A Revista Vogue Portugal na sua edição de Novembro 2018 publicou um artigo sobre o Síndrome do Impostor, que faz a compilação de diversas fontes, para o qual fui convidada.
"What a feeling...
Como os outros me veem: confiante e relaxada.
Como me vejo: uma autêntica desgraça ambulante que não faz ideia do que está a fazer e todos os dias acha que é o dia em que o seu patrão vai olhar para si e dizer. põe-te na rua és uma autêntica fraude"
Aqui seguem as respostas que dei a algumas perguntas colocadas pela Revista Vogue:
1. Como se pode definir o síndrome do impostor e como se manifesta? Quais as suas piores consequências?
O síndrome do impostor não é uma doença, é um sentimento que muitas pessoas
sentem e que nem sempre conseguem identificar.
O termo foi inventado em 1978 por duas psicólogas, Pauline Rose Clance e
Suzanne Imes. Contudo, estas duas profissionais nunca mencionaram directamente
um “síndrome” mas sim uma experiência à qual todos poderiam ser confrontados um
dia, um mecanismo psicológico de defesa.
A ideia central deste mecanismo envolve a forma como os outros nos veem e a
maneira como cada um se vê a si próprio, principalmente em relação às
conquistas profissionais (mas não só). Quem é impostor de si próprio não
acredita nas evidências visíveis de que é competente, porque considera-se
inferior relativamente aos outros e incapaz. Baseia-se principalmente em não
sentir que se merece um reconhecimento ou elogio por algo que se tenha feito (não
acreditam que estão onde estão por mérito próprio), que o sucesso que se
alcançou não lhe pertence e que a única coisa que pode explicar o feedback
positivo é a sorte, vive perturbada pelo medo de que, um dia, descubram que ela
é uma fraude.
As pessoas que sofrem do síndrome do impostor geralmente apresentam algumas
das seguintes características:
1. Necessidade de se esforçar sempre mais
A pessoa acredita que sabe menos que os outros, por isso sente que precisa de
se esforçar muito mais, para justificar as suas concretizações. O
perfeccionismo é utilizado como justificação do desempenho, mas causa muita
ansiedade, cansaço, e desgaste.
2. Procrastinar
A pessoa como acha que ao apresentar uma tarefa será avaliada e criticada
de forma negativa, pode levar a que se adie compromissos e tarefas e levar o
máximo do tempo para cumprir estas obrigações de forma a evitar o momento da
avaliação e crítica.
3. Auto-sabotagem
A pessoa acredita que o fracasso é inevitável, e que a qualquer momento
alguém a irá desmascarar à frente dos outros. Desta forma, pode não se esforçar
tanto, evitando gastar energia para algo que acredita que não irá correr bem.
4. Medo da exposição
É comum que a pessoa esteja constantemente a evitar os possíveis momentos de
avaliação e por isso a escolha de tarefas e até mesmo da própria profissão são,
muitas vezes, baseadas naquelas em que serão menos perceptíveis, evitando ser
alvo de avaliações e críticas.
5. Comparação com os outros
Ser perfeccionista, exigente consigo e comparar-se com os outros
apercebendo-se que é inferior ou sabe menos que os outros, são algumas das
principais características desta síndrome. Podendo mesmo haver a sensação de
que nunca se é boa o suficiente em relação aos outros, o que gera muita
angústia, tristeza, frustração e insatisfação.
6. Querer agradar a todos
Para compensar o que a pessoa acha que não tem e procurar alcançar
aprovação pelos outros, pode adoptar uma atitude de tentar causar boa impressão
e tentar agradar a todos, podendo até, sujeitar-se a situações humilhantes.
Além disso, a pessoa com síndrome do impostor passa por momentos de muito
stress e ansiedade, por achar que, a qualquer momento, pessoas mais capacitadas
irão substituí-la ou desmascará-la. Assim, é muito comum que essas pessoas
desenvolvam sintomas de ansiedade e depressão.
Apesar do síndrome do impostor estar muito associado ao contexto
profissional, este sentimento pode ser sentido também na área pessoal, familiar
ou sentimental. A dúvida permanente sobre si próprio faz com que se negue a
qualquer recompensa positiva, e isso pode traduzir-se no trabalho, mas também
por elogios à nossa aparência física, a relações amorosas e sentimentais, etc.
2. Como se desenvolve?
O síndrome do impostor é um mecanismo psicológico caracterizado pela dificuldade / incapacidade
de assimilar os próprios méritos e conquistas e pelo sentimento constante de
inadequação. Não importa o quão perfeccionista e exigente a pessoa é, nem o
reconhecimento apresentado pelos outros. Se ela sofre da síndrome do impostor,
vai acreditar que tudo foi mera sorte ou que de alguma maneira conseguiu enganar
as pessoas para chegar onde está.
A origem desta crença é a comparação e a elevada exigência
Olha-se para as pessoas competentes do lado e acha-se que elas são
fantásticas e que também gostaríamos de ser assim… e começamos a questionar-nos
da razão de não sermos tão bons. E vamo-nos sentindo menos capazes. Ao nos
sentirmos inferiores, procuramos compensar com muito, muito esforço. Porém,
mesmo com todo o sucesso, nunca sentimos que é o suficiente, porque nem com
toda a dedicação e esforço se consegue ter uma vida exactamente igual à das
pessoas com quem nos comparamos. Ao olharmos para as conquistas dos outros e
nos estarmos a comparar constantemente, o resultado é a incapacidade de
reconhecermos as nossas próprias conquistas. E a ideia de que não conquistámos
nada e que não merecemos o reconhecimento das pessoas, ao ser repetida na nossa
cabeça, vai cada vez mais ganhando força e espaço, convencendo-nos que
somos um impostor. E geralmente, esta pessoa acredita que está sozinho
nesta forma de ver, levando a esconder mais tudo isto e cada vez isolando-se
mais e acreditando e forma mais convicta nestes seus pensamentos.
3. O síndrome do impostor manifesta-se mais nas mulheres
do que nos homens? Se sim, quais as razões principais?
As pesquisadoras
Pauline Rose Clance e Suzanne Imes, da Universidade do Estado da Geórgia,
publicaram, em 1978, o primeiro artigo com a nomenclatura “impostor” usada para
designar quem demonstrava sinais de auto-sabotagem. Esse artigo era direccionado
a mulheres que se lançavam aos negócios, numa época onde o mercado profissional
tinha um grande preconceito e eram vistas como mão de obra inferior ao do sexo
masculino. O estudo que deu origem ao artigo examinou cerca de 150 mulheres
bem-sucedidas (com títulos académicos, profissionais nas suas áreas ou
estudantes do ensino superior com excelente histórico escolar), e o resultado
foi claro: todas se consideravam impostoras. “Contrariando as suas realizações
académicas e profissionais, mulheres que apresentam o fenómeno do impostor
insistem em acreditar que elas não são boas o suficiente e que apenas enganam
quem pensa o contrário”, diz o artigo.
Na década de 80, a
psicóloga Gail Matthewsjuntou-se a Clance para novas pesquisas. Dessa vez,
descobriram que 80% das pessoas bem-sucedidas (tanto mulheres quanