Muitos dos nossos problemas, especialmente no que diz respeito às nossas relações e trabalho, estão
relacionados com uma curiosa tendência para perdermos o contacto com as nossas
próprias emoções.
Sendo elas uma parte integrante, constitutiva mesmo, de nós
como pode isso acontecer? Como podemos não saber como nos estamos a sentir, se
somos nós que o estamos a sentir? Em parte, porque
vamos crescendo com a ideia de que determinadas emoções, bem como
comportamentos, não são aceitáveis. Sabemos bem que a tradição nos diz que “os
meninos não choram” e que “as meninas se devem comportar como senhoras”...
Também com as emoções algo semelhante vai acontecendo: se em algumas famílias a
expressão do afecto não é prática comum, noutras (ou nas mesmas) a zanga é o
maior dos pecados e, por isso, não se pode falar dela e, muito menos, senti-la.
O que acontece é
que vamos aprendendo a camuflar as emoções, especialmente as menos “aceitáveis”,
como a zanga, a inveja, a frustração. Elas estão lá, existem
em nós, mas, por inúmeras razões, acabamos por “contorná-las”, por passar por
elas sem nos permitirmos efectivamente senti-las.
Nunca vos
aconteceu? Têm a sensação de se permitirem sentir e receber as emoções à medida
que elas aparecem? Ainda bem. Mas... e já alguma vez vos aconteceu sentirem-se
plenamente tranquilos, relaxados no sofá, num bom momento de descontração e, de
repente, sem aviso, e sem grande explicação, um qualquer comentário de alguém,
uma atitude pouco significativa da pessoa que estava convosco, vos inundar de
irritação ao ponto de acabar com a serenidade daquele momento? A reacção terá
sido proporcional à acção da outra pessoa? Se não... por que terá acontecido?
Será que houve um acumular de situações em que dissemos “Sinto-me cansado”
quando o que estava em nós era um “Sinto que me desiludiste”, ou em que
verbalizámos “Estou triste” quando, lá dentro, o nosso Eu emocional grita “Estou
furioso”?
É difícil
admitirmos para nós próprios que acontecimentos pouco significativos, triviais,
do mundo exterior possam ter um impacto tão incrivelmente intenso no nosso
mundo interior. Por vezes, sentimo-nos magoados mas não dizemos nada porque
isso nos colocaria numa situação de quase humilhação (quanto mais não seja,
para connosco próprios) por estarmos a sentir algo que não é suposto sentir-se.
Muitas vezes acabamos por cair na armadilha
de expressarmos algo que tem mais de aceitável do que propriamente de verdadeiro,
de genuíno. Contudo, os sentimentos aos quais não demos ainda atenção não vão,
nem conseguem ir, embora. São como conhecidos ou familiares que não queremos
convidar para as nossas festas mas que se demoram, se deixam ficar, e se vão
alimentando da energia dos restantes convidados.
Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário