Já aqui falámos
algumas vezes da importância de experienciarmos e sentirmos efectivamente todas
as emoções, as agradáveis e as desagradáveis... de como a alegria não é a mesma
sem haver tristeza. E se procurássemos essa mesma aceitação do nossa realidade
interna, na realidade exterior?
Por
vezes, fico com a sensação de que vivemos num mundo excessiva e (até mesmo) ridiculamente
optimista. Somos invadidos
pela ânsia de uma vida perfeita: corpos perfeitos, o trabalho perfeito, o sucesso
(comprovando o quão perfeitos somos profissionalmente); as relações perfeitas,
em que se é completa e perfeitamente compreendido pelo outro e em que também a
intimidade é perfeita; os filhos perfeitos, que se relacionam perfeitamente uns
com os outros e que terão, também eles, vidas perfeitas; a casa perfeita,
perfeitamente limpa e arrumada; a família perfeita, a rede social perfeita, a
cidade perfeita... E estas perfeições precisam, também elas, de ser perfeitas,
e, como tal, duradouras, permanentes no tempo. Para além disso, em quase todo o
lado assistimos ao apelo de felicidade, excelência, satisfação plena.
Quando é que
deixámos de poder ver o copo meio vazio?! Será que, nos dias de hoje, todos
temos que nos sentir alegres, satisfeitos, bem sucedidos, excelentes
cozinheiros, ambiciosos, empreendedores, os melhores amantes, grandes
desportistas...?!? E, pior, sempre?, e simultaneamente? Por que é que apenas a
versão perfeita e imaculada de algo é que vale a pena?
É verdade que o
perfeccionismo pode ser bastante útil em muitas situações: importa conseguirmos
imaginar bons cenários, que nos ajudarão a reunir a energia e foco necessários
para procurarmos torná-los reais. Mas lembremo-nos de que somos sempre
primeiramente expostos à competência do profissional experiente, que esses
“bons cenários”, bem sucedidos, são resultado de muito trabalho, de alguns
erros, de alguns cenários menos bons. Precisamos, por isso, ser também capazes
de elaborar imagens mais sensatas que nos mostrem a dificuldade ( e por vezes o
sofrimento) que está por trás daquilo que admiramos e desejamos alcançar.
Ser um “bom
perfeccionista” implica ser capaz de tolerar, e perdoar, os tormentos da
imperfeição (em nós próprios e nos outros) por longos e, quase sempre, difíceis
períodos... aceitarmos que “suficientemente bom” pode ser bom o suficiente.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
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