Poderá
a doença mental ser uma forma última que o sujeito encontra para comunicar com o
mundo, na tentativa de encontrar um caminho para resolver um sofrimento sentido
como intolerável?
Este é o princípio a partir do qual o filme “
Lars e o Verdadeiro Amor” se desenvolve e que nos permite lançar um outro olhar na forma como entendemos
a doença mental.
Lars é um homem com muitas dificuldades de
socialização, demonstrando pouco ou nenhum interesse em se relacionar com a sua
família e colegas de trabalho. Do seu passado sabe-se que a sua mãe morreu no
parto e que Lars foi educado pelo seu pai, também ele um homem afetivamente
distante. Apesar do interesse e do
esforço demonstrado pela família e por outras pessoas do seu trabalho e da comunidade
em comunicarem com ele, Lars prefere o isolamento, não estabelecendo
praticamente qualquer tipo de diálogo e revelando inclusivamente uma intolerância
ao toque que lhe provoca dor.
Quando
Lars comunica ao irmão e cunhada que gostaria de lhes apresentar a sua namorada,
de nome Bianca, e chega com uma boneca de silicone, falando com ela como se de
uma mulher real se tratasse, a família de imediato percebe o estado perturbado
em que Lars se encontra e procura aconselhamento médico.
A
médica que também é psicóloga, esclarece que Lars se encontra descompensado e a
sofrer de uma perceção distorcida da realidade mas que esta pode ter sido a
forma que ele encontrou para conseguir comunicar com o mundo. Por indicação da
médica, a família e a comunidade mobilizam-se para compactuar com esta ilusão,
num esforço coletivo e solidário para ajudar Lars, integrando a sua namorada
Bianca como um membro da comunidade.
Gradualmente,
Lars começa a tornar-se mais comunicativo e alegre, procurando envolver-se mais
com a sua família e amigos. Bianca constitui-se claramente como uma ponte que
Lars construiu para, através dela, conseguir sair para fora da sua carapaça e
comunicar com os outros e em particular com a figura feminina. É interessante
como Lars projeta em Bianca a imagem de uma mulher idealizada, que partilha
consigo muitas características e que se constitui como um importante suporte
emocional para ele.
A
determinada altura, Lars encontra Bianca inconsciente na cama e percebe que ela
está mal de saúde. Começa então a desenhar-se a despedida de Lars em relação à
sua criação, o que revela que esta
deixou de ter utilidade para ele e que ele está pronto para resgatar a sua
independência e a relação com o mundo.
A
despedida e morte de Bianca podem representar igualmente uma oportunidade para Lars
finalmente elaborar a dor relacionada com a perda da mãe, abrindo-lhe a
possibilidade para se relacionar com uma rapariga real, Margo, uma colega de
trabalho que está ao seu lado no último adeus a Bianca e que há muito que vinha
demonstrando interesse por ele.
Este é um filme com uma dimensão humana
muito marcante e que vem novamente reforçar a importância da relação, aqui conseguida
a partir de um objeto irreal, na transformação do ser humano. Porque é no
encontro com o outro que nos podemos encontrar a nós próprios e assim crescer e
evoluir.
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