terça-feira, 28 de junho de 2016

Quais são as suas estratégias para lidar com situações que lhe criam stress?



Perante uma situação stressante, mobilizamos estratégias para reestabelecer o equilíbrio do organismo e este equilíbrio depende das estratégias utilizadas para lidar com essas situações. As estratégias (de confronto) referem-se a padrões de comportamento, cognições e percepções utilizadas para manter o equilíbrio do organismo mediante as exigências internas e/ou externas (Lazarus & Folkman, 1984). De acordo com estes autores, face às exigências do meio, fazemos uma avaliação cognitiva do stress, que acontece em três momentos: avaliação primária, avaliação secundária e reavaliação. Na primeira, identificamos a possível ameaça que a situação cria; se esta for considerada ameaçadora, ocorre a segunda avaliação que consiste na avaliação dos recursos que temos disponíveis para fazer face às exigências postas pelo ambiente. A reavaliação é um novo ciclo de avaliação, resultante das respostas às questões iniciais para o confronto da situação. Se considerarmos que a situação é potencialmente ameaçadora e que não dispomos de recursos, experienciamos algum grau de stress e são activadas as estratégias de coping (confronto). O coping é definido por Lazarus & Folkman (1984) como uma tentativa para lidar com exigências externas (do ambiente) ou internas (do próprio indivíduo) percebidas como sobrecarregando ou excedendo os nossos recursos.

Segundo Folkman e Lazarus (1985), as estratégias de coping podem manifestar-se de duas formas: através do coping centrado no problema, que se refere a fazer algo para alterar a fonte de stress, ou através do coping centrado nas emoções, que se refere aos esforços para reduzirmos ou gerirmos o stress emocional associado à situação. O coping centrado no problema envolve-nos em tentativas activas para enfrentar a fonte de stress e assim reduzir a percepção da ameaça. O coping centrado nas emoções inclui estratégias destinadas a reduzir os níveis de ansiedade e não necessariamente estratégias para mudar a situação.

As estratégias de confronto centradas nas emoções são:
- O distanciamento - são as estratégias cognitivas de desprendimento e afastamento da situação,
- A fuga / O evitamento - referem-se aos esforços comportamentais e cognitivos realizados para fugir e evitar o problema,
- A reavaliação Positiva - que se refere aos esforços realizados para criar significados positivos, focados no crescimento pessoal.

As estratégias de confronto centradas no problema são:
- Coping Confrontativo - são esforços agressivos realizados para alterar a situação,
- Coping de Autocontrolo - são os esforços realizados pela pessoa para regular os seus sentimentos e as suas acções,
- Procura de Suporte Social - inclui os esforços realizados pela pessoa, na procura de suporte emocional e informativo,
- Assumir a Responsabilidade - que se refere aos esforços realizados no sentido de reconhecer o papel desempenhado pelo próprio no problema e a tentativa de recompor as coisas.
- Resolução Planeada do Problema - inclui os esforços realizados, que se focam no problema de forma deliberada e que têm como intenção alterar a situação.
(Pais-Ribeiro & Santos, 2001)

O coping focado no problema tende a prevalecer quando sentimos que podemos fazer algo de construtivo para alterar a situação stressante em si, enquanto o coping focado na emoção tende a predominar quando sentimos que a razão do stress irá persistir e que nada podemos fazer para o modificar. A importância do coping focalizado no problema ou focalizado na emoção pode variar em resposta a diferentes tipos de stress.

Cada um de nós pode tendencialmente adoptar mais uma determinada estratégia do que outra, o que acaba por ser natural. Contudo, será importante termos consciência dessa nossa tendência, porque poderá estar relacionada com alguns receios e inseguranças. Dessa forma, quanto mais nos conhecermos, maior a nossa liberdade de escolha ao abrirmos o leque das diversas estratégias e conseguirmos escolher a melhor que se adapta à situação. 

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 26 de junho de 2016

Maturidade Emocional...do que se trata afinal?


Maturidade emocional é uma expressão com a qual nos cruzamos recorrentemente, não só na literatura, como também na conversação quotidiana. 
Expressões tais como “Ele é muito imaturo!” ou “Ela é uma pessoa bastante madura!” são de certa forma familiares, que todos nos já ouvimos e até já usámos, mas o entendimento e o significado do conceito pode não ser assim tão claro. Sabemos realmente do que se trata?
Antes de mais importa frisar que não existe uma relação direta entre maturidade emocional e idade cronológica, ou seja  podem existir pessoas idosas imaturas e jovens emocionalmente maduros. A maturidade emocional não acompanha necessariamente o envelhecimento.
Posto isto, podemos definir maturidade emocional como algo semelhante à inteligência emocional e cuja principal característica é a boa tolerância à frustração e à contrariedade.
Na estruturação da personalidade, é essencial o conflito entre o que se quer e o que se pode, assim como o quando se quer e o quando se pode. As pessoas emocionalmente imaturas, não aprenderam a gerir este conflito adequadamente nos estádios mais precoces do seu desenvolvimento. Não aprenderam a transformar este tempo de espera que medeia o sentir o desejo e a sua satisfação  num espaço de criatividade e de desenvolvimento das suas faculdades pessoais sustentado numa vivência de confiança. Deste modo, são pessoas  emocionalmente mais reativas e reivindicativas, exigindo de forma obstinada a satisfação imediata das suas necessidades. O seu funcionamento é mais auto-centrado e egocêntrico, levando em pouca linha de conta a perspectiva e o ponto de vista do outro.
Por outro lado, as pessoas emocionalmente maduras, apesar de também não gostarem da frustração, conseguem tolerar esse desconforto e libertarem-se dele sem envolverem ou prejudicarem outras pessoas. Esta tolerância à dor permite assim o desenvolvimento de outra capacidade importante - a empatia, definida como a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro e de imaginarmos a sua dor.  As pessoas emocionalmente imaturas, como têm dificuldade em tolerar a frustração e principalmente o sofrimento, terão inevitavelmente dificuldade em desenvolver esta capacidade.
A consciência e o controlo das emoções são também inerentes à maturidade emocional, existindo por parte do indivíduo o reconhecimento  de todas as suas emoções que lhe permite não ser escravizado por elas, ou seja, não viver em reatividade às suas emoções mas gerindo-as com ponderação e bom senso.  A pessoa pode sentir-se alegre, triste, aborrecida ou irritada mas em controle e em função dos acontecimentos da sua vida. As variações de humor oscilam essencialmente em função das circunstâncias, prevalecendo um humor razoavelmente estável e constante.
As pessoas maduras sabem ser humildes na medida em que têm consciência que o seu saber será sempre limitado e que o erro e a falha fazem parte da condição humana. Esta sabedoria permite-lhes entrar no jogo da vida e ousar a arriscar novos desafios, porque as eventuais dores que possam surgir dos fracassos são suportáveis. Como aceitam os erros e aprendem com eles, estão em constante evolução, o que lhes permite atingir graus cada vez mais sofisticados de auto-conhecimento e de domínio sobre si, construindo uma perspetiva otimista e de esperança em relação ao futuro. A rigidez e o medo de errar colocam o indivíduo numa posição de estagnação, o que dificulta conceber um futuro mais interessante, surgindo então o pessimismo.
Nos seus relacionamentos interpessoais, as pessoas emocionalmente maduras aceitam os diferentes com atenção e tranquilidade, sem julgamento, demonstrando competência no trato, nomeadamente respeito, delicadeza e preocupação em não ferir e suscetibilizar o outro. São capazes de comunicar de forma firme e assertiva, defendendo os seus interesses e dizendo que não, sobretudo com quem reivindica injustamente, sem adotar uma postura auto-centrada e egocêntrica.

As pessoas emocionalmente maduras são capazes de tolerar as dúvidas, o não saber, a ineficiência e as incertezas em relação ao seu futuro, assim como de se questionarem e de serem autocríticas de uma forma construtiva. Têm sentido de humor, são curiosas e sabem que a  maturidade emocional viverá sempre a braços com a capacidade criativa e de transformação: do bom em mau, das adversidades em oportunidades de aprendizagem e do inevitável/irreversível em fontes de sabedoria e de enriquecimento pessoal.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Perdoar... ou a arte de tolerar

“Toda a gente diz que o perdão é uma ideia adorável, até terem algo para perdoar. “
C. S. Lewis

Há coisas que nos podem parecer fáceis de perdoar: como o atraso num encontro, um email não respondido, uma palavra desagradável. Mas será que perdoamos efectivamente nestas situações? Será que ganhamos algum entendimento acerca do que aconteceu, e que o explique? Arrisco assumir que, em algum momento, todos nós já fomos magoados. E admito que possa ser muito tentador desistir de quem nos magoa e “simplesmente” deixar de gostar dessa pessoa, procurar esquecer o que aconteceu.
Ao não perdoarmos, podemos estar a dar às pessoas que nos magoaram um papel demasiado importante nas nossas vidas, permitindo-lhes, de certa forma,  manter as nossas mentes reféns do seu sadismo. Por outro lado, pode ser importante lembrarmo-nos de que, contrariamente ao que muitas vezes possamos pensar, as pessoas raramente são exclusivamente más: quando se comportam de formas absurdas, geralmente é porque estão, por algum motivo, demasiado ansiosas ou mesmo assustadas. Ainda que o comportamento delas possa parecer forte, ninguém que se sentisse realmente forte agiria de forma tão gratuitamente ofensiva.
Perdoar envolve sermos capazes de ultrapassar a crença de que quem nos magoa o faz por pura maldade - aquilo a que chamamos maldade tem, muitas vezes, origem na dor, fraqueza, cansaço, insanidade, desespero ou mesmo idiotice. A raíz destes comportamentos “imperdoáveis”, “inaceitáveis”, está, muito mais frequentemente do que por vezes possamos admitir, no terror e na ansiedade. Como tal, deviam ser encarados mais com compaixão do que com indiganção, mais com tristeza do que com fúria.
Chegamos à questão de sempre: Como? Como é que, de repente, podemos fazer uma mudança de perspectiva tão profunda? Se pensarmos bem, talvez esta não seja uma verdadeira mudança. Sabemos como praticar esta atitude, até porque já o fazemos constantemente, naturalmente... com as crianças! Mas quando as crianças estão rabujentas, não nos agarramos à ideia de que estão a ser más para connosco e por isso desistimos delas... questionamo-nos se terão dormido o suficiente ou se  terão fome, se estarão preocupadas ou a ser magoadas por alguém. Ou seja, perdoar não é uma tarefa que precisemos aprender de raíz, apenas precisamos alargá-la ao leque de pessoas com quem estamos dispostos a praticar o perdão. A verdade é que estamos tão familiarizados com a ideia de que olhar para as pessoas como sendo mais novas ou imaturas do que realmente são é demasiado condescendente, que nos esquecemos das vantagens que podem haver em olhar para alguém para lá do seu Eu adulto, interargir com e perdoar a criança ansiosa, desapontada, ou furiosa, que também é. Desafio-vos a que, em momentos de tensão em casa, parem um pouco e pensem nas imagenss dos vossos companheiros quando tinham 6 anos, com um sorriso nervoso à porta da escola, ou na praia a brincar na areia. Será mais difícil, muito mais difícil, ficarmos indignados e ofendidos com os seus comportamentos actuais se nos lembrarmos de onde esta pessoa veio.
Por outro lado, poderá ser mais fácil perdoar se formos capazes de reconhecer a nossa própria natureza “pecadora”... Se há pouco assumi que em algum momento todos nós já fomos magoados, arrisco também que, em algum momento das nossas vidas, inevitavelmente, todos nós já mentimos, magoámos, enganámos, humilhámos, intimidámos, ou fugimos de alguém. Também nós, para sobrevivermos, precisamos contar com o perdão de tantos outros.
Contudo, há uma outra tendência que muitas vezes inviabiliza a possibilidade de perdoarmos: em tempos difíceis, tendemos a ver quase exclusivamente os defeitos, as falhas. Muitas vezes encontramos (detemo-nos, até) os pontos fracos dos outros quando estamos em risco de deixar de conseguir ver os seus pontos fortes.

Por outro lado, importa recordarmos novamente que somos humanos, e de que todos nós teremos defeitos nas nossas qualidades, que as nossas forças têm também fraquezas. Para perdoar, que tal arriscarmos procurar perceber quais são os pontos fortes dos quais essas características irritantes (nos outros e em nós) são os lamentáveis lados sombra? Perdoar deve implicar fazermos tudo o que pudermos para manter à vista os pontos fortes, as qualidades (do outro ou de nós próprios), em momentos em que os pontos fracos, os defeitos, as fraquezas estão apenas dolorosamente evidentes.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Sinto-me grata/o a...

Gratidão é um sentimento de reconhecimento, é sentirmo-nos agradecidos a alguém ou a uma situação.

Como é quando se sente grato? Qual a sensação? Se estiver totalmente atento ao corpo quando se sente grato, quais são as sensações? E se se focar nessas sensações? Como se sente? E se ficar durante uns minutos com essas sensações e com esse sentimento de gratidão, como se sente? E como é voltar à sua tarefa após este exercício? Quer experimentar?
Todos nós nos queixamos por algo, porque não nos sentimos valorizados no trabalho, porque o colega nos aborreceu, porque há demasiado trânsito e nos faz chegar atrasados, porque os filhos não fazem o que deviam, porque os pais não param de dizer o que devemos fazer ... Queixamo-nos porque gostaríamos que as coisas por vezes fossem um pouco ou muito diferentes, certo? Mas, e se procurarmos pensar também ao contrário? Quais são as coisas que eu tenho que valorizo? Quais são as coisas mais importantes na minha vida? A que é que me sinto grato? A gratidão é um presente que podemos oferecer a nós próprios quando reconhecemos as nossas riquezas. A gratidão permite sentirmo-nos cheios quando parece que não temos nada. Também nos dá paz quando somos capazes de ver quem faz parte das nossas vidas, apesar de pensarmos que estamos sozinhos. A gratidão muda a vida quando nos damos a oportunidade de ver quem temos e o que temos na nossa vida.

Quando nos envolvemos com os pensamentos negativos sobre os temas que nos fazem queixar da vida, sentimo-nos frustrados e temos a sensação que não temos controlo na nossa vida. Mas se efectivamente não podemos mudar as coisas que não nos agradam, viver envolvidos nesses pensamentos e sensações desagradáveis, faz-nos viver centrados na parte menos positiva da nossa vida... Mas então e as coisas boas? Faz sentido desvalorizarmos as coisas boas que temos na vida? A olharmos para a parte positiva da vida, passamos a tomar mais consciência do que temos e isso ajuda a mudar o foco atencional.

Ao pensar naquelas pessoas que parecem estar sempre felizes e bem-dispostas, acha mesmo que essas pessoas não têm problemas? Tente perceber onde essas pessoas focam a sua atenção, acha que valorizam as coisas boas que têm ou as coisas menos boas?

Vamos experimentar agradecer pelo que temos? Por exemplo, se temos um trabalho que não é exactamente o que gostaríamos, podemo-nos sentir gratos por tê-lo e não estar desempregado. Podemos procurar uma alternativa melhor para nos sentirmos mais concretizados e felizes, no entanto há a parte positiva do que temos agora, e é essa a parte importante a procurar.

A nossa vida está cheia de relacionamentos, momentos e situações que nem sempre são agradáveis. Há pessoas que nos magoam, relacionamentos que terminam, situações que nos criam mal-estar, tristeza e ansiedade. Às vezes temos que nos afastar das pessoas tóxicas para termos uma boa vida e saúde mental. E se em vez de ficarmos irritados, agradecermos pelo tempo que essas pessoas nos acompanharam e pelo que elas nos ensinaram? Mesmo as pessoas que nos magoaram muito, essa situação permitiu-nos desenvolver recursos internos para lidar com a dor e com o sofrimento. Gostaríamos que as coisas tivessem sido diferentes? É possível. Mas na verdade crescemos, evoluímos e desenvolvemo-nos como pessoas ao ter passado por essa situação. Não podemos voltar atrás para não ter vivido essa mágoa, então que tal tentarmos retirar a aprendizagem dessa situação e sentirmo-nos gratos por essa aprendizagem? Sem dúvida, é algo muito enriquecedor. Quanto mais capazes formos de nos sentirmos gratos, melhor fechamos as feridas, perdoamos e esquecemos.

Não podemos agradecer apenas pelas coisas boas e esperar que as más desapareçam. É importante também pensar nas experiências e nas pessoas negativas como um caminho para melhorar. Quer as coisas boas, como as más oferecem motivos, conhecimentos e razões para continuarmos a demonstrar gratidão, por tudo. Naturalmente, vai-nos chegar à cabeça num primeiro momento a dúvida: - Como é que vamos agradecer por aquilo que nos fez mal? É importante não esquecer que isso faz parte de viver e de crescer.

Viver num estado de gratidão é estar em harmonia com o que somos, de onde viemos, aceitando o nosso destino de crescimento constante. Saber agradecer é uma arte. As sensações que a gratidão nos dá, permitem-nos desenvolver um antídoto natural contra o pessimismo, a tristeza, o rancor, a mágoa, a raiva, a revolta.

O apreciar das coisas simples, o apreciar dos pequenos momentos de alegria e agradecer por tudo o que vivemos e que temos, faz-nos sentir felizes. Ser grato é uma capacidade que, uma vez adquirida, transforma o nosso olhar sobre o mundo, sobre a vida, sobre as pessoas e sobre cada acontecimento. A capacidade de manter o olhar voltado para o lado bom das coisas e sentirmo-nos gratos por termos isso, vai-nos levar lentamente a uma mudança.

Em cada amanhecer temos a oportunidade de viver um lindo dia, uma nova vida, uma diferente forma de sentir o que vem aí. Vamo-nos dar a essa nova oportunidade? Vamos começar a praticar a gratidão?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 19 de junho de 2016

