Aprendemos com Sartre que as coisas não têm
que ser como são. Procuro trazer para terapia esta noção de liberdade, de
oportunidade, de escolha... esta verdade de que somos muito mais livres do que
nos permitimos imaginar perante todos os compromisso, regras, preconceitos e
obrigações. Parece-nos impossível acreditarmos que quase tudo nos é possível e
permitido.
Isto não significa (como ouvimos em muitos sítios)
que “basta querer”. Onde pretendo chegar é que muito daquilo que muitas vezes
vivenciamos como obrigações, imposições, ou mesmo o nosso (tão português) fado,
são, na verdade, escolhas.
Não são poucas as vezes que ouvimos um amigo
ou alguém na rua lamentar-se de que está “preso” num emprego que detesta, ou
numa relação sem crescimento. Acredito que se sintam sem alternativa, mas quão
presas estarão, efectivamente, estas pessoas? A possibilidade de mudar
está-lhes realmente vedada? Não há nada que possam fazer relativamente ao
emprego que odeiam ou à relação que estagnou? O que as impede de se despedirem,
mudarem de país, reiventarem-se como pessoas completamente diferentes, ou
saírem de casa, terminarem a relação que tinham?
Em poucos segundos, conseguimos encontrar um
sem número de razões por que tal não seria apropriado, viável, ou mesmo possível.
E é aqui que recordo novamente Sartre – o seu desejo de nos dar acesso a um modo
de pensar diferente, de libertar a nossa imaginação.
Frequentemente acontece não nos apercebermos
da imensidão de escolhas que temos ao nosso alcance, mas outras vezes parecemos
não estar dispostos a pagar o valor que essas escolhas acarretam... e isso, é
uma escolha por si só. De forma a concretizarmos plenamente a nossa liberdade,
chegamos ao conceito Sartriano de “angústia” da existência, em que tudo é
(assustadoramente) possível porque nada tem um sentido ou propósito pré-determinado,
ou determinado por Deus, e que defende que os seres humanos se vão inventando à
medida que avançam e são livres para abandonar as amarras a qualquer momento. É
natural que possa parecer assustador... o termo “angústia” não terá surgido por
mero acaso. Mas para Sartre, a angústia era um sinal de maturidade, um sinal de
que estamos plenamente vivos e devidamente conscientes da realidade, com a sua
liberdade, suas possibilidades e suas escolhas de peso.
Não me parece possível escolhermos
de forma livre sem auto-conhecimento. Mas, infelizmente, a vida quotidiana
parece recompensar as perspectivas mais práticas, não introspectivas, de
auto-justificação, que em nada facilitam esse estado de maior consciência
acerca de nós próprios. Por outro lado, a psicoterapia, o desenvolvimento
pessoal, ou até mesmo os momentos em que nos arriscamos a ficar a sós connosco
próprios, possibilitam-nos o privilégio de acedermos à nossa “mente superior”,
ou neocórtex, a sede da imaginação, empatia e julgamento imparcial, o lugar
onde as escolhas podem ser feitas de forma mais livre e genuína.
Ana Luísa
Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
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