sexta-feira, 8 de julho de 2016

"Sou do tamanho do que vejo..." E não do tamanho do meu grupo de amigos - uma introdução à Introversão

Na semana passada lancei a questão “Quando é que deixámos de poder ver o copo meio vazio?!”, reflectindo acerca de uma espécie de “obrigatoriedade” de estarmos (e sempre) optimistas em relação às coisas; alegres, satisfeitos, bem sucedidos em todos os nossos papéis. A pergunta foi-me acompanhando, evoluindo, fui-me questionando, e foram surgindo questões como: Quando iremos deixar de termos de ser todos líderes, excelentes oradores, super sociáveis e sociais? Quando é que será admissível para a nossa sociedade podermos ter menos de 100 amigos no Facebook, ou (utopia!) não termos sequer Facebook? Quando é que não seremos apelidados de esquisitinhos, bichos do mato, ou impulsionar preocupações acerca de uma possível depressão, quando recusamos o convite para a mega festa de fim de verão (ou de qualquer outra coisa... porque motivos para festejar, convenhamos, parece ser coisa que não escasseia) por querermos, simplesmente, ficar em casa, com o estore em baixo, a ver um filme? Quando é que estas situações vão poder novamente entrar no campo das Escolhas que fazemos? Quando é que os outros (os que festejam o fim (e o início, e o decorrer) de cada Verão 10 vezes; os que têm 3000 amigos no Facebook e, verdade seja dita, uns 500 “próximos” na vida real; os que passam os meses de Novembro e Dezembro em jantares de Natal; os que falam sem parecer que algumas vez se calam...) vão deixar de pensar que uma vida sossegada e pacata não é algo imposto aos que não souberam fazer pela vida, e que tiveram que se resignar à sua incapacidade social?
Esses, os pensativos e introspectivos, são vistos muitas vezes como pessoas sem iniciativa e com pouca capacidade para trabalhar em equipa, que se “viraram para dentro” por terem baixa auto-estima e défice de um sem número de outras qualidades consideradas desejáveis. Contudo, estima-se que 30 a 50% da população seja composta por introvertidos!
O que é isso de se ser introvertido?!? Bem... até mesmo na investigação acerca da personalidade, houve tempos em que a introversão era definida por aquilo que não era: extroversão. Ou seja, até por volta dos anos 80, sabia-se que se os extrovertidos eram pessoas assertivas e entusiásticas, que prosperavam em ambientes sociais altamente estimulantes, então os introvertidos eram o oposto! Ponto.
Tal como referi no artigo acerca do perfeccionismo, actualmente sinto que somos bombardeados com ideais de formas de estar e viver - já Jung falava de como vivíamos condicionados por uma sociedade que nos tenta ensinar como viver. No caso concreto da introversão-extroversão, parece que a extroversão é a forma correcta. E a “missiva” vem acompanhada de argumentos que associam atributos positivos às pessoas extrovertidas, como serem mais inteligentes, mais bonitas, mais interessantes, mais desejáveis para fazer amizade, mais criativas, mais competentes profissionalmente, e... mais felizes! A introspecção, muito associada às pessoas introvertidas, por seu lado, parece não reunir grande prestígio na nossa sociedade, e as pessoas que escolhem uma vida mais solitária são muitas vezes vistas como alguém que deixou de acreditar, em si e nos outros, e são, por isso, infelizes. Susan Cain, grande defensora da importância do papel dos introvertidos na nossa sociedade, refere que algumas das nossas melhores ideias, manifestações artísticas e invenções foram geradas por pessoas silenciosas e cerebrais que souberam sintonizar-se com o seu mundo. Sem a introversão, não conheceríamos Chopin, Proust, Orwell, Harry Potter ou não teríamos acesso ao Google.
De acordo com Cain, se por um lado se conhece há séculos o poder da solitude, actualmente parece que ele é esquecido (e, diria eu, até mesmo renegado): parece difícil conseguirmos estar com um grupo de pessoas sem imitar as suas opiniões instintivamente, muitas vezes sem sequer nos apercebermos de que o fazemos.
O meu desafio, por agora, é que possamos aceitar a ideia de que se, por um lado, os extrovertidos precisam de muita estimulação, os introvertidos parecem sentir-se mais vivos, mais ligados, e mais capazes, quando estão em ambientes mais sossegados, mais recatados.
Retomo Jung na defesa da importância de conhecermos a nossa forma de funcionamento e aceitarmo-nos como somos, a nossa personalidade, a nossa maneira de ser, em vez de nos resignarmos a ser aquilo que é esperado que sejamos.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

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