terça-feira, 12 de março de 2019

As incertezas dos 30

Hoje vamos falar sobre o elefante numa sala de jovens com 30 anos. Enquanto crianças, estes jovens foram sendo incentivados a estudar, ter boas notas e escolher um bom curso universitário que lhes permitisse um futuro de sucesso. Foi-lhes dito que aos 30 anos teriam uma carreira de sucesso, um emprego para a vida, um bom ordenado, carro, casa própria e uma família construída. Mas será essa a realidade com que nos deparamos?

Com a crise económica mundial de 2008, que teve repercussões nefastas para Portugal tendo originado um resgate financeiro, temos vindo a verificar uma grande disparidade entre as expectativas criadas para estes jovens e a realidade que vivem atualmente.


Quando chegam ao mercado de trabalho em plena crise económica, e em moldes que se têm mantido desde então, as suas expectativas de um emprego para a vida são defraudadas logo à partida. Com contratos de estágio temporários que quase nunca passam a contrato de trabalho efetivo, contratos de trabalho a 6 meses renováveis por três vezes e no fim a fila do Centro de Emprego mais próximo, ou os famosos recibos-verdes e os seus mais de 40% de contribuições, sem 13º nem 14º mês, sem subsídio de desemprego, doença, parentalidade, etc., etc. Logo aqui caem por terra as primeiras expectativas do emprego para a vida, quando de contrato em contrato, de empresa em empresa, flutuam aflitivamente para se manter à superfície e conseguir a sua (pouca) independência e liberdade financeira.

Depois vem o bom ordenado…. Ora caso estes contratos temporários oferecessem um ordenado chorudo, qualquer jovem iria sentir-se grato por ter uma experiência de trabalho onde pudesse adquirir conhecimentos e aplicar os que adquiriu durante a sua formação académica. Contudo não foi/não é isso que se tem verificado. Abundam ofertas onde são solicitados requisitos obrigatórios por vezes não essenciais à função, com uma enorme exigência, e no fim a oferta fica-se pelo ordenado mínimo nacional (485€ à época, 600€ atualmente), para alguém que estudou cerca de 16 anos e com formação superior. Em 2019 continuamos a assistir a ofertas que oferecem o Salário Mínimo Nacional a trabalhadores com experiência, com formação superior (Licenciados e Mestres), para trabalho altamente especializado, com grande responsabilidade e essencial para a vida das empresas. Mais uma expectativa criada pela sociedade e que não se concretiza.

Sem estas duas premissas, a primeira de um emprego estável e a segunda de um bom ordenado, onde fica a carreira de sucesso? Fica inevitavelmente relegada para o recanto dos sonhos que parecem impossíveis de realizar. Atrás da carreira de sucesso desmoronam-se as expectativas da aquisição de carro (por mais barato e antigo que possa ser, comporta imensos custos anuais), as de comprar casa às prestações (porque o mercado imobiliário entrou numa bolha especulativa, em que qualquer pardieiro serve como habitação mesmo sem as mínimas condições e a preços exorbitantes), e sem estas duas condições torna-se impossível formar uma família.

Ouvem-se muitas vezes comentários de gerações anteriores de que estes  jovens são preguiçosos, pouco ambiciosos e acomodados. Que não lutam, que se queixam demasiado, mas será que assim é? Será que este impasse geracional que encontramos atualmente pode ser comparado ao que se tem verificado nas décadas anteriores? Estes jovens têm hoje menos poder de compra do que a geração que lhes criou estas expectativas, tem hoje menos filhos do que as gerações anteriores, mas pelo contrário tem hoje mais estudos e mais qualificação do que alguma vez na história. Tivemos durante este resgate económico níveis de emigração muito próximos aos da década de 1960, época de enormes dificuldades económicas para as famílias Portuguesas e de dificuldades políticas e sociais devido à Ditadura que se vivia. 

Qual o impacto psicológico deste choque entre expectativas e realidade? Será que estão os nossos jovens a conseguir adequar as suas expectativas anteriores à realidade atual? Não podemos afirmar com certezas, mas temos uma prevalência cada vez mais acentuada de doença mental em Portugal, percentagens de utilização de medicamentos psiquiátricos em valores considerados muito acima do aceitável, depressões, ansiedades, stress, esgotamentos, burnouts….

É necessário olhar para esta situação de um ponto de vista crítico, científico e interventivo, para que se possa apoiar estes jovens, permitir-lhes criar expectativas realistas e adaptadas à realidade económica e social em que vivem. Não como uma forma de os tornar resignados, menos ambiciosos ou pouco lutadores, mas para lhes permitir lidar com a frustração enorme que sentem por não cumprirem com o que seria esperado de si, permitindo uma restruturação dessas expectativas desajustadas e da visão com que encaram esta mesma realidade.

Escrito por: Nuno Gago