A Importância da Humildade no Crescimento Pessoal



A humildade tem sido, ao longo do tempo, um conceito pouco compreendido e muitas vezes associado a um significado de fraqueza, subserviência, pobreza ou a uma aparência descuidada e despojada.
No entanto, se formos à origem etimológica da palavra humildade, vamos descobrir que ela é derivada no latim, de “humus” que designa terra. A palavra homem, derivada do latim “homo”, curiosamente também tem a sua origem no termo “humus”.
Assim sendo, a humildade pode ser entendida como um  processo psicológico a partir do qual o indivíduo se relaciona consigo e com os outros de forma realista, mantendo “os pés assentes na terra” e reconhecendo as suas limitações e fragilidades, na medida em que fazem parte da sua verdade e da sua natureza.
Esta capacidade de aceitação e de tolerância dos aspectos mais vulneráveis e dolorosos da nossa personalidade, sem os afastarmos por recurso à repressão, dissociação ou projeção, implica a existência de algum grau de maturidade psicológica que também nos vai permitir estabelecer relações interpessoais sustentadas sobretudo na compreensão em vez de ser no julgamento e na crítica.
A tranquilidade que a humildade proporciona ao assegurar o indivíduo da sua identidade, na qual estão integradas as suas forças e as suas limitações, incrementa definitivamente a qualidade dos seus relacionamentos.
O indivíduo com humildade consegue aceitar que, em certos momentos da sua vida, necessita de ser cuidado e é capaz solicitar e de receber esse cuidado por parte do outro sem se sentir rebaixado e humilhado.
Em contrapartida, as pessoas que durante o seu processo de crescimento vivenciaram situações de carência e de dependência em que se sentiram humilhadas e desconsideradas, poderão ter mais dificuldade em aceitar o receber do outro na medida que a sua auto-estima está sustentada na capacidade de completa auto-suficiência e de independência. E é aqui que humildade e humilhação se confundem, impedindo o processo de troca, fundamental à vida, através do dar e receber.
Transformar humilhação em humildade é o caminho que permite resgatar o prazer não só de dar mas também de receber, enriquecendo as trocas humanas e permitindo o acesso a um sentimento essencial: a gratidão.  Gratidão, não só por estas trocas relacionais que nos permitem sair de uma posição de “orgulhosamente sós” para uma vivência de colaboração, solidariedade e afetos mas também por tudo aquilo que a vida nos pode proporcionar em termos de prazer e de aprendizagem.
 Na humildade está inerente a consciência da limitação do nosso saber e a disponibilidade permanente para aprender, com todas as pessoas, independentemente do seu grau de instrução, idade, profissão ou extrato social, respeitando diferentes pontos de vista.
Na humildade existe a consciência da finitude e de como tudo é efémero e transitório, pelo que as conquistas e os sucessos não passam de situações momentâneas e as condições de superioridade (instrução, conhecimento, extrato social) não devem ser usadas com arrogância para rebaixar o outro ou para gerar uma atitude de autoengrandecimento.
Pessoas que se classificam pretensiosamente humildes através de manifestações anti-beleza/sucesso/dinheiro não são genuinamente humildes porque aquilo que verdadeiramente as move e sustenta é uma necessidade de enaltecimento ou um desejo de superioridade. Quem quer mostrar que é humilde não é realmente humilde.

Quando é genuína, a humildade pode estar presente em qualquer contexto ou condição de vida, não é exclusiva de nenhum extrato sócio-económico e acima de tudo é uma expressão de maturidade psicológica e saúde mental. 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

A arte de Não Saber...

A experiência de não saber é difícil para algumas pessoas... É algo que pode deixá-las extremamente ansiosas, especialmente quando outros parecem tão seguros acerca de tanto ou mesmo de tudo. Não saber pode fazer-nos sentir desligados, sozinhos, e, quase inevitavelmente, vulneráveis.
Perante esta ansiedade e mal-estar relativos a não saber, de acordo com Nick Luxmoore pode acontecer entregarmo-nos totalmente ao desespero, ou passarmos a dividir tudo em bom ou mau, adorável ou odioso, porque, então, tudo vai parecer mais simples e será mais fácil convencermo-nos de que "sabemos", mesmo quando a verdade é muito mais complicada. Uma terceira forma de lidar com o não saber poderá ser agarrarmo-nos a respostas, podendo isto acontecer, por exemplo, numa relação em que os elementos dos casal não sabem ao certo o que sentem um pelo outro, e preocupados com a sensação de que deveriam saber, encobrem a sua ansiedade com presentes caros, com reafirmações constantes do amor que “sentem” pelo outro, ou com uma excessiva intimidade, para provarem algo a eles próprios, dispostos a fazerem quase qualquer coisa que faça desaparecer a ansiedade de não saberem.
Contudo, provavelmente muitos de nós recordamos com admiração aquele professor que um dia disse não saber a resposta a uma pergunta mas que iria pesquisar e tentar trazer a resposta na aula seguinte. Pode parecer-nos fácil apreciar a honestidade em admitir que não sabia a resposta, a “humildade” em ir estudá-la, e assumirmos que “Não temos que saber tudo”, que “Os especialistas tornaram-se especialistas em determinado assunto porque estiveram dispostos a não saber acerca de outros”... Mas, então, por que é que nós próprios não podemos não saber? Por que é que tantas vezes não nos permitimos a que a nossa posição face a determinado assunto seja não saber? Por que é que, para conseguirmos uma resposta, estamos dispostos a quase tudo, menos a não saber? Ao invés de ser um sinal de fraqueza, de desinteresse, de ignorância, não saber requer coragem e assumi-lo é, geralmente, eficaz.
Já em 1817, o poeta inglês John Keats defendia o conceito de capacidade negativa: «quando um homem é capaz de estar em incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer tentativa impaciente de alcançar facto e razão...». De acordo com o poeta, esta é uma competência avançada para tolerar a incerteza, mas não uma incerteza passiva, associada à ignorância. Esta capacidade negativa advém de uma incerteza activa, produtiva, que tem a ver com a possibilidade de estarmos sem um modelo, de não sabermos o resultado, e ainda assim conseguirmos tolerar, e mesmo desfrutar, da sensação de estarmos perdidos.
A incerteza, a permissão que damos a nós mesmos de não sabermos, pode ajudar-nos a resolver problemas e abrir-nos a novas soluções que, se nos deixarmos levar pela impaciência de conseguir uma resposta imediata, ou pela pressão de evitar um desfecho que nos parece incerto, não iríamos encontrar. É-nos muitas vezes difícil lidar com as nossas ambivalências, permitirmo-nos estar no presente com a experiência de não saber. Mas é precisamente quando aceitamos a verdade da situação (não sabermos) que podemos experienciar um enorme alívio que nos permite, finalmente, relaxar.
É como se, por vezes, as grandes decisões das nossas vidas, aquelas que nos parecem mesmo difíceis de tomar, só pudessem ser tomadas quando nos permitimos não saber – como se esta realidade interna de não sabermos nos permitisse parar de pensar acerca das coisas e pudessemos, simplesmente, senti-las... entrando, assim, em contacto com as respostas que, afinal, tinhamos em nós.


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Zona de conforto – ficar ou experimentar a sair?

Criar e manter uma rotina é importante, mais para umas pessoas, menos para outras, mas quebrá-la de vez em quando também é essencial.

A zona de conforto é um conjunto de actividades e de comportamentos que fazem parte de uma rotina, um padrão que minimiza o stress e os riscos possíveis. A explicação mais científica para essa expressão é que a zona de conforto é qualquer tipo de comportamento que consegue manter um nível baixo de ansiedade. Assim, a zona de conforto dá-nos uma sensação de segurança. Todos nós, ao estarmos na zona de conforto beneficiamos de um bem-estar regular, baixa ansiedade e redução do stress. Estar na zona de conforto não é algo bom ou mau, é um estado natural onde a maioria das pessoas vivem. Ou seja, a zona de conforto é importante, mas se nos limitarmos a estar aí, pode-nos criar num determinado momento das nossas vidas uma sensação de vazio e insatisfação, seja na vida profissional, como na vida pessoal.
Os exemplos de lavar os dentes, tomar o pequeno-almoço na cozinha, preparar o jantar, lavar a loiça, ir pela mesma rua para o trabalho, almoçar no mesmo restaurante, provavelmente são tarefas que fazemos muitas vezes, e por isso, habituamo-nos a elas, que não nos fazem sentir ansiosos ou inquietos e por isso, estas actividades como exemplo, fazem parte da nossa zona de conforto.
Conseguirmos prever e sentir o controlo sobre as situações, dá-nos segurança e um certo prazer, e, normalmente o nosso cérebro é atraído pelo que nos dá prazer e evita o que possa causar dor. Associamos dor ao facto de sair ou estarmos no limiar da nossa zona de conforto. Quando estamos dentro dessa zona confortável, normalmente não há crescimento pessoal ou profissional e tendemos a resistir às mudanças e a novas perspectivas.

