Na semana passada lancei a questão “Quando é que deixámos de poder ver o copo meio vazio?!”, reflectindo acerca de uma espécie de
“obrigatoriedade” de estarmos (e sempre) optimistas em relação às coisas; alegres,
satisfeitos, bem sucedidos em todos os nossos papéis. A pergunta foi-me
acompanhando, evoluindo, fui-me questionando, e foram surgindo questões como: Quando
iremos deixar de termos de ser todos líderes, excelentes oradores, super
sociáveis e sociais? Quando é que
será admissível para a nossa sociedade podermos ter menos de 100 amigos no
Facebook, ou (utopia!) não termos sequer Facebook? Quando é que não seremos
apelidados de esquisitinhos, bichos do mato, ou impulsionar
preocupações acerca de uma possível depressão, quando recusamos o convite para
a mega festa de fim de verão (ou de qualquer outra coisa... porque motivos para
festejar, convenhamos, parece ser coisa que não escasseia) por querermos,
simplesmente, ficar em casa, com o estore em baixo, a ver um filme? Quando é
que estas situações vão poder novamente entrar no campo das Escolhas que
fazemos? Quando é que os outros (os que festejam o fim (e o início, e o
decorrer) de cada Verão 10 vezes; os que têm 3000 amigos no Facebook e, verdade
seja dita, uns 500 “próximos” na vida real; os que passam os meses de Novembro
e Dezembro em jantares de Natal; os que falam sem parecer que algumas vez se
calam...) vão deixar de pensar que uma vida sossegada e pacata não é algo
imposto aos que não souberam fazer pela vida, e que tiveram que se resignar à
sua incapacidade social?
Esses, os pensativos e introspectivos, são vistos muitas
vezes como pessoas sem iniciativa e com pouca capacidade para trabalhar em
equipa, que se “viraram para dentro” por terem baixa auto-estima e défice de um
sem número de outras qualidades consideradas desejáveis. Contudo, estima-se que
30 a 50% da população seja composta por introvertidos!
O que é isso de se ser introvertido?!? Bem... até mesmo
na investigação acerca da personalidade, houve tempos em que a introversão era definida
por aquilo que não era: extroversão.
Ou seja, até por volta dos anos 80, sabia-se que se os extrovertidos eram pessoas
assertivas e entusiásticas, que prosperavam em ambientes sociais altamente
estimulantes, então os introvertidos eram o oposto! Ponto.
Tal como referi no artigo acerca do perfeccionismo,
actualmente sinto que somos bombardeados com ideais de formas de estar e viver
- já Jung falava de como vivíamos condicionados por
uma sociedade que nos tenta ensinar como viver. No caso concreto da introversão-extroversão, parece que
a extroversão é a forma correcta. E a
“missiva” vem acompanhada de argumentos que associam atributos positivos às
pessoas extrovertidas, como serem mais inteligentes, mais bonitas, mais
interessantes, mais desejáveis para fazer amizade, mais criativas, mais
competentes profissionalmente, e... mais felizes! A introspecção, muito
associada às pessoas introvertidas, por seu lado, parece não reunir grande
prestígio na nossa sociedade, e as pessoas que escolhem uma vida mais
solitária são muitas vezes vistas como alguém que deixou de acreditar, em si e
nos outros, e são, por isso, infelizes. Susan Cain, grande defensora da
importância do papel dos introvertidos na nossa sociedade, refere que algumas
das nossas melhores ideias, manifestações artísticas e invenções foram geradas
por pessoas silenciosas e cerebrais que souberam sintonizar-se com o seu mundo.
Sem a introversão, não conheceríamos Chopin, Proust, Orwell, Harry Potter ou
não teríamos acesso ao Google.
De acordo com Cain, se por um lado se conhece há séculos
o poder da solitude, actualmente parece que ele é esquecido (e, diria eu, até mesmo
renegado): parece difícil conseguirmos estar com um grupo de pessoas sem imitar as suas opiniões
instintivamente, muitas vezes sem sequer nos apercebermos de que o fazemos.
O meu desafio, por agora, é que possamos aceitar a ideia
de que se, por um lado, os extrovertidos precisam de muita estimulação, os
introvertidos parecem sentir-se mais vivos, mais ligados, e mais capazes,
quando estão em ambientes mais sossegados, mais recatados.
Retomo Jung na defesa da importância de
conhecermos a nossa forma de funcionamento e aceitarmo-nos como somos, a nossa
personalidade, a nossa maneira de ser, em vez de nos resignarmos a ser aquilo que é
esperado que sejamos.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário