O mês de Agosto é para muitos de
nós aquela altura do ano, em que, independentemente de estarmos a trabalhar ou
de férias, temos mais vontade de apanhar sol, de ir a uma esplanada, de ir à praia, de lermos algum ou alguns livros na tentativa de colocarmos a leitura
em dia, de ouvirmos música, descobrir alguma música nova ou ouvir as nossas
favoritas, ou simplesmente ouvir com mais atenção a letra.
Esta leveza de estar, por termos
roupas leves, por os dias serem mais longos, por tudo andar a meio gás, pode-nos
permitir estar mais connosco e com os outros, de uma forma mais genuína e
total. Também ao ouvirmos uma música essa pode ser mais explorada, mesmo que já
a tenhamos ouvido antes. Ouvir a letra, ouvir os instrumentos, ouvir cada
pequena parte que constitui a música e ouvir o todo, como se a estivéssemos a
ouvir pela primeira vez...
Este mês decidi trazer uma
música, “O medo do medo”, da Capicua.
Admito que não sigo muito este género de
música, mas quando a ouvi pela primeira vez achei-a fantástica, com uma
mensagem muito forte. Capicua despe a sociedade das suas máscaras, e sem
preconceito, de forma nua e crua descreve algo que a maioria não quer admitir:
os seus medos e a forma como lida com eles.
O medo está presente em todos
nós, “é a resposta emocional a uma ameaça iminente
real ou percebida, com pensamentos de perigo imediato e comportamentos de fuga,
podendo o nível de medo ser reduzido por comportamentos constantes de esquiva” (DSM-V
- Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais 5ª edição).
É importante aceitar que o medo
faz parte de nós e que é adaptativo, contudo, de uma forma exagerada é algo
muito limitativo, que pode condicionar a nossa forma de viver. Muitas vezes
para evitarmos o que nos causa medo, fugimos de situações e criamos estratégias
que se vão incorporando em nós, muitas vezes criando a ideia ilusória de que
não temos medo nenhum, mas que optamos apenas por não ir ao encontro daquela
determinada situação. Naturalmente ajudará aceitarmos que temos esse medo, para
caso estejamos dispostos, em algum momento o podermos confrontar, e assim desenvolver
estratégias para lidar com a situação e não continuarmos condicionados.
Capicua, nesta letra, consegue
retratar de uma forma muito clara os medos mais sentidos por todos nós. Desde o
medo natural de adaptação às fases da vida, do crescer, da rotina e da
responsabilidade, do envelhecer, da solidão; das doenças; do medo de falhar as
nossas expectativas e a dos outros; medo que os outros nos façam mal; medo de
nós próprios, do nosso medo, da loucura.
Relativamente ao medo e à forma como
ele se alimenta a si próprio, vou dar um exemplo. Vamos de férias e estamos
muito entusiasmados com o local novo que vamos conhecer. Ao mesmo tempo, e apesar
de algumas vezes não nos darmos conta, há uma pequena parte do nosso cérebro (a
parte mais instintiva, essencial para a sobrevivência) que se activa para analisar
todo o tipo de ameaças possíveis (desde da queda do avião, ao mosquito, etc.) e
ambas as informações se vão unir, comunicar e influenciar uma à outra. Podemos
efectivamente pensar que é um medo natural por andarmos poucas vezes de avião,
ou porque é um sítio novo e é natural estarmos um pouco preocupados em termos
mais informação (essa é a parte mais adaptativa do medo). Mas também podemos
não aceitar de forma natural esse medo e ficarmos alarmados por o ter, e juntamente
com a influência das outras pessoas e dos media, cada vez que nos lembramos, ou
somos lembrados da possível ameaça, mais medo iremos sentir, independentemente
do real perigo. E tendo em conta que o medo é contagiante e que ao nos focarmos no medo, ele vai-se tornar cada vez mais real, leva-nos a um medo cada vez mais
intenso e exagerado.
Assim, também me parece
importante reflectirmos sobre o próprio marketing e publicidade que as várias
empresas de qualquer tipo nos incutem diariamente, em que muitas das vezes se baseiam
no medo, e a influência que daí permitimos aceitar. O perfume da moda, a roupa
da moda, o telefone da moda, incute-nos tão simplesmente o medo de não
pertencermos a um grupo, de não sermos bem vistos, de sermos rejeitados pelos
outros (medo que nos apontem o dedo – rejeição social).
Será que ao estarmos atentos e
apercebermos-nos da certa “manipulação” publicitária podemos evitar sentir essa
necessidade? Será que uma maior consciência dos nossos medos nos permite
aceitá-los como adaptativos sem nos limitar?
Obrigada Capicua por esta letra
fantástica que nos permite tanta reflexão!
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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