Existem pessoas que não gostam de falar em público, ou que não gostam de falar com pessoas desconhecidas, ou de participar em actividades em que têm que se expor. Normalmente estes acontecimentos geram stress e desconforto. O limite da zona de conforto apresenta uma barreira psicológica que nos impede de encarar desafios e melhorar a nossa qualidade de vida. É como se tivéssemos uma voz a alimentar a nossa insegurança. Exemplos de pensamentos que podemos ter e que nos fazem acreditar que não queremos sair da zona de conforto:
1. “Para quê é que eu vou fazer isso?” - Por vezes deixamos as nossas motivações de lado tentando encontrar uma razão lógica para fazermos as coisas. Mas na verdade, há sempre motivos para fazer algo, nem que seja apenas pelo desafio.
2. “Não é o momento certo” – Nunca nos sentimos totalmente preparados, se estivermos à espera do momento certo, ele nunca chegará. O importante é avançarmos e com esses avanços vamo-nos sentindo mais preparados.
3. “Não é para mim” – Por vezes criamos uma ideia que quem faz uma determinada actividade tem determinadas características e se não se tem, não faz sentido fazer. Por exemplo: “As pessoas que fazem yoga são todas magras.” Se pensarmos bem, isto não é bem verdade.
4. “Eu não sei como se faz” – Esta é uma verdadeira razão para se avançar. Alguma melhor razão para se aprender algo que não se sabe?

Como sair da sua zona de conforto?
Então já sabemos o que é a zona de conforto, já sabemos alguns exemplos de pensamentos que nos podem estar a impedir da sair da zona de conforto, então vamos avaliar a nossa vida. Sinto-me satisfeita? Posso melhorar em algo? Alguma coisa que eu gostaria de fazer ou experimentar?

Não é preciso pensar muito para encontrar novas experiências. Coisas pequenas, como almoçar num restaurante diferente, mudar temporariamente a sua alimentação, ir a pé por uma rua paralela da que costuma ir, ver um filme que normalmente não iria ver, já ajuda a quebrar a rotina e é um bom início.
E algo que é importante referir, é que ao se conseguir sair da zona de conforto não significa que não se volta mais, é essencial termos um “porto seguro” onde podemos reflectir sobre o que aprendemos.
Com certeza que neste momento, muitos perguntam “Mas se eu estou bem na zona de conforto, porque hei-de fazer um esforço para sair?”. Talvez saber os efeitos que sair da zona de conforto tem nos possa ajudar.
Os efeitos de sair da sua zona de conforto:
– satisfação pessoal,
– melhoria na qualidade de vida,
– expansão dos seus limites,
– desenvolvimento das suas habilidades,
– ampliação da sua maneira de ver o mundo,
- desenvolvimento de adaptabilidade e flexibilidade,
- maior facilidade de lidar com imprevistos e problemas inesperados,
- maior capacidade de análise,
- encontrar mais alternativas,
- maior criatividade.

Ao sairmos da nossa zona de conforto, crescemos enquanto pessoa, mas ajuda começarmos a mudar as nossas crenças em relação ao que conseguimos e ao que não conseguimos fazer. E ao irmos conseguindo dar passos nesse sentido, tornamo-nos mais confiantes em nós e nas nossas capacidades, e vamos sentindo o stress a diminuir gradualmente à medida que vamos fazendo mais vezes algumas actividades que inicialmente nos criavam muita ansiedade.

Então vamos aceitar alguns desafios?
1. Faça alguma coisa que você nunca fez antes – Porque não aprender um novo idioma, aprender a tocar um instrumento musical, escrever um blog, entrar para um desporto de equipa.  
2. Esqueça a TV e as redes sociais por uma semana - Use o tempo pós-laboral para passear, aprender algo novo, combinar com alguém com quem já não está há algum tempo, ler um livro, conhecer um novo grupo musical.
3. Desenvolva a sua capacidade de iniciativa e proponha uma nova ideia – Dar uma opinião, fazer uma sugestão, partilhar o que pensamos sobre determinada questão. Por vezes em contexto laboral ou pessoal podemos ter alguma dificuldade ou receio de nos expormos, porque não tentar fazê-lo em ambientes mais seguros e ir avançando à medida que se sinta mais à vontade?
4. Saia da sua rotina até mesmo nos detalhes – Oiça nova música, passeie por zonas diferentes, experimente sentar-se numa cadeira que normalmente não se senta numa posição diferente, porque não fazer um workshop de culinária, dança ou fotografia?
5. Viaje e conheça novas pessoas – Viajar para cidades vizinhas, ou pelo mundo inteiro. Viajar é uma das melhores maneiras de sair da sua zona de conforto. Terá a oportunidade de conhecer novas pessoas, novas culturas, novos alimentos. Fale e perceba diferentes pontos de vistas, diferentes valores. É muito bom podermos sentir que aprendemos um pouco com cada pessoa com quem falamos.

Aceita o desafio?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


domingo, 12 de junho de 2016

Como confortar uma pessoa em luto?



Na nossa cultura, a morte é ainda um tema muitas vezes evitado e considerado tabu, pelo que é comum as pessoas referirem-se ao luto como uma situação que precisa de ser resolvida e deixada para trás de forma relativamente breve.
Neste contexto, as manifestações de desamparo e tristeza, como o choro sistemático e prolongado no tempo por parte da pessoa enlutada, são muitas vezes encaradas como sinais de perturbação emocional e não como reações normais que devem ser acolhidas e compreendidas.
 Importa evitar comentários tais  como “não chore” , “não sofra”, “ele não ia querer vê-lo assim”, “vai conseguir ultrapassar”, “vai ver que vai esquecer”.
Apesar de bem intencionados, estes comentários, acabam por induzir na pessoa enlutada uma vivência de incompreensão no que respeita ao seu sofrimento emocional, acrescendo ainda a pressão para sair daquela situação o mais rapidamente possível, o que poderá conduzir à repressão dos verdadeiros sentimentos e ao adiamento da resolução do luto. Para ajudar a pessoa enlutada, importa proporcionar disponibilidade em tempo e espaço, para que ela possa falar e chorar.
Nestas situações, a simples presença da família e amigos é por si só reconfortante, bem como a capacidade de ouvir. Por vezes, não há nada mais reconfortante como a partilha do silêncio, através do qual a pessoa enlutada sente o acolhimento e a empatia genuína do outro.
O reconhecimento e a validação dos sentimentos que estão a ser vividos são também formas de poder prestar apoio empaticamente, podendo ser transmitida da seguinte forma “Isto é tão devastador que não tenho palavras, mas estou a teu lado para o que precisares.”
Durante o luto, é natural que as pessoas se sintam frequentemente sozinhas e isoladas, pelo que importa revelar interesse e disponibilidade para estar presente, independentemente do que for preciso, mesmo que seja para resolver questões burocráticas ou aspetos práticos do dia-a-dia. Demonstrar esta sensibilidade e disponibilidade é bastante tranquilizador e securizante para a pessoa enlutada.
O luto é vivido de uma forma tanto mais saudável, quanto maior for a possibilidade para o enlutado falar da perda e dos sentimentos a ela associados e quanto maior for a disponibilidade da rede de suporte para o acolhimento desses sentimentos.
Uma angústia não negada e bem acolhida tende a gerar a possibilidade da pessoa se refazer mais facilmente da situação de perda e sair mais fortalecida deste processo para continuar a sua história. 

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Esforçamo-nos por escondê-la... mas Camões não deixou!

Hoje é dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. O Poeta, de cuja data de morte foi a escolhida para celebrar a nação Portuguesa, termina a maior das suas obras com uma emoção...
Sentimo-nos mais ou menos confortáveis em expressar a maioria das nossas emoções, mesmo as desagradáveis: podemos admitir estar tristes, zangados e até com medo... mas e invejosos? Quantos de nós já confessámos a nossa inveja a outros, ou até a nós mesmos? Com que frequência ouvimos alguém falar acerca da intensa inveja que tem face a algo? Pois é... a inveja parece não vir sozinha. Parece haver, quase sempre, embaraço a acompanhá-la, vergonha e até mesmo culpa.
Há quem diga que terminar Os Lusíadas com a enveja foi uma escolha de Camões, assumindo que esta é uma emoção que nos define enquanto povo. Será?!? E se assim for, será assim tão mau?
Querer qualquer coisa que outra pessoa tem, mas cujo acesso é limitado, e que, imaginamos, nos trará felicidade e realização pessoal, confere ao outro uma certa vantagem ou mesmo poder. Quando sentimos inveja, imaginamos que a vida dos outros é mais feliz, satisfatória, o que torna esta emoção numa espécie de elogio ao outro. Um “elogio” que muitas vezes nos magoa no mais profundo de nós. Fantasiamos acerca de ter aquilo que sentimos que nos falta, quando, muitas vezes, o que nos falta é admiração, apreço, uma sensação muito semelhante à que temos para com a pessoa que tem o bem ou carcaterística que desejamos, mas que muitas vezes não temos para connosco. E se estarmos aleatoriamente demasiado expostos ao sucesso dos outros nos pode apavorar ao ponto de nos sentirmos sem capacidade de agir, e, inconscientemente, nos impedir de colocar qualquer plano em prática, será esta, efectivamente, uma emoção que nos define?
A inveja é muitas vezes descrita como uma emoção mesquinha, egoísta, e, como vimos, muitas vezes acompanhada de sofrimento... mas, se é suposto permitirmo-nos sentir todas as emoções, por que é que invejamos? Qual a função da inveja no nosso auto conhecimento?
Se nos permitirmos despir a culpa e o embaraço da inveja, podemos olhá-la como uma pista acerca daquilo que podemos fazer a seguir, como uma espécie de chamamento a que devemos estar atentos, uma vez que nos traz, de forma disfarçada, mensagens enviadas por partes confusas, mas importantes, das nossas personalidades, sobre o que devemos fazer com as nossas vidas.
Quando invejamos, podemos sentir-nos tristes com o sucesso do outro, ou com o que ele tem, mas também, simultaneamente, sentirmo-nos nós próprios secretamente inferiores. Sem as mensagens que a inveja nos vai enviando regularmente, ser-nos-ia difícil saber o que queremos ser: cada pessoa que invejamos tem uma peça daquilo com que desejamos construir o nosso futuro.  É como se as pistas que a inveja nos dá quando sabemos que um colega nosso está numa posição de sucesso, quando a nossa melhor amiga foi mãe, quando o nosso irmão abdicou da vida “confortável” que tinha e decidiu partir numa missão humanitária, nos permitissem ir construindo um puzzle com a imagem do nosso verdadeiro Eu.
Em vez de tentarmos esconder, disfarçar e até mesmo reprimir a nossa inveja, por que não questionarmo-nos calmamente acerca de tudo ou todos quantos invejamos: “O que é que posso aprender com isto?”?
Se nos dispusermos a estudar a nossa inveja criando, por exemplo, um “diário da inveja” onde vamos apontando as situações e pessoas que invejamos, poderemos aceder às partes do nosso futuro Eu que procuram aparecer. Poderá ser libertador perceber que, apesar de começarmos a invejar certas pessoas na sua totalidade, se analisarmos calmamente as suas vidas, tomamos consciência de que, afinal, apenas uma pequena parte do que fizeram realmente ressoa em nós e é orientador dos nossos próprios próximos passos. Ou seja, esquecemos-nos frequentemente que aquilo que admiramos e desejamos não pertence exclusivamente a uma vida específica, e que pode ser alcançado em doses mais pequenas, ou mesmo menos intensas, mas ainda assim muito reais, que abrem a possibilidade de versões mais pequenas, mais práticas e até adaptáveis, e, principalmente, mais realistas, das vidas que queríamos ter.

Os nossos sentimentos de inveja tentam dizer-nos alguma coisa... e nós devíamos ouvi-los.


Ou fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter
enveja.

(Luiz Vaz de Camões, in Os Lusíadas)



Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Amor sem violência

Uma relação de namoro, uma relação conjugal, uma relação amorosa, é uma construção a dois, e por vezes é necessário muito trabalho de equipa, muita compreensão e muita tolerância. Uma construção de algo não é simplesmente estar em conjunto, é importante a partilha de valores, a aprendizagem mútua, a compreensão de cada forma de ser do outro, para que cada um se possa adaptar um pouco à outra pessoa. São necessários esforços, as coisas não encaixam simplesmente, não correm sempre bem e saber gerir as discussões é algo essencial num casal e conseguirem explicar um ao outro o que se está a sentir. Mas acima de tudo, tem de haver aceitação pela outra pessoa.

