sábado, 25 de março de 2023

No lugar da Incerteza e do Não saber


O lugar da incerteza e do não saber representa para muitos, um lugar de desconforto, ignorância e insegurança, no qual sentimos que o controlo do que está por vir nos escapa e que nos arriscamos a sentir ansiosos, perdidos e magoados, num mundo onde todos aparentemente têm tantas certezas.

É esta vulnerabilidade que pauta as relações onde nos expomos emocionalmente e em que ficamos dispostos a correr riscos, sem garantias de nada. Se por um lado esta exposição pode inicialmente ser desencadeadora de medo e insegurança, por outro lado é o lugar onde podemos ser realmente vistos, autênticos e conectar verdadeiramente com o outro, abrindo-se a possibilidade para o nascimento da alegria, amor, pertença e esperança.

Só podemos conectar de forma verdadeira, amar e sermos amados, se estivermos na disposição de deixar cair as nossas armaduras e ficarmos expostos, sendo quem realmente somos e sem garantias e certezas do que está por vir.

A intolerância ao não saber, se for demasiado intensa e invasiva, pode transformar-se num medo que paralisa e impede a verdadeira aproximação pela antecipação de um desfecho doloroso, ou traduzir-se numa necessidade de controlo sobre o outro de modo a apaziguar as próprias ansiedades ligadas à incerteza.

Por outro lado, pela dificuldade em lidar com os próprios sentimentos ambivalentes vividos na relação, muitas pessoas ficam dispostas a fazerem quase qualquer coisa para escaparem rapidamente a essa ansiedade ligada à ambivalência e à incerteza, precipitando-se em comportamentos e respostas desconectadas das suas emoções que visam escapar à cobrança interna de que deveriam saber e não sabem.

A capacidade de permanecermos no lugar do não saber e do imprevisível e de conseguirmos desfrutar das sensações que daí decorrem, permite-nos entrar em contacto com a vivacidade das emoções, com o desejo, a criatividade e a vitalidade, essenciais na relação contra a repetição e o hábito.

Assumirmos a incerteza e o não saber, não é sinal de fraqueza, desinteresse ou ignorância mas uma manifestação de coragem e força a partir da qual podemos aceitar e acolher com serenidade essa realidade interna sem tentativas de evitamento, fuga ou precipitação em respostas imediatas e absolutas, abrindo-se então a possibilidade para conectar com novas soluções e respostas.

 


terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Procura-se: mais Empatia!


Como seria o mundo se fossemos todos um pouco mais empáticos? Como seria a nossa vida, o nosso dia-a-dia, se não levássemos tão a peito cada “falta de respeito” que consideramos dos outros, muitas vezes apenas por agirem de forma diferente? Como seria termos mais empatia pelos outros, e por isso sermos mais tolerantes e aceitantes com o que consideramos “erros” dos outros? Como seria a nossa vida sem o constante julgamento? A empatia, a tolerância e a aceitação andam de mãos dadas.    
    

Tendo em conta que a tolerância se define do latim tolerantĭa (constância em sofrer), “é um termo que define o grau de aceitação diante de um elemento contrário a uma regra moral, cultural, civil ou física. Do ponto de vista da sociedade, a tolerância é a capacidade de uma pessoa ou grupo social de aceitar outra pessoa ou grupo social, que tem uma atitude diferente das que são as normais no seu próprio grupo. Assim, a partir da tolerância, é garantida a aceitação das diferenças sociais e a liberdade de expressão. Tolerar algo ou alguém é permitir que algo prossiga, mesmo que a pessoa não concorde com tal valor, pois é dado o respeito de discordar. Ser tolerante implica aceitar que todos temos a liberdade de escolha das nossas convicções e que todos temos o direito exatamente igual de desfrutar da mesma liberdade”.

A empatia é a nossa capacidade de nos colocarmos no lugar do outro e conseguirmos ver através do outro, e mesmo que não se partilhe da mesma opinião ou da mesma perspetiva, a empatia é isso mesmo, ver através das suas lentes e compreender então a sua visão. No mesmo nível... nem melhor nem pior. Compreender assim, que pelas diversas razões (educação, aprendizagens, experiência de vida) as pessoas criam e desenvolvem visões e opiniões diferentes, todas elas válidas. Sem dúvida, um exercício de descentração.

Nos últimos tempos, parece-me que temos assistido a um aumento da intolerância social. Violência e atos de intimidação contra pessoas que exercem a sua liberdade de opinião e de expressão. Parece-me que se tem confundido dar opinião com ditar opinião de forma fundamentalista, anulando-se todos os pontos de vista diferentes. E parece-me que isso tem vindo a ganhar espaço sobretudo nas redes sociais, um pouco sobre todos os temas. De repente, temos doutorados e especialistas em todas as matérias, opinando como se cada um, individualmente tivesse a verdade absoluta.

