O Coração da Loucura, retrata a
trajetória de Nise da Silveira, uma psiquiatra brasileira revolucionária que
lutou na sua época pela humanização dos tratamentos na saúde mental.
A história do filme decorre em 1944,
altura em que Nise vai integrar o Hospital Psiquiátrico Nacional Pedro II, no
Rio de Janeiro, deparando-se então com os tratamentos convencionais e
agressivos adotados nos doentes com esquizofrenia, nomeadamente os eletrochoques
e a lobotomia. Face à sua recusa em utilizar tais métodos, dada a violência dos
mesmos, Nise é “afastada” pelo corpo clínico e colocada a dirigir o então
abandonado e considerado como menor, serviço de Terapia Ocupacional.
É neste contexto que uma nova abordagem
com os doentes começa a ser desenhada pela mão de Nise, uma abordagem sustentada
num contacto personalizado e baseado no afeto e no respeito pela
individualidade. O acolhimento afetivo e
o reconhecimento da identidade de cada uma daquelas pessoas, abre um espaço
potencial para a retoma de um desenvolvimento que ficou suspenso. Ciente da
importância do papel das relações afetivas nestes “clientes”, conforme ela os designava,
Nise também foi uma pioneira na introdução da terapia assistida por animais,
utilizando os cães como co-terapeutas.
Em alternativas às terapias
convencionais e agressivas da psiquiatria clássica, Nise introduz tratamentos
através de atividades expressivas, tais como a pintura e a modelagem, que
começam a ganhar destaque como meios privilegiados de acesso ao mundo interno destas
pessoas. A livre expressão artística, passa a ser entendida como uma nova
linguagem para a compreensão e tratamento dos clientes psicóticos, espelhando
as emoções mais profundas dos mesmos. No estudo dessas imagens, Nise constatou
que um dos símbolos que aparecia com maior frequência no trabalho dos doentes
esquizofrénicos eram as formas circulares, parecendo existir uma contradição no
aparecimento de um símbolo de unidade num funcionamento desorganizado e
fragmentado como o do esquizofrénico.
Na correspondência que estabeleceu
com Carl Jung a este respeito, Jung respondeu-lhe que aquelas formas circulares
eram mandalas e expressariam o potencial auto-curativo da psique, isto é, as
forças da psique que buscam a ordem e a unidade no psiquismo de pessoas que
estão a experimentar períodos de grande confusão e desorganização mental. Essa
correspondência foi o início da introdução da Psicologia Jungiana na América Latina,
que se constituiu como uma das ferramentas fundamentais no desenvolvimento da obra
de Nise.
Como a própria dizia, “É preciso não
se contentar com a superfície”, entendendo a arte
como manifestação do inconsciente individual e coletivo e o processo criativo
como tratamento.
Os talentos artísticos extraordinários
que se revelaram nestas pessoas, chamaram a atenção do mundo das artes,
nomeadamente de um crítico de arte muito conhecido chamado Mário Pedrosa que
denominou esta arte como Arte Virgem pelo facto destas pessoas não terem
qualquer formação artística.
Em 1952, foi inaugurado o Museu de
Imagens do Inconsciente, de grande importância para o estudo do processo psicótico
e que ofereceu aos investigadores melhores condições para acompanhar a evolução
de casos clínicos através da produção artística espontânea.
Nise ao trocar o eletrochoque pelo
afeto abriu novas possibilidades para a compreensão do mundo interior do
paciente esquizofrénico.
“O que melhora no atendimento é o contacto afetivo de uma pessoa com a
outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito.” Nise da Silveira
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