sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Entre a solidão e o amor próprio...

Há uma tendência muito maior do que assumimos para sermos profunda e injustamente hostis connosco próprios, para recusarmos perdoar-nos pelas nossas tontices, e, consequentemente tão frequente, para desconfiarmos de alguém que possa pensar bem de nós. Se olharmos de fora para este quadro, e víssemos alguém tratar-nos desta forma (como tantos de nós se tratam a si próprios), provavelmente pensaríamos no quão cruel e implacável essa pessoa é. E, provavelmente, quão longe dela gostaríamos de estar!
De alguma forma, é precisamente isso que fazemos muitas vezes: fugimos de nós! Aquela pessoa que insiste em criticar cada mudança que arriscamos, em nos amedrontar em cada desafio que desejamos abraçar, em duvidar de todas as coisas que acabamos por conseguir fazer bem... não é alguém com quem queiramos ser deixados sozinhos. E muitas vezes temos a ilusão de o conseguirmos evitando momentos a sós connosco mesmos, procurando a presença constante de outos,  ansiando que venha de fora a aprovação e o afecto que não nos conseguimos dar. Se ampliarmos isto, é como se acabássemos por nos abandonar a nós mesmos, procurando ser outra coisa, qualquer que seja, desde que seja diferente de quem sabemos ser.
Moldamos os nossos gostos aos gostos dos outros, viajamos para os destinos que muitos acham encantadores, pomos de lado os velhos (e tão nossos) trapos e vestimos o uniforme dos demais... As nossas qualidades, valores, regras, ambições, convicções, e, até mesmo, vulnerabilidades, serão as que consideramos que outros irão aprovar e partilhar. Parece funcionar: vemos a nossa “rede” social crescer (é agora tão fácil gostarem de nós), somos elogiados pelo corte de cabelo ousado ou pelo destino de férias convencional, e isso, de uma forma que ainda não sabemos efémera, traz-nos satisfação e uma sensação que se assemelha a bem-estar. Vamos assim, de forma mais ou menos gradual, perdendo-nos de nós, de quem somos bem lá dentro de nós mesmos, da nossa identidade.
Só nós sabemos, mas muitas vezes sabêmo-lo tão bem, que aquela pessoa que alguns parecem até admirar não existe. E é como se quanto maior a diferença entre esse Eu e o nosso Eu genuíno, verdadeiro, maior a angústia que sentimos. A satisfação de outrora dá então lugar a mais sofrimento, desilusão, reforçando o desapreço (e, por vezes, até mesmo raiva) por quem somos na verdade. Torna-se cada vez mais difícil darmos a conhecer o nosso verdadeiro Eu aos outros ( “Se eles soubessem quem sou na verdade nunca estariam perto de mim...”); ou, quando até arriscamos fazê-lo, há duas situações que tendencialmente parecem acontecer: acabamos por atrair pessoas que partilham, e ajudam a perpetuar, a visão que temos acerca de nós mesmos, e/ou, quase invariavelmente, iremos desconfiar de alguém que veja além dos nossos defeitos e vulnerabilidades, aceitando-nos e gostando de nós por quem somos realmente ( “Como pode alguém gostar de alguém tão pouco interessante como eu? De certeza que me engana e me vai magoar...”).
Somos inundados por um enorme vazio, uma sensação de nada... não nos temos e não temos quem queremos parecer. Há como que uma dança entre o vazio, a solidão de e em nós mesmos, e a fuga aos momentos a sós, em que parecemos ignorar que existem mais para além desses dois passos, como se não pudessemos tentar outros movimentos que nos ajudem a dançar de uma forma diferente, harmoniosa, mais próxima de nós.

Será possível sentirmo-nos felizes com outros, nas diferentes relações que estabelecemos, se não nos sentirmos felizes quando estamos a sós connosco próprios? Sabe-se hoje que promovermos esta arte de bem estarmos a sós em nós não nos torna anti-sociais, e, pelo contrário, ajuda-nos a melhor estabelecer relações. Conseguirmos ser íntimos de nós mesmos permite-nos alcançar uma maior e mais autêntica intimidade com os outros. Saber amarmo-nos a nós mesmos pode ser das atitudes mais generosas e românticas que podemos alguma vez ter pelos que gostam de nós. Ao aprendermos a gostar de nós próprios, ao sermos capazes de nos amarmos a nós mesmos, aprendemos a olhar o outro não como alguém com baixos padrões, mas como uma pessoa adorável por gostar de alguém como nós.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

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