Já deu por si a
dizer que sim quando queria dizer não? Houve momentos em que os problemas de
outras pessoas eram a prioridade para si?
Aconteceu-lhe pedir desculpa exageradamente, quase por tudo e por nada,
e não dizer o que realmente estava a sentir ou a precisar? Ou até mesmo sofrer
fisicamente, por haver tanto a requerer a sua atenção no exterior que se sente
quase incapaz de escutar o seu interior e dar resposta a necessidades de auto
cuidado como o sono, o exercício, fazer pausas...? Procura ir sempre ao
encontro do outro e dar para receber? Não é o único...
Muitos de nós
vamos crescendo com a crença de que temos que ser amáveis, gentis, simpáticos,
prestáveis e agradáveis para quem nos rodeia (muitas vezes, com prejuízo para os nossos próprios
sentimentos e necessidades) para que possamos ser
merecedores do apreço e carinho dos outros. No entanto, a ideia de “dar para
receber” não é verdadeira. Pelo menos, não de uma forma proporcional.
Lamento, mas
arrisco, causar desilusões: não é verdade que “recebemos na medida em que
damos”. E por que é que arrisco contar-vos esta verdade?!? Porque não tomarmos
esta consciência leva-nos irremediavelmente a sentimentos de fracasso,
frustração, e até mesmo zanga (para connosco e/ou para com os outros), e
impede-nos de estabelecermos limites saudáveis nas nossas várias relações
(pessoais e profissionais).
Até onde é que se
pode ir? Até onde é que permito que o meu trabalho interfira na minha vida
pessoal? Quanto do outro é que posso aceitar em detrimento de mim? Até onde é
que deixo que opinem sobre as minhas decisões? Quanto de mim quero que outros
conheçam?
A resposta a
estas questões implica um certo nível de auto-conhecimento. Contudo, se, por um
lado, para respondermos precisamos conhecer-nos, por outro, questionarmo-nos
acerca dos nossos limites poderá também ajudar-nos a conhecermo-nos melhor .
Aquilo que
consideramos aceitável de uma forma geral não tem necessariamente que
corresponder àquilo que consideramos aceitável nas nossas relações. Esses são
os nossos limites. Conhecê-los é apenas o primeiro passo. Importa também
aceitá-los e defendê-los.
Quando os nossos
limites são ultrapassados é frequente a primeira emoção a ser sentida ser a
raiva, que é aquela que nos protege em situações de perigo percebido, aumentando
o nosso batimento cardíaco e a pressão sanguínea para que possamos dar resposta
à reacção mais adequada: lutar, fugir ou parar (em inglês: fight, flight,
freeze). É também habitual sentir-se medo e ansiedade. Assim, parece fácil
estarmos atentos aos nossos limites e não deixarmos que eles sejam
ultrapassados... a raiva, o medo e a ansiedade avisam-nos. O problema, como já
vimos antes, é que emoções como o medo e a raiva são algo para o
qual temos uma incrível tendência de evitamento. Se não nos permitirmos sentir
todas as nossas emoções (neste caso, principalmente medo e raiva) com
amabilidade, gentileza, aceitação, não poderemos criar limites saudáveis porque
simplesmente não nos permitimos a conhecê-los, o que poderá causar danos
significativos em nós mesmos e nos outros, através das nossas palavras e
comportamentos.
Se não nos
permitirmos a sentir raiva, como é que vamos detectar e recusar abusos? Se não
nos permitirmos a sentir medo, como nos podemos perceber e proteger do perigo?
Como referi no artigo acerca da aceitação das nossas emoções, os sentimentos aos quais não demos ainda
atenção não vão, nem conseguem ir, embora. São como conhecidos ou familiares
que não queremos convidar para as nossas festas mas que se demoram, se deixam
ficar, e se vão alimentando da energia dos restantes convidados. Assim,
talvez importa recebê-los com alguma amabilidade e perguntar-lhes gentilmente o
que pretendem, do que necessitam: “Raiva, eu agradeço que estejas a mostrar-me
que os meus limites foram ultrapassados e estão a cuidar de mim. Do que me
queres proteger, Medo?”. Para conhecermos os nossos limites, sabermos onde estão, importa então reconhecer as necessidades ligadas a
esses sentimentos, escutar a necessidade que os nossos sentimentos estão a
reclamar que seja respondida.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
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