A ideia de um mesmo par romântico para a vida, de que as
relações se desenrolam com um período inicial de namoro, com um nível crescente
de compromisso, casamento, filhos, até que um dia um dos elementos do casal
morre, já não é a única a ser considerada. Ainda assim, continua a ser
assustadoramente comum que qualquer desvio a esta sequência seja, para muitos,
sinónimo de fracasso. Se a pessoa por quem nos apaixonámos há 30 anos atrás (há
10, há 5, há 2...) não é aquela com quem estamos neste momento é porque, muitos
dirão, alguma coisa correu mal, não soubemos fazer as coisas como deve ser.
Vimos já anteriormente que
a existência de uma alma gémea é mais do que questionável, e que dificilmente encontraremos alguém que seja completamente
compatível connosco. Para além disso, e mesmo podendo fantasiar com essa ideia,
somos pessoas, seres mutáveis, em permanente mudança. Numa relação, não crescemos
necessariamente ao mesmo ritmo, e nem sempre na mesma direcção. O que queremos
hoje pode ser bastante diferente do que queríamos há 30 (10, 5, 2...) anos
atrás... e será, quase certamente, diferente daquilo que vamos querer daqui a 2
(5, 10, 30...) anos.
Não fosse isso suficiente para algumas desilusões, crescemos
ainda com o ideal romântico de que uma mesma pessoa vai dar resposta à nossa lista
infindável de necessidades, e, nela, entre outras qualidades, encontraremos o
melhor amante, o melhor amigo, o melhor pai, o fiel confidente, o companheiro emocional,
o par intelectual... Mas, mesmo quando racionalmente até podemos perceber que é
algo bastante improvável, porque o mantemos?!? Em parte, porque ao sermos nós
próprios essa pessoa para o outro, temos a ilusão de que somos únicos,
indispensáveis, insubstituíveis, “O/A tal”. Contudo, uma ameaça à relação
parece dizer-nos que não! E a sensação de segurança e pertença antes sentida é dolorosamente
abalada.
Quando essa ameaça envolve a existência de uma terceira
pessoa, aos olhos de muitos de nós isso representa talvez o maior desrespeito
pela relação, a traição do amor que a outra pessoa sente... Talvez poucos de
nós nos detenhamos a pensar que, numa relação, a traição pode surgir de muitas
outras formas: Quando desprezamos o outro, não estaremos também a trair? Negligenciarmos
a relação ou o outro não será, também, traição? A indiferença, a violência, a
falta de empenho ou envolvimento, não são também elas desrespeitadoras do sentimento que o outro tem
por nós?
Numa época em que as pessoas já não se divorciam apenas por
estarem infelizes, mas porque sentem que podem ser mais felizes, os estudos mostram-nos
que o número de divórcios representa 50% do dos casamentos, e que a percentagem
de relacionamentos que experiencia alguma forma de infidelidade pode chegar aos
75% (a definição de infidelidade não é consensual, havendo uma grande variação
de valores). Isto parece mostrar que mais do que não amarem o seu companheiro,
mais do que estarem infelizes, as pessoas sentem não estar a ter o que querem e
precisam nas suas relações.
Esther Perel, psicoterapeuta que se tem dedicado a
estudar as relações humanas, nomeadamente a tensão entre as necessidades de segurança
(amor, pertença, proximidade) e as necessidades de liberdade (aventura, desejo
e distância), refere que o desejo que está presente nos casos extraconjugais é
diferente daquele que habitualmente se pensa: mais do que de sexo, trata-se do
desejo de atenção, desejo de nos sentirmos especiais, desejo de nos sentirmos
importantes. Isto leva Perel a alertar que a traição sexual é apenas uma das
formas de magoar um companheiro, e que a vítima de um caso extraconjugal nem sempre é a vítima de uma relação.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
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