Nem toda a gente
gosta de viajar. E, daqueles que gostam, há os que preferem ir para o destino
mais distante possível, há os que gostam de “viajar cá dentro”, há os que
preferem a natureza, os que amam as grandes cidades, os que são adeptos dos
fins de semana prolongados, e os que não se importam de acumular as férias de
dois anos para poderem depois perder-se no tempo... E mesmo cada um deste
“viajantes” é também, por vezes, outro tipo de viajante. Em diferentes momentos
(cronológicos ou emocionais) das nossas vidas preferimos e fazemos viagens
diferentes...
Por vezes podemos
atribuir a capricho, ou má utilização da palavra, quando alguém diz que precisa viajar. Muitos poderão
argumentar que precisar precisa-se de
comer, de um tecto, de um agasalho no inverno... não de viajar! Mas, e se
encararmos viajar como sendo realmente uma necessidade?
Na Idade Média,
quando havia algo de errado com alguém essa pessoa era incentivada a partir em
peregrinação, dirigindo-se, por exemplo, ao local onde se encontrassem os restos
mortais de um determinado santo, preferencialmente daquele “especializado” na
preocupação, doença ou problema que se possuía. Arrisco dizer que, hoje, quase
todos que viajam fazem-no por outros motivos. Ainda assim, concordo que há
lugares no mundo que, pelas suas características, têm o quase “poder” de mudar
e ajudar a reparar algumas das nossas feridas interiores.
Quando viajamos,
todos integramos também (de uma forma mais ou menos profunda, mais ou menos
consciente) uma viagem interior. Só que, ao contrário do que acontecia na Idade
Média, agora partimos muitas vezes sem sabermos exactamente o que é que está
mal connosco, o que ou onde dói, e, por isso, partimos também sem saber muito
bem como o destino escolhido nos pode ajudar... Pode alguém partir sem saber
antes onde está? Quantas vezes o desejo de viajar traz consigo não só a vontade
para visitar algum lugar, como também a de deixar para trás determinadas partes
de nós mesmos?
E se
procurássemos aprender com aqueles nossos antepassados e nos tornássemos
viajantes mais conscientes? E se nos tornarmos mais ambiciosos relativamente às
viagens, e as encararmos como uma forma de nos ajudar a desenvolver o melhor de
nós mesmos, crescendo com as sugestões oferecidas pelos lugares em que
estivemos? Poderíamos começar por procurar conhecer outras características que
cada lugar possui: não o tipo de alojamento que existe, ou a facilidade em
levantar dinheiro, ou mesmo a distância a um hospital... outras qualidades como
a calma, a sensualidade, o rigor, a tolerância, a perspectiva. Ao atentarmos a
estes detalhes, poderemos permitir que a viagem exterior nos ajude na interior
também – o que só é possível se nos arriscarmos olhar para dentro, saber onde
estamos bem lá no fundo do nosso Eu.
Qualquer local para
onde possamos viajar possui características que podem proporcionar algum tipo
de mudança benéfica. Há sítios que podem ajudar-nos com a timidez, outros com a
ansiedade. Os desertos, por exemplo, parecem poder ajudar-nos a promover a
nossa humildade, recordando-nos, por exemplo, como somos, à escala global,
apenas uma pequena peça.
Assim, é como se
o acto de viajar atingisse o seu potencial máximo ao ajudar-nos, quase como uma
forma de terapia, a corrigir os desequilíbrios e imaturidades que nos são naturais.
As viagens
permitem-nos, muitas vezes, procurar no mundo exterior onde precisamos ir no
nosso mundo interno. Para isso é necessário arriscar... Deixar de viajar apenas
para onde nos é confortável no nosso
interior, para onde nos é familiar, deixando de procurar nesses locais apenas
repetir o que já temos.
"A verdadeira viagem de descoberta não consiste
em ver novas paisagens, mas em observar com novos olhos."
Marcel Proust
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia,
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