terça-feira, 12 de julho de 2016

O Mundo afinal é ou não é Justo!?

Quantas vezes nos ouvimos a dizer, ou ouvimos a alguém a expressão “Isto não é justo!”

Quando perdemos um jogo de futebol e jogámos muito melhor do que o adversário, quando nos fartamos de estudar e saem as perguntas da matéria que menos percebemos, quando sabemos tudo muito bem e temos tudo organizado e surge um imprevisto que nos impede de atingir o nosso objectivo. Se eu me esforcei e me empenhei tanto, se pensei em tudo, não é justo não conseguir! Quase como que se existisse um conceito de justiça universal, que recompensasse os bons e castigasse os maus e, quando isso não acontece, sentimos uma indignação porque não é justo... Será assim?

Quando somos crianças, ensinam-nos que nos devemos portar bem, cumprir as regras e ser uma boa pessoa (a emprestar os brinquedos às outras crianças, a não fazer mal mesmo que nos façam, etc.), com a promessa de que esse comportamento nos vai trazer consequências positivas. Ao contrário, se desobedecemos, se não seguimos as regras, as desgraças irão acontecer: desde um castigo ou o homem do saco que nos vem buscar. E assim, começamos a pensar que o mundo funciona como um juiz, justo, que vai distribuindo recompensas e punições em função dos nossos comportamentos. Se a essa aprendizagem juntarmos também a necessidade do ser humano de sentir que controla o que ocorre à sua volta, temos a explicação do que se chama a “teoria do mundo justo”, onde cada qual tem o que merece.

Definitivamente, a vida não é justa. E ainda que vamos repetindo essa ideia a nós mesmos, e muitas vezes, não é por isso que a pequena esperança dentro da nossa cabeça desaparece, que nos leva a manter o pensamento (quase que mágico), que o malvado irá receber antes ou depois o seu merecido castigo, e que as pessoas boas acabarão por ser recompensadas.

Para lidarmos com as inúmeras tragédias que acontecem diariamente no nosso mundo, diminuindo ao máximo a sensação de ameaça constante, tendemos muitas vezes a tentar encontrar explicações "racionais" que nos levem a acreditar que tais factos jamais nos irão acontecer, formando assim uma crença de que o mundo, de uma forma ou outra, é justo com as pessoas decentes, boas, cuidadosas e justas, e que desgraças acontecem geralmente às pessoas más ou que fazem por merecer. Baseado nisso, Melvin J. Lerner criou a teoria da Crença no Mundo Justo (CMJ), que pode ser caracterizada como uma atribuição defensiva, de acordo com a qual se acredita que todos têm o que merecem e merecem o que têm. A CMJ ajuda-nos a manter a nossa visão da vida como segura, organizada e previsível. Esta crença está intimamente relacionada com factores sociais, políticos, interpessoais e culturais que regulam as crenças.

De acordo com Melvin J. Lerner, a crença no mundo justo é uma ilusão fundamental para que mantenhamos a nossa percepção de invulnerabilidade face às ameaças da vida. A nós não nos acontecerá porque somos bons. Sabemos que as pessoas com maior CMJ têm níveis de bem-estar psicológico mais elevados. Contudo, a essas pessoas pode ser mais difícil ultrapassar um trauma quando elas próprias ou familiares passam por uma situação trágica que não tiveram o controlo. Segundo esta teoria, todas as pessoas, em maior ou menor grau, têm necessidade de acreditar que o mundo é justo. Contudo, temos que ter algum cuidado... É importante perceber que faz sentido querermos sentir-nos seguros e que naturalmente a teoria do Mundo Justo é como que uma forma de nos adaptarmos /sobreviver ao mundo em que vivemos, e de lidarmos com os medos, preocupações e perigos que nos rodeiam. Evidentemente não nos podemos sentir sempre vulneráveis e em perigo, não seria possível vivermos nesse estado constante.

Mas, um exemplo infelizmente demasiado conhecido - A necessidade de culpar as verdadeiras vítimas em casos de violação, na sua maior parte, mulheres: "Se elas tivessem uma saia menos curta ou decote decente nada disto aconteceria." Assim, é importante percebermos até que ponto é que as culpabilizações que fazemos às vítimas não servirão apenas para restabelecermos a nossa crença no mundo justo, e aliviar o sofrimento que a confirmação das injustiças nos provoca. Se calhar, podemos estar apenas a ser ainda mais injustos!?

É essencial termos consciência do nosso nível na teoria da Crença no Mundo Justo e de que forma isso nos faz avaliar as tragédias que surgem, porque pode-nos levar a sermos bastante injustos na avaliação dos outros. Talvez possamos fazer algo mais concreto na luta contra essas injustiças, para diminuirmos a nossa sensação de vulnerabilidade? Talvez possamos aceitar que o Mundo afinal não é assim tão (nem sempre) Justo? Como nos poderemos sentir menos vulneráveis sem ser através de uma inversão de culpa (culpabilizando as vítimas), para que a teoria do Mundo Justo seja mais verdadeira?

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

2 comentários:

  1. Achei este artigo muito interessante (pareceu-me ter algo a ver) https://www.publico.pt/ciencia/noticia/es-pobre-porque-nao-mereces-ser-rico-1619945#

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    1. Muito obrigada pelo seu comentário MJPeres. Realmente esse artigo tem muito a ver com a teoria na Crença do Mundo Justo e está muito completo. Agradecemos a sua partilha. Iremos divulgar na nossa página de FB.

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