Contudo há limites para essa aceitação. O limite é o amor-próprio.

Existem diferentes formas de violência nas relações, não é apenas a física, mas também a sexual, a verbal, a psicológica e a social. No entanto, enquanto a violência física é óbvia, outros tipos de abuso são mais subtis e difíceis de detectar, mesmo para a pessoa que está a ser submetida.
VIOLÊNCIA FÍSICA: Quando surge o empurrar, agarrar ou prender, atirar objectos; dar bofetadas, pontapés e/ou murros; ameaçar em usar a força física ou a agressão.
VIOLÊNCIA SEXUAL: Quando há a obrigação de práticas sexuais mesmo quando o outro elemento do casal não queira; a carícia forçada.
VIOLÊNCIA VERBAL: Quando surgem insultos ou gritos; humilhação, através de críticas e comentários negativos (ex.: “Não vales nada.”); intimidações e ameaças.
VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA: Quando a pessoa parte ou estraga os objectos ou roupa do parceiro; quando há o controlo da maneira de vestir; o controlo do que se faz nos tempos livres e ao longo do dia; quando há o controlo através de ligar constantemente ou enviar mensagens; quando há uma ameaça de terminar a relação como estratégia de manipulação; quando há manipulação por vezes muito subtil para que a pessoa faça o que o outro quer.
O silêncio também pode ser usado como uma táctica de abuso emocional. De facto, a indiferença associada, causa profundas feridas emocionais, não só porque aumenta o nível de ansiedade na pessoa, mas também causa danos na sua auto-estima e causa enorme insegurança. A pessoa que usa o silêncio tem o objectivo de punir a outra pessoa, não respondendo, mostrando-se frio e distante e assim, como a situação se torna insuportável para a outra pessoa, esta acaba por pedir desculpas por algo que não fez. O objectivo acaba por ser concretizado: dominar e manipular, jogar com as emoções, criar insegurança e incertezas.
VIOLÊNCIA SOCIAL: Quando há a humilhação em público, especialmente junto de familiares e amigos; quando se mexe, sem o consentimento, no telemóvel, nas contas de correio electrónico; quando há a proibição do convívio com os amigos e/ou com a família.

Todas as formas de violência têm um objectivo comum: magoar, humilhar, controlar e assustar. É importante reflectir sobre o que nos está a acontecer, ao mesmo tempo percebermos o que nos leva a manter esta relação. Poderá ser importante falarmos com algumas pessoas de confiança, que nos podem dar apoio, mas também para nos ajudar a perceber que o limite talvez tenha sido ultrapassado.
Por vezes, há momentos em que podemos achar que a pessoa não está bem, que houve uma complicação no trabalho, que a pessoa está alterada, e que será natural o outro elemento do casal apoiar nessas alturas também. Sim, claro! Mas há limites! E por mais desculpas que as pessoas possam apresentar, a violência não pode ser aceite.

Há micro agressões, que até por razões culturais não é dada a importância devida. Mas a partir do momento que algum comportamento do outro elemento da relação nos faça sentir mais pequenos, mais inseguros, com medo... é um sinal! Amor não é minimizar o outro, amor não é exigir que o outro mude, amor não é obrigar a outro a algo que não quer.

As pessoas que agridem fisicamente, sexualmente, verbalmente, psicologicamente e/ou socialmente a pessoa que supostamente dizem amar, têm problemas que precisam de resolver, mas não é aceitando a violência que a pessoa é ajudada.

Viver numa situação de violência e agressão numa relação amorosa tem graves consequências para a pessoa que está a ser submetida. Viver uma situação de violência numa relação prejudica a auto-estima, a visão que se tem de si próprio, sente-se que não se tem valor, pensa-se que se tem alguma característica negativa que justifique a violência.

O problema não está em quem sofre de violência. Não há desculpa aceitável para a violência.

Quando temos uma baixa auto-estima, temos pouca confiança em nós e desvalorizamo-nos. Temos uma tendência em nos focar nos aspectos mais negativos, nos erros que cometemos, culpamo-nos do que acontece, não nos sentimos amados e podemos até achar que não merecemos que alguém goste de nós e até merecemos um tratamento que não é aceitável. É importante procurar formas de aumentar a auto-estima, de se valorizar... e ao viver numa relação com violência não o irá conseguir fazer, porque é uma relação destrutiva.

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

domingo, 5 de junho de 2016

E Depois do Adeus – O Processo de Luto


Falar de luto, nem sempre é fácil, na medida em que nos remete de imediato para a ideia de morte e é inegável, que a grande maioria de nós, tem dificuldade em aceitar a perda e em lidar com a finitude, o efémero e transitório.
No entanto, o luto é vivenciado não apenas perante a morte física de alguém, mas também sempre que ocorre uma perda significativa, nomeadamente uma separação, perda de emprego, mudança de casa, instalação de uma doença grave ou de uma condição física incapacitante como resultado de um acidente. Neste sentido, a determinada altura da vida, todas as pessoas têm de lidar com o luto – e podem fazê-lo de uma forma mais ou menos equilibrada.
Ao contrário do que muitos acreditam, o luto não é um transtorno ou uma doença, mas um processo normal e adaptativo, que é necessário ser vivido para que a dor da perda seja ultrapassada,  possibilitando novamente o reinvestimento na realidade.
O processo do luto e a sua duração, variam consoante as características da pessoa enlutada, no que respeita à sua idade, personalidade, fase da vida em que se encontra, bem como consoante a idade da pessoa falecida, a qualidade da relação que existia, a causa de morte (doença prolongada, doença súbita, acidente, suicídio ou outro) e a rede familiar e social existente.
No luto são comuns os estados emocionais de negação, raiva, revolta, tristeza, desespero, confusão e até culpa. Cada pessoa pode, em momentos diferentes, experimentar todos estes estados ou apenas alguns, bem como manifestações físicas nomeadamente alterações do sono e do apetite, perda de energia, dores do corpo ou enfraquecimento do sistema imunitário.
Para um processo de luto ser bem sucedido é importante serem experimentadas  todas as emoções associadas à dor do luto, para que posteriormente, exista espaço para novas emoções como o amor, a saudade, a alegria. Quando o luto é finalizado, é possível aceitar a perda e recordar sem haver um sofrimento intenso e constante, o que possibilita o reinvestimento na realidade pela criação de novos laços com a vida.
De uma maneira geral, é esperado que ao longo do primeiro ano após a perda,  a pessoa comece a experimentar uma redução gradual da intensidade do desespero e da tristeza, retomando as suas rotinas. No entanto, algumas pessoas, mesmo ao fim de um ano, permanecem fixadas no sofrimento e na tristeza, incapazes de retomar os seus hábitos e compromissos. Nestes casos, poderá ocorrer a instalação de quadros de depressão mais graves e marcados por ideação suicida e pela crença irracional de que o suicídio é a forma de voltar a estar com a pessoa que partiu.
A intensidade disfuncional dos sintomas é merecedora de atenção e estas pessoas poderão beneficiar ClaraMente de acompanhamento psicológico. A psicoterapia poderá ser encarada como uma mais-valia, pois constitui-se como o espaço no qual a pessoa poderá sentir-se acompanhada e acolhida para expressar e elaborar as suas emoções, organizar os seus pensamentos, enfrentar memórias e desenvolver mecanismos internos que lhe permitam evoluir no processo de luto.
A dor da despedida terá inevitavelmente de ser vivida durante o processo de luto para que, depois do adeus, a pessoa se reencontre novamente consigo, com os outros, com a vida e retome a sua história.



sexta-feira, 3 de junho de 2016

“Penso, logo existo!” Mas... e quando pensamos demais???

Por vezes vezes, ao precisar tomar uma decisão, ou mesmo quando já a tomámos, ponderamos os prós e os contras, procuramos olhar a situação de todas as perspectivas. Detemo-nos de tal forma a analisar TODOS os cenários (os possíveis, os improváveis, os óbvios...), que, muitas vezes, acabamos por não conseguir decidir (seja porque ficamos sobrecarregados de informação, ou simplesmente porque já não vamos a tempo de o fazer) ou parar de pensar na decisão que tomámos.
Para além disso, há o impacto que este tempo, esta pesquisa, esta preocupação, esta dança de cadeiras interior, tem na nossa vida quotidiana. Naquela que está a acontecer agora, no presente. Quantas vezes estamos a realizar uma determinada actividade e a nossa mente foge para qualquer outro lado? Frequentemente podemos estar (ou tentar estar) focados numa tarefa e parecem surgir pop-ups constantes na nossa cabeça...
E tudo isto parece agravar quando, para mais, cometemos um erro no qual não deixamos de pensar, há uma conversa em que ficámos calados quando achamos que nos devíamos ter defendido, nos detemos a pensar no que o nosso chefe vai achar do nosso desempenho, ou quando vamos encontrar o “verdadeiro amor” e como ele nos vai tratar, se vamos casar ou não, se vamos ser promovidos e o que vamos fazer com o dinheiro que poderemos vir a receber, etc , etc, etc.
É verdade que, de vez em quando, todos pensamos demais (overthinking, em inglês)... mas há momentos em que simplesmente parece impossível fazer frente a esta ruminação e preocupação constantes. A ruminação tem a ver com ficar a remoer naquilo que aconteceu ou devia/poderia/desejávamos ter acontecido, no passado. Enquanto que a preocupação está associada aos eventos futuros, percepcionados de uma forma essencialmente negativa e muitas vezes, até mesmo, catastrófica.
Esta angústia constante, não só é cansativa e desagradável, como coloca em risco a nossa saúde mental. E, quando a saúde mental está comprometida, há uma maior tendência para pensarmos demais, gerando-se assim um ciclo vicioso do qual será mais difícil sair.
Assim, hoje apresento-vos algumas estratégias que poderão ajudar a não entrar nesse ciclo, ou mesmo a quebrá-lo.
Como em muitas outras situações, o primeiro aspecto a ter em conta é a consciência do problema. Dizermos a nós mesmos que não podemos pensar acerca de determinado assunto, muito provavelmente irá fazer precisamente com que não consigamos pensar acerca de mais nada nos minutos seguintes. Ou seja, tentar fugir destes pensamentos quando eles surgem pode mesmo piorar a situação. Assim,

1. Repare quando estiver a pensar demasiado
Quando a sua mente parecer estar a passar o mesmo filme vezes sem conta (ou seja, a repetir quase interminavelmente a memória do mesmo episódio) ou a preocupar-se com coisas que não consegue controlar, tome consciência de que esses pensamentos não são produtivos.

2. Aumente a consciência acerca do pensamento negativo dando-lhe um nome
Designar o tipo de pensamento que estamos a ter (catastrofização, ruminação...) não só ajuda a aumentarmos a consciência acerca dele, como também cria uma maior actividade da zona do cérebro relacionada com a regulação emocional.

 3. Desafie os seus pensamentos
É fácil cedermos perante alguns pensamentos negativos, ao imaginarmos quão mau vai ser se tivermos determinada atitude. Mas antes de assumir que a sua relação vai terminar porque se esqueceu do aniversário do seu companheiro, ou que vai ser despedido se não for trabalhar no dia em que acordou com 40’ de febre, tome consciência de que os seus pensamentos podem estar a ser exageradamente negativos. Aprenda a reconhecer e a substituir os seus erros de pensamento antes de se deixar afogar por eles.

4. Foque-se numa Resolução Activa de Problemas
Não podemos evitar ter problemas (às vezes eles parecem, simplesmente, aparecer do nada), mas podemos procurar soluções para eles. Em vez de nos determos a perguntarmos a nós mesmos por que é que algo aconteceu, podemos antes perguntar-nos o que é que podemos fazer acerca disso, ou seja, quais os passos a seguir para aprendermos com um erro que cometemos ou para evitarmos um problema futuro.

5. Reserve tempo para reflexão
Ainda que determo-nos infinitamente nos problemas não seja saudável, não vamos conseguir (nem seria saudável) não pensar neles de todo. Assim, podemos incluir 20 minutos de reflexão na nossa agenda diária! Neste período somos livres para preocupações, ruminações e ponderações acerca daquilo que quisermos. Acabado este tempo, redireccionemos o nosso foco para algo mais produtivo. Isto pode ser particularmente útil uma vez que, se nos apercebermos de que estamos a pensar demasiado acerca de determinado assunto, podemos lembrar-nos de que iremos ter oportunidade de pensar acerca dele mais tarde, no tempo de reflexão.

6. Pratique Mindfulness

Ao comprometermo-nos com o momento presente, ou seja, ao tornarmo-nos mais conscientes do aqui e agora, estamos a reduzir a possibilidade de nos determos em arrependimentos de ontem ou em preocupações acerca do amanhã. O mindfullness requer prática, mas é um óptimo aliado a combater os pensamentos automáticos.


Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.