sexta-feira, 24 de junho de 2016

Perdoar... ou a arte de tolerar

“Toda a gente diz que o perdão é uma ideia adorável, até terem algo para perdoar. “
C. S. Lewis

Há coisas que nos podem parecer fáceis de perdoar: como o atraso num encontro, um email não respondido, uma palavra desagradável. Mas será que perdoamos efectivamente nestas situações? Será que ganhamos algum entendimento acerca do que aconteceu, e que o explique? Arrisco assumir que, em algum momento, todos nós já fomos magoados. E admito que possa ser muito tentador desistir de quem nos magoa e “simplesmente” deixar de gostar dessa pessoa, procurar esquecer o que aconteceu.
Ao não perdoarmos, podemos estar a dar às pessoas que nos magoaram um papel demasiado importante nas nossas vidas, permitindo-lhes, de certa forma,  manter as nossas mentes reféns do seu sadismo. Por outro lado, pode ser importante lembrarmo-nos de que, contrariamente ao que muitas vezes possamos pensar, as pessoas raramente são exclusivamente más: quando se comportam de formas absurdas, geralmente é porque estão, por algum motivo, demasiado ansiosas ou mesmo assustadas. Ainda que o comportamento delas possa parecer forte, ninguém que se sentisse realmente forte agiria de forma tão gratuitamente ofensiva.
Perdoar envolve sermos capazes de ultrapassar a crença de que quem nos magoa o faz por pura maldade - aquilo a que chamamos maldade tem, muitas vezes, origem na dor, fraqueza, cansaço, insanidade, desespero ou mesmo idiotice. A raíz destes comportamentos “imperdoáveis”, “inaceitáveis”, está, muito mais frequentemente do que por vezes possamos admitir, no terror e na ansiedade. Como tal, deviam ser encarados mais com compaixão do que com indiganção, mais com tristeza do que com fúria.
Chegamos à questão de sempre: Como? Como é que, de repente, podemos fazer uma mudança de perspectiva tão profunda? Se pensarmos bem, talvez esta não seja uma verdadeira mudança. Sabemos como praticar esta atitude, até porque já o fazemos constantemente, naturalmente... com as crianças! Mas quando as crianças estão rabujentas, não nos agarramos à ideia de que estão a ser más para connosco e por isso desistimos delas... questionamo-nos se terão dormido o suficiente ou se  terão fome, se estarão preocupadas ou a ser magoadas por alguém. Ou seja, perdoar não é uma tarefa que precisemos aprender de raíz, apenas precisamos alargá-la ao leque de pessoas com quem estamos dispostos a praticar o perdão. A verdade é que estamos tão familiarizados com a ideia de que olhar para as pessoas como sendo mais novas ou imaturas do que realmente são é demasiado condescendente, que nos esquecemos das vantagens que podem haver em olhar para alguém para lá do seu Eu adulto, interargir com e perdoar a criança ansiosa, desapontada, ou furiosa, que também é. Desafio-vos a que, em momentos de tensão em casa, parem um pouco e pensem nas imagenss dos vossos companheiros quando tinham 6 anos, com um sorriso nervoso à porta da escola, ou na praia a brincar na areia. Será mais difícil, muito mais difícil, ficarmos indignados e ofendidos com os seus comportamentos actuais se nos lembrarmos de onde esta pessoa veio.
Por outro lado, poderá ser mais fácil perdoar se formos capazes de reconhecer a nossa própria natureza “pecadora”... Se há pouco assumi que em algum momento todos nós já fomos magoados, arrisco também que, em algum momento das nossas vidas, inevitavelmente, todos nós já mentimos, magoámos, enganámos, humilhámos, intimidámos, ou fugimos de alguém. Também nós, para sobrevivermos, precisamos contar com o perdão de tantos outros.
Contudo, há uma outra tendência que muitas vezes inviabiliza a possibilidade de perdoarmos: em tempos difíceis, tendemos a ver quase exclusivamente os defeitos, as falhas. Muitas vezes encontramos (detemo-nos, até) os pontos fracos dos outros quando estamos em risco de deixar de conseguir ver os seus pontos fortes.

Por outro lado, importa recordarmos novamente que somos humanos, e de que todos nós teremos defeitos nas nossas qualidades, que as nossas forças têm também fraquezas. Para perdoar, que tal arriscarmos procurar perceber quais são os pontos fortes dos quais essas características irritantes (nos outros e em nós) são os lamentáveis lados sombra? Perdoar deve implicar fazermos tudo o que pudermos para manter à vista os pontos fortes, as qualidades (do outro ou de nós próprios), em momentos em que os pontos fracos, os defeitos, as fraquezas estão apenas dolorosamente evidentes.

Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

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