sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

"É para amanhã... Bem podias viver hoje"

 ... Porque amanhã quem sabe se vais cá estar
Ai tu bem sabes como a vida foge
Mesmo que penses que está p'ra durar
(António Variações,  in É p'ra amanhã))


Já escrevi antes sobre Procrastinação, sobre Desprocrastinar... como lidar com esse adiar não produtivo a que por vezes nos entregamos, o protelar das tarefas mais ou menos triviais que vai ganhando espaço nas nossas vidas, roubando-nos tempo e experiências.


Na letra de É pr'amanhã, António Variações parece falar também de procrastinação (É p'ra amanhã/ Bem podias fazer hoje/ Porque amanhã/ Sei que voltas a adiar), destacando o impacto negativo que esta pode ter na vida do procrastinador  (Quando pensares/ No tempo que perdeste/ Então tu queres/ Mas é tarde demais), e na urgência de viver no agora (É p'ra amanha/ Bem podias viver hoje/ Porque amanhã/ Quem sabe se vais cá estar). Mais do que isso, Variações parece ir além do simples adiar de objectivos e obrigações, e antes falar de sonhos, vontades, desejos desperdiçados ao tempo, de projectos, decisões, vidas, que ficam por (se) cumprir.

Mas, então, por que adiamos o que desejamos? O que nos impede de tentar cumprir o que escolhemos? O que fazemos aos nossos sonhos?


Eu sei que tu
Andas a procurar
Esse lugar
Que acerte bem contigo

Estaremos a ser demasiado exigentes? Mas... e quando já sabemos aquilo que queremos, para onde queremos ir... o que nos detém?


Do que aparece
Tu não consegues gostar
E do que gostas
Já está preenchido


Estaremos a arranjar “desculpas” para não avançar? Porquê? Para quem? Quando e se a vida é nossa, e a escolha foi feita por nós...?!?


Há, por vezes, momentos nas nossas vidas em que, depois da dificuldade em escolher o destino, em olhar com clareza o horizonte, e já com uma noção do caminho por onde queremos ir... não vamos. Ficamos. Permanecemos. Não avançamos, mas também não abandonamos o caminho. É como ficar à porta de casa com a mala feita e os bilhetes da viagem na mão. Não vamos, mas também não deixamos de ir.

À medida que o tempo passa, ficamos cada vez mais e mais desconfortáveis nessa posição, e ainda mais por não avançarmos para onde queremos ir. E esse desconforto, a dúvida acerca do motivo, pesa-nos, sobrecarrega-nos, parece fazer-nos sentir que é ainda mais difícil partir...


Por vezes tomamos decisões sem que a emoção e a razão sejam integralmente consideradas (nem tem que assim ser). Contudo, estes são os momentos em que, racionalmente, a decisão que tomámos parece considerar e responder todos os critérios que estipulámos, mas, emocionalmente, não nos sentimos seguros em avançar, as nossas emoções não parecem agradadas com aquilo que a nossa razão escolheu. A mente decidiu, mas o corpo não avança. Procurar alcançar aquilo que se deseja pode ser sentido como insuportavelmente arriscado, como se o desconhecido nos colocasse à mercê do destino, da esperança, do que não podemos controlar, e mesmo da possibilidade de perda. E vem a ansiedade, a tristeza, o medo do que aí vem e que nos paralisa.

Deixemo-los entrar. Aceitemos que podem ser sinais importantes do nosso caminho. Sinais que podem ajudar-nos a perceber, por exemplo, que estamos a tentar caminhar para onde deveríamos ir, e não para onde queremos genuinamente chegar.



Ana Luísa Oliveira escreve de acordo com a antiga ortografia.

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