
Não fosse isso suficiente para algumas desilusões, crescemos
ainda com o ideal romântico de que uma mesma pessoa vai dar resposta à nossa lista
infindável de necessidades, e, nela, entre outras qualidades, encontraremos o
melhor amante, o melhor amigo, o melhor pai, o fiel confidente, o companheiro emocional,
o par intelectual... Mas, mesmo quando racionalmente até podemos perceber que é
algo bastante improvável, porque o mantemos?!? Em parte, porque ao sermos nós
próprios essa pessoa para o outro, temos a ilusão de que somos únicos,
indispensáveis, insubstituíveis, “O/A tal”. Contudo, uma ameaça à relação
parece dizer-nos que não! E a sensação de segurança e pertença antes sentida é dolorosamente
abalada.
Quando essa ameaça envolve a existência de uma terceira
pessoa, aos olhos de muitos de nós isso representa talvez o maior desrespeito
pela relação, a traição do amor que a outra pessoa sente... Talvez poucos de
nós nos detenhamos a pensar que, numa relação, a traição pode surgir de muitas
outras formas: Quando desprezamos o outro, não estaremos também a trair? Negligenciarmos
a relação ou o outro não será, também, traição? A indiferença, a violência, a
falta de empenho ou envolvimento, não são também elas desrespeitadoras do sentimento que o outro tem
por nós?
Numa época em que as pessoas já não se divorciam apenas por
estarem infelizes, mas porque sentem que podem ser mais felizes, os estudos mostram-nos
que o número de divórcios representa 50% do dos casamentos, e que a percentagem
de relacionamentos que experiencia alguma forma de infidelidade pode chegar aos
75% (a definição de infidelidade não é consensual, havendo uma grande variação
de valores). Isto parece mostrar que mais do que não amarem o seu companheiro,
mais do que estarem infelizes, as pessoas sentem não estar a ter o que querem e
precisam nas suas relações.
Esther Perel, psicoterapeuta que se tem dedicado a
estudar as relações humanas, nomeadamente a tensão entre as necessidades de segurança
(amor, pertença, proximidade) e as necessidades de liberdade (aventura, desejo
e distância), refere que o desejo que está presente nos casos extraconjugais é
diferente daquele que habitualmente se pensa: mais do que de sexo, trata-se do
desejo de atenção, desejo de nos sentirmos especiais, desejo de nos sentirmos
importantes. Isto leva Perel a alertar que a traição sexual é apenas uma das
formas de magoar um companheiro, e que a vítima de um caso extraconjugal nem sempre é a vítima de uma relação.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
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