Isso é assustador. Estamos cada um a crescer e a viver na sua própria bolha? Até que ponto a pandemia, ao exigir um maior distanciamento social, em que as pessoas se fecharam mais nas suas casas, também se fecharam mais nas suas redes sociais, na sua bolha, na sua realidade e as suas opiniões se tornaram mais e mais fundamentalistas?

Onde está aqui a empatia!?

É fundamental para uma sociedade harmoniosa, haver a capacidade de reflexão e a capacidade crítica, e isso acontece quando todos podemos partilhar as nossas opiniões e crescermos com essas partilhas, podendo assim evoluirmos como sociedade e como pessoas. Mas nesse processo também faz parte querer ouvir e compreender o outro lado e a outra perspetiva, o querer ouvir e compreender de forma genuína. Mas para conseguirmos fazer isso, temos que desligar o botão do julgamento e da ideia de que a minha perspetiva é melhor que a do outro, ou que eu tenho razão. Um olhar desapossado dos próprios valores e preconceitos, reconhecendo e aceitando que há diferentes maneiras de pensar e agir. E talvez refletir sobre a necessidade de termos razão...!?

Assim, tendo em conta que termos saúde mental também significa termos a capacidade de adaptação e conseguirmos criar relações com pessoas, é essencial olharmos para a nossa capacidade de empatia e tolerância como um aspeto essencial a ser refletido. Uma pessoa mais empática e tolerante tem uma maior flexibilidade mental, tem uma maior capacidade de se adaptar e isso permite com que a pessoa possa lidar melhor com situações inesperadas, de stress e de frustração, vivendo de forma mais tranquila e harmoniosa.

Proponho uma reflexão sobre este tema... Sou tolerante? Sou empático? Quais são as consequências da minha tolerância e empatia ou falta delas, em mim, nos outros e nas minhas relações? Como me poderei tornar mais empático e tolerante e como isso me faria sentir? Sugiro que numa próxima conversa faça esse exercício, escutar genuinamente essa pessoa e colocar-se no lugar dela, compreender. Sem dúvida que as diferenças serão mais facilmente compreendidas e será mais tolerante e aceitante, mesmo sem concordar. Mas não se sente mais próximo dessa pessoa?

Artigo publicado na Revista Psicologia na Actualidade, Psychology Now, nº 60 Jan-Fev-Mar 2023.


terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Metas para o Ano Novo?! E porque não Caminhos com Significado?

 


Janeiro é por excelência o mês que representa a renovação de um ciclo e o traçar de objetivos para os próximos 12 meses.

No entanto, este é um processo que muitas vezes se faz acompanhar de frustração e ansiedade porque inevitavelmente nos confronta com os objetivos e os planos defraudados do ano anterior e que, com frequência, transitam para o ano seguinte.

Esta autocritica em relação ao que não foi alcançado, banalizando até as pequenas conquistas conseguidas, acaba por fomentar a culpabilização e a comparação com aqueles que nos rodeiam, minando a nossa autoconfiança e sentido de competência.

Por outro lado, a pressão e a exigência severa, colocada na concretização dessas metas durante o ano que agora começa, poderão igualmente gerar ansiedade e mal-estar psicológico.

Se não podemos negar a importância de fazer planos de forma realista, com consciência de quem somos e do que nos move, bem como das nossas forças e limitações, também não nos podemos esquecer que a vida é naturalmente imprevisível e que muitos fatores envolvidos não dependem de nós.

Transitar de um diálogo interno punitivo para um outro de gentileza e autocompaixão pelas nossas dores e dificuldades, é o primeiro passo para retomar o caminho. E aqui a palavra caminho, como processo, no fundo como vida, poderá ganhar uma nova dimensão, tão ou mais importante que a palavra meta.

 Independentemente da meta ser alcançada ou não, é no caminho, com todas as suas curvas e contracurvas, retas e rampas de lançamento, que crescemos e nos construímos como pessoa e é nessa construção que muitas vezes as próprias metas se transformam.

A valorização de quem somos e do nosso caminho implica um exercício importante de gratidão, muitas vezes esquecido, mas que nos permite ficar gratos por quem temos e pelo que temos na nossa vida. É nos momentos de profundo sofrimento, como a morte, a perda ou a doença, que valorizamos a alegria sentida nas coisas mais simples mas significativas da vida. Honrar o ordinário e deixar de lado a apologia do extraordinário e a cultura de escassez é o que nos permite transitar da insuficiência e da vergonha para uma maior tolerância à vulnerabilidade, com a qual poderemos abraçar, de forma ainda mais plena, os desafios do novo ano.