Quantas vezes nos ouvimos a
dizer, ou ouvimos a alguém a expressão “Isto não é justo!”
Quando perdemos um jogo de
futebol e jogámos muito melhor do que o adversário, quando nos fartamos de
estudar e saem as perguntas da matéria que menos percebemos, quando sabemos
tudo muito bem e temos tudo organizado e surge um imprevisto que nos impede de atingir
o nosso objectivo. Se eu me esforcei e me empenhei tanto, se pensei em tudo,
não é justo não conseguir! Quase como que se existisse um conceito de justiça
universal, que recompensasse os bons e castigasse os maus e, quando isso não
acontece, sentimos uma indignação porque não é justo... Será assim?
Quando somos crianças,
ensinam-nos que nos devemos portar bem, cumprir as regras e ser uma boa pessoa
(a emprestar os brinquedos às outras crianças, a não fazer mal mesmo que nos
façam, etc.), com a promessa de que esse comportamento nos vai trazer
consequências positivas. Ao contrário, se desobedecemos, se não seguimos as
regras, as desgraças irão acontecer: desde um castigo ou o homem do saco que
nos vem buscar. E assim, começamos a pensar que o
mundo funciona como um juiz, justo, que vai distribuindo recompensas e punições
em função dos nossos comportamentos. Se a essa aprendizagem juntarmos também a
necessidade do ser humano de sentir que controla o que ocorre à sua volta,
temos a explicação do que se chama a “teoria do mundo justo”, onde cada qual
tem o que merece.
Definitivamente, a vida não é
justa. E ainda que vamos repetindo essa ideia a nós mesmos, e muitas vezes, não
é por isso que a pequena esperança dentro da nossa cabeça desaparece, que nos
leva a manter o pensamento (quase que mágico), que o malvado irá receber antes
ou depois o seu merecido castigo, e que as pessoas boas acabarão por ser
recompensadas.
Para lidarmos com as inúmeras
tragédias que acontecem diariamente no nosso mundo, diminuindo ao máximo a
sensação de ameaça constante, tendemos muitas vezes a tentar encontrar
explicações "racionais" que nos levem a acreditar que tais factos
jamais nos irão acontecer, formando assim uma crença de que o mundo, de uma
forma ou outra, é justo com as pessoas decentes, boas, cuidadosas e justas, e
que desgraças acontecem geralmente às pessoas más ou que fazem por merecer.
Baseado nisso, Melvin J. Lerner criou a teoria da Crença no Mundo Justo (CMJ), que pode ser caracterizada como uma
atribuição defensiva, de acordo com a qual se acredita que todos têm o que
merecem e merecem o que têm. A CMJ ajuda-nos a manter a nossa visão da vida
como segura, organizada e previsível. Esta crença está intimamente relacionada
com factores sociais, políticos, interpessoais e culturais que regulam as
crenças.
De acordo com Melvin J. Lerner, a
crença no mundo justo é uma ilusão fundamental para que mantenhamos a nossa
percepção de invulnerabilidade face às ameaças da vida. A nós não nos
acontecerá porque somos bons. Sabemos que as pessoas com maior CMJ têm níveis
de bem-estar psicológico mais elevados. Contudo, a essas pessoas pode ser mais
difícil ultrapassar um trauma quando elas próprias ou familiares passam por uma
situação trágica que não tiveram o controlo. Segundo esta teoria, todas as
pessoas, em maior ou menor grau, têm necessidade de acreditar que o mundo é
justo. Contudo, temos que ter algum
cuidado... É importante perceber que faz sentido querermos sentir-nos seguros e
que naturalmente a teoria do Mundo Justo é como que uma forma de nos adaptarmos
/sobreviver ao mundo em que vivemos, e de lidarmos com os medos, preocupações e
perigos que nos rodeiam. Evidentemente não nos podemos sentir sempre
vulneráveis e em perigo, não seria possível vivermos nesse estado constante.
Mas, um exemplo infelizmente
demasiado conhecido - A necessidade de culpar as verdadeiras vítimas em casos
de violação, na sua maior parte, mulheres: "Se elas tivessem uma saia
menos curta ou decote decente nada disto aconteceria." Assim, é importante
percebermos até que ponto é que as culpabilizações que fazemos às vítimas não
servirão apenas para restabelecermos a nossa crença no mundo justo, e aliviar o
sofrimento que a confirmação das injustiças nos provoca. Se calhar, podemos
estar apenas a ser ainda mais injustos!?
É essencial termos consciência do
nosso nível na teoria da Crença no Mundo Justo e de que forma isso nos faz
avaliar as tragédias que surgem, porque pode-nos levar a sermos bastante
injustos na avaliação dos outros. Talvez possamos fazer algo mais concreto na
luta contra essas injustiças, para diminuirmos a nossa sensação de
vulnerabilidade? Talvez possamos aceitar que o Mundo afinal não é assim tão
(nem sempre) Justo? Como nos poderemos sentir menos vulneráveis sem ser através
de uma inversão de culpa (culpabilizando as vítimas), para que a teoria do
Mundo Justo seja mais verdadeira?
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
Achei este artigo muito interessante (pareceu-me ter algo a ver) https://www.publico.pt/ciencia/noticia/es-pobre-porque-nao-mereces-ser-rico-1619945#
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu comentário MJPeres. Realmente esse artigo tem muito a ver com a teoria na Crença do Mundo Justo e está muito completo. Agradecemos a sua partilha. Iremos divulgar na nossa página de FB.
Eliminar