na terceira quinta-feira de Outubro.
O objetivo desta data é apelar aos cidadãos para recorrer à mediação, arbitragem, conciliação e a outros meios para a resolução de conflitos de forma concertada. Pretende igualmente promover o uso de meios de resolução de conflitos nas escolas, famílias, empresas, comunidades e entidades governamentais, sublinhando as vantagens da resolução pacífica de conflitos.
Um conflito representa uma situação de crise que pode ser vivenciada pelo próprio, perante motivações internas incompatíveis (conflito intrapessoal) ou pode ser experienciada no contexto das relações interpessoais. Neste casos, os conflitos podem surgir da incompatibilidade entre duas ou mais pessoas no que concerne a valores, ideias, sentimentos, objetivos, formas de agir e opiniões.
Todas as relações interpessoais implicam o envolvimento de pessoas distintas e únicas, pelo que é natural que possam ocorrer situações de “desentendimentos” que levem a conflitos. Quando são bem resolvidos, os conflitos representam uma oportunidade de evolução na relação, fortalecendo-a. No entanto, quando não se acede à sua resolução, os conflitos representam um perigo para a deterioração da relação, podendo fazer com que as pessoas envolvidas se sintam incompreendidas, zangadas, contrariadas ou magoadas.
Sendo assim, e sabendo que não podemos evitar os conflitos, torna-se importante compreendê-los de forma a recorrer às estratégias mais adequadas para os resolver da melhor maneira.
Através da negociação, procura-se dialogar e chegar a um acordo com a parte envolvida no conflito.
A mediação visa analisar os interesses comuns entre as partes, estudar alternativas de solução e estimular possíveis soluções.
Na conciliação procura-se convencer as partes a alcançarem um acordo que, mesmo não sendo totalmente satisfatório, poderá limitar o conflito e minimizar perdas.
Mas independentemente da estratégia utilizada, é sempre importante a criação de um clima emocional de aceitação, respeito e recetividade, em que a escuta ativa está presente.
Após identificado claramente o problema, é fundamental assegurar que as ideias essenciais são expostas, sem criticar nem culpabilizar o outro. Pedir a devolução do que foi dito para se certificar que foi bem compreendido, propor e ouvir propostas de soluções e tentar chegar a uma solução que agrade às partes envolvidas, são aspetos fundamentais.
Quando gerido de forma eficaz, o conflito pode ajudar a identificar problemas importantes que necessitam de resolução; a fortalecer a relação e a libertá-la de mal-entendidos e ressentimentos;  a desbloquear emoções; a promover o conhecimento do outro e o auto-conhecimento e a criar oportunidades de aprendizagem e enriquecimento (em termos pessoais e culturais).


sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Saúde Mental e(m) Crise... Os Primeiros Socorros Psicológicos

Segunda-feira, dia 10 de Outubro, celebrou-se uma vez mais o Dia Mundial da Saúde Mental, pela primeira vez dedicado aos Primeiros Socorros Psicológicos. Na mesma semana, António Guterres, antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, é designado Secretário Geral da ONU, reforçando a necessidade e urgência na protecção e apoio à população refugiada. Em menos de um mês, completa-se um ano sobre os atentados terroristas em Paris.
Há uns meses falei aqui acerca de quando coisas terríveis acontecem... Todos nós, todas as comunidades, estamos sujeitos a momentos de crise, a eventos potencialmente traumáticos. As consequências são bem conhecidas, e passam pelo aparecimento ou acentuado agravamento de perturbações do humor e ansiedade, abuso de substâncias, sofrimento psicológico generalizado, necessidades sociais e desigualdades no funcionamento social.
Num momento em que mais de 65 milhões de pessoas  em todo o mundo estão deslocadas devido a conflitos e/ou perseguições ( quase 7 vezes mais do que a população de Portugal; 1 em cada 113 pessoas no mundo; a cada minuto, 24 pessoas recebem o estatuto de deslocadas ou refugiadas), em que mesmo os países “seguros” se revelam tão inesperadamente vulneráveis (seja por atentados terroristas, catástrofes naturais, ou simples acidentes), urge falar-se de saúde mental, importa perceber como, no imediato, se pode ajudar as pessoas a prevenir o agravamento do seu estado emocional, permitindo-lhes vivenciar e superar da forma mais adequada e saudável possível as maiores adversidades das suas vidas. Ainda que muitas pessoas lidem de uma forma adequada e adaptativa em situações de crise, outras sentem-se sobrecarregadas, confusas, receosas, tristes, zangadas, entorpecidas.
Os Primeiros Socorros Psicológicos correspondem a uma resposta humana, solidária e prática a pessoas expostas a diversos factores stressores e que possam necessitar de apoio, sendo uma abordagem que visa ajudar as pessoas a recuperarem dando resposta às suas necessidades básicas e demonstrando-lhes preocupação e cuidado, de uma forma que respeite as suas vontades, cultura, dignidade e capacidade. Os Primeiros Socorros Psicológicos envolvem a prestação não intrusiva e prática de cuidados e apoio; a avaliação das necessidades e preocupações das pessoas; o auxílio a pessoas em sofrimento a acederem a necessidades básicas (como água e comida); ouvir, sem pressionar, o que as pessoas têm para nos dizer; confortar as pessoas e ajudá-las a sentirem-se calmas; ajudar as pessoas a obter informações, serviços e apoio sociais; proteger as pessoas de danos adicionais.
Noções básicas de Primeiros Socorros Psicológicos, permitem que qualquer pessoa, perante um evento de crise potencialmente traumático, possa intervir junto de outros, prestando apoio a pessoas em intenso sofrimento psicológico e, muito importante, a saber o que não dizer.

Intervém-se com mulheres, com crianças (meninos e meninas), homens, jovens e idosos. Todos podem beneficiar de Primeiros Socorros Psicológicos, ainda que alguns possam precisar de ajuda mais especializada

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Gostar de alguém pela pessoa que gostaríamos que fosse...

Em todas as relações que vamos criando existem momentos de desentendimento, de conflito, de discussões, porque não vivemos nem expressamos o que sentimos da mesma maneira. É comum queixarmo-nos das dificuldades nas relações quando não nos sentimos compreendidos, aceites e por isso sentimo-nos decepcionados. Embora seja mais fácil, responsabilizarmos o outro como sendo o único a falhar, é mais eficaz descobrir quais os comportamentos que cada um de nós tem para que a relação tenha evoluído de uma forma insatisfatória.

Um aspecto fundamental a considerar nas dificuldades de relacionamento são as expectativas criadas no outro. Quando estamos numa relação, podemos criar imagens falsas das outras pessoas, podemos gostar de uma pessoa não pelo que a pessoa é, mas sim pelo que gostaríamos que essa pessoa fosse. E podemo-nos agarrar tanto a essa ideia, que durante algum tempo acreditamos que a pessoa se vai tornar no que gostaríamos, ou conseguimos ver a pessoa que gostaríamos naquela pessoa (normalmente até um certo momento).

Quando isso acontece, é como que se tivéssemos uma ideia clara sobre o que é suposto a pessoa fazer, dizer, agir e assim, criamos expectativas demasiado elevadas ou irreais, que facilmente levam a uma desvalorização do investimento que o outro faz, como também conduz a estados de frustração recorrentes.

Quanto mais conscientes estivermos sobre as nossas necessidades na relação, melhor conseguimos compreender as nossas atitudes e comportamentos, como também torna mais fácil partilhar de forma clara essas necessidades com a outra pessoa da relação. Porque numa relação saudável é essencial haver espaço que permita que ambas as pessoas sejam quem são de verdade, e sejam gostadas pelo que são.

Uma pessoa que procura alguém com determinadas características muito concretas, é como que se estivesse à procura de uma peça que encaixe no seu puzzle, mas não encontrará jamais a peça perfeita, simplesmente porque não existe! Cada um de nós é o conjunto de determinadas características que podem encaixar mais ou menos (ou nada) no conjunto de características das outras pessoas, facilitando ou dificultando a convivência. Mas esse encaixe por mais que pareça perfeito, nunca será sempre perfeito, vão surgir momentos em que se apercebe que existem diferenças que criam desentendimentos. E é aqui que o aceitar a outra pessoa pelo que é, é essencial. É preciso partilhar o que se sente, entender e querer entender, escutar e apoiar, ainda que não se esteja totalmente de acordo.

Mas então o que me pode levar a querer uma pessoa que encaixe em mim, desvalorizando as coisas boas que pode ter? Quais são as minhas necessidades em relação? O que procuro nas outras pessoas? Como me iria sentir ao sentir que uma pessoa estava comigo por acreditar que eu mudaria? Como posso aceitar as minhas necessidades e a dos outros na relação? Como posso aceitar que uma pessoa com quem estou possa ter coisas maravilhosas e coisas terríveis?

Muitas destas questões podem ser colocadas a nós próprios e a tentativa de encontrar respostas pode-nos ajudar a compreendermo-nos. 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 9 de outubro de 2016

Aos professores que ainda habitam no nosso interior...


No passado dia 5 de Outubro celebrou-se o dia do professor. A data foi criada pela UNESCO em 1994 com o objetivo de chamar atenção para o papel fundamental que os professores têm na sociedade e na formação de mentalidades.
A celebração desta data, remeteu-me inevitavelmente para as minhas recordações do tempo de escola e de alguns professores em particular, pela forma como marcaram a minha vida e habitam no meu interior.
A professora Mariana, foi a minha primeira professora que me acompanhou da 1ª até à 3ª classe (na altura era assim que se denominava). Recordo-me da forma carinhosa e amiga com que nos ensinava as letras e depois as palavras e mais tarde a ler os pequenos textos. Também não me esqueço do dia em que, por estar distraída e a falar em demasia com a minha colega de carteira, me mudou para uma mesa sozinha, o que me deixou muito aborrecida mas foi graças a esse “castigo” que conheci aquela que viria a ser uma das minhas grandes amigas até hoje. A Tânia tinha chegado a meio do ano letivo e quando entrou na sala com a funcionária, logo me prontifiquei a convidá-la para se sentar no lugar vago que estava ao meu lado e durante os vários anos que se seguiram aquele passou a ser o lugar da Tânia. Quando no final da 3º classe recebemos a notícia que a professora Mariana não nos iria acompanhar na 4ª classe, lembro-me que a tristeza foi enorme mas a professora Alzira revelou-se uma agradável surpresa. Sempre bem disposta, ensinou-me ainda a fazer alguns trabalhos de costura mas a habilidade com a agulha não era muita. Já o gosto e o entusiasmo pela aprendizagem eram enormes, também por causa destas duas mestres que marcaram o início do meu percurso escolar. Recordo-me que quando estava na casa da minha avó Ana, adorava encarnar o papel ora de professora ora de aluna, tendo como material os livros antigos da primária da minha mãe e passava horas intermináveis nestas aulas imaginárias.
Podia falar de outros tantos professores, que por diferentes razões, habitam no meu coração mas no essencial, com este pequeno testemunho, gostava de dar conta da tamanha importância das relações entre professor e aluno, não só no processo ensino-aprendizagem mas também na forma como enriquecem o nosso espólio afetivo e deixam marcas na nossa vida.
Ser professor não se constitui como uma tarefa simples, antes pelo contrário, requer amor, competência e dedicação. O professor não é simplesmente aquele que transmite conhecimentos aos seus alunos, mas em primeiro lugar, deverá ser aquele que desperta curiosidades, que desafia o pensar e que incrementa o desejo do saber na e pela relação. 
A relação entre professor e aluno depende, fundamentalmente, do clima emocional estabelecido pelo professor, da relação empática com seus alunos, da sua capacidade de ouvir, refletir e discutir ao nível da compreensão dos alunos e da criação das pontes entre o seu conhecimento e o deles. 
Sendo uma figura tão influente no desenvolvimento dos alunos, constitui-se como um modelo na forma como aborda valores e questões éticas, gere emoções, transmite respeito, cordialidade e amabilidade e estimula a autonomia do pensar.
A sua influência na formação da auto-estima dos alunos é de suma importância e  reflete-se na forma como reconhece a individualidade de cada um, identifica os êxitos, reforça a auto-confiança, incentiva o desenvolvimento do potencial individual e apoia a ultrapassar dificuldades. Esta contribuição para a formação pessoal do aluno é de um valor inestimável na preparação para a sua vida futura, não só no seu desempenho escolar como nas várias áreas da sua vida.

Aos professores que contra todos os obstáculos continuam a abraçar esta grande missão com amor e competência e em especial aos meus queridos professores que habitam no meu interior e que contribuíram para a pessoa que sou hoje o meu muito obrigada!

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Vida de cão... e aquilo que temos a aprender com ela

Provavelmente já ouviu alguém comentar “Quanto melhor conheço algumas pessoas, mais gosto do meu cão!”.  Apesar do humor, muitas vezes este comentário acaba por pretender destacar algo muito valioso para muitos de nós: a profunda lealdade dos cães. “Melhor amigo do Homem”, “fiel companheiro”, são também expressões comuns que enaltecem o impacto emocional que os cães podem ter nas vidas dos seus cuidadores. Mais do que “animais de companhia”, vão-se revelando verdadeiros “animais de estimação”... porque estimam e merecem ser estimados.
Existem inúmeros estudos que descrevem as vantagens que os animais de estimação trazem aos humanos com quem convivem: os níveis de solidão, depressão e ansiedade são, tendencialmente, mais baixos, e, consequentemente, os registos de idas ao médico e consumo de medicação são também menores. Os cães são ainda facilitadores sociais e de integração dos seus cuidadores, promovendo, nas crianças, um melhor desenvolvimento de competências relacionais e de comunicação.
Para além da companhia, segurança, motivação, da gratidão e amor incondicionais que nos trazem, temos muito a aprender com os cães... especialmente se, logo de início, aprendermos com a sua curiosidade e inocência e nos abrirmos às experiências, à descoberta.
Os cães não ficam a ruminar no passado, nem se detêm em preocupações relativamente ao futuro... Sentem medo, mas não ficam agarrados a ele quando a situação ameaçadora passa. Aproveitam cada sensação que o momento presente lhes dá: cada brincadeira, caminhada ou refeição são desfrutadas como se fossem a primeira, ou a última, das suas vidas, focando-se no aqui e agora. Não há lugar a auto-culpabilizações como “estou a desperdiçar a minha vida, aqui deitado ao sol o dia todo”. Aceitam! Também não queirem saber se somos altos ou baixos, de esquerda, de direita, ou se nem sequer nos preocupamos com política. Aceitam! Aceitam-nos tal como somos, aceitam genuinamente quem somos, têm um carinho e admiração incondicionais apesar dos muitos erros que possamos ter cometido. Ensinam-nos sobre o perdão. E, se estivermos disponíveis para humildemente ver através dos seus olhos, poderemos experimentar olhar-nos numa versão mais aceitante de nós mesmos, despida parcialmente dos nossos defeitos e mais próxima da nossa essência. Para eles, somos únicos e insubstituíveis.
São, geralmente, “atrevidos”, desafiam-nos, testam e ajudam-nos a conhecer os nossos próprios limites. Não precisamos de palavras para comunicarmos com eles (o seu entendimento lexical é muito reduzido), e isso põe-nos mais em contacto com o nosso corpo, com o nosso não verbal, com uma comunicação baseada no carinho, cuidado e amor. E são peritos especialistas em identificar padrões gestuais básicos para os associar a uma determinada emoção. A nós parece-nos tão difícil fazê-lo, não é?!
Recordam-nos diariamente que precisamos de muito pouco: raízes, um lar, e outros seres que nos ofereçam defesa e afecto mútuo. E quando estão connosco, é connosco que estão, e experienciam uma alegria quase exuberante (como se não fosse a nossa companhia já uma rotina), e um optimismo contagiante que parece gritar “a partir daqui vai ser sempre a melhorar”.


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Do sentir e não querer à supressão emocional

As emoções fazem parte do nosso dia-a-dia, durante toda a nossa vida, e podem ser, desde muito agradáveis a muito dolorosas. Para nos ajudar a lidar e a gerir essas emoções, utilizamos determinadas estratégias de regulação emocional, que vão sendo desenvolvidas ao longo da nossa vida. Quanto maior for o leque de possibilidades (de estratégias), mais facilmente conseguimos optar pela que se adequa mais a cada momento. E esse leque está mais aberto, quanto maior as nossas competências emocionais, que são o que descrevem a capacidade que cada um de nós tem em expressar as suas emoções, e deriva da inteligência emocional - capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos. (Ver artigo sobre inteligência emocional).

A falta de competência emocional pode conduzir ao evitamento ou afastamento de pensamentos que criam uma activação emocional que nos transmitem mal-estar: supressão das emoções. Alguns dos sinais mais habituais de supressão emocional são: disfarçar ou evitar as emoções, evitar situações, lugares ou pessoas que criam uma emoção difícil de ser gerida, fingir que está tudo bem. Contudo, ao suprimir as emoções, podem-se estar a criar alguns outros problemas que levam a uma deterioração da saúde física e mental tais como stress, pressão alta, risco de diabetes, ansiedade, depressão, problemas de memória e as relações interpessoais facilmente podem ser afectadas. Por outro lado, diversos estudos demonstram que, quanto maior for o leque de estratégias e a diferenciação emocional, menor é a utilização da supressão emocional.

Um bom exemplo é a chamada “cara de poker”, em que por um lado estamos satisfeitos por nos ter saído um bom jogo mas inibimos a expressão emocional para os adversários não se aperceberem. Contudo, ao inibirmos a expressão emocional, não conseguimos evitar que a emoção seja experienciada, assim a emoção que é sentida como negativa ou desagradável, mantém-se por resolver. Determinados estudos demonstram que supressão emocional está relacionada com a perda de autenticidade, que acaba por “fingir”, o que exige mais da própria pessoa criando um maior desgaste. Este exemplo de “cara de poker” ou o exemplo de estar numa conferência e inibir a minha expressão emocional associada ao receio da minha prestação, são situações em que efectivamente o resultado é positivo (conseguir enganar os meus adversários no jogo de poker e não me mostrar muito ansioso perante a plateia). Contudo, é essencial a consciência de que em outros momentos, este “fingimento” pode estar a dificultar-nos a aprendizagem de uma gestão emocional mais adaptativa.

Para conseguirmos regular as nossas emoções e desenvolver as competências emocionais é importante aceitarmos que as emoções desagradáveis fazem parte da vida e que são tão válidas como as agradáveis e, que não vamos conseguir não sentir as sensações desconfortáveis, incómodas e dolorosas no nosso corpo. Em vez de lutarmos contra as emoções desagradáveis, fingir que não as sentimos ou escondê-las com máscaras, é essencial que as consigamos aceitar, o que está longe de significar que nos resignamos. Mas aceitar que as emoções estão lá, permite-nos procurar em nós diferentes formas para as gerir e só assim crescemos emocionalmente.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 2 de outubro de 2016

Quando só reconhecemos o valor de uma pessoa quando a perdemos...



As relações humanas são, inegavelmente, o bem mais precioso que temos na nossa vida, já que nos construímos, do início ao fim, na e pela relação.
No entanto, pelas mais diversas circunstâncias, podemos estar menos disponíveis ou mais distraídos no que respeita ao investimento que depositamos nos nossos relacionamentos mais significativos.
A maneira como nos posicionamos na vida, é de facto uma factor condicionante. Se nos encontramos enquadrados numa lógica de vitimização, na qual impera o queixume e o pessimismo, torna-se mais difícil reconhecer, valorizar e ser grato por todas as pessoas presentes e disponíveis à nossa volta, familiares e amigos, bem como pelas oportunidades que a vida nos oferece. A “problematização e a centração em dramas pessoais” bloqueiam a capacidade para receber e desfrutar do que de melhor a vida tem para nos oferecer, bem como diminuem a disponibilidade para prestar atenção aos outros e alimentar as trocas relacionais com eles.  
Por outro lado, a crença que certas pessoas são garantidas e estarão sempre presentes para nos receber e amparar quando for preciso, também poderá promover, uma certa “distração” no cuidado e na atenção para com elas. Neste caso, não se trata propriamente de desvalorização, até porque são pessoas afetivamente significativas, mas isso nem sempre se traduz na priorização que damos quando toca a dedicar-lhes mais do nosso tempo, atenção e afeto. Quando as circunstâncias da vida determinam a perda destas pessoas ou uma diminuição da sua presença ou disponibilidade, é provável haver uma tomada de consciência maior e a emergência de algum pesar e arrependimento por não ter havido um maior investimento para com elas.
Contudo, há situações, e aqui podemos falar mais especificamente em relações amorosas,  em que, efetivamente, existe uma clara desvalorização do outro traduzida em críticas frequentes. Esta atitude poderá visar a fragilização da  auto-estima do parceiro e o aumento da sua insegurança de modo a mante-lo na relação debaixo daquele ascendente e impedir a perda. No entanto, quando a separação realmente acontece, porque o outro chega ao seu limite e decide seguir outro caminho, a dor do abandono e do vazio acaba inevitavelmente por chegar e se instalar. E é aqui, com a partida do parceiro e com a vivência da perda e do vazio, que aquele passa a ser valorizado, podendo haver uma mobilização para reverter a situação e fazê-lo regressar.
Se a perda do parceiro estiver ligada à existência de uma terceira pessoa, também poderá haver um aumento do interesse e do entusiasmo que já antes teria esmorecido. Esta aparente valorização do parceiro que partiu para os braços de outra pessoa, poderá estar relacionada sobretudo com um sentimento de despeito. É como se a perda daquela pessoa representasse o deixar de possui-la, emergindo novamente o desejo de posse e do alívio da dor da rejeição e da preterição.
Se nos construímos na e pela relação, tentemos não nos distrair em demasia do que mais precioso possuímos: as pessoas que habitam na nossa vida. Preservar e alimentar os nossos relacionamentos com as pessoas que nos são significativas, é de suma importância, bem como saber valorizá-las e acarinhá-las. Nada nem ninguém pode ser dado como garantido e todo o vínculo necessita de ser alimentado para se conservar.

Como nas palavras de Antoine De Saint- Exupéry, em o Principezinho: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...Tu és responsável pela tua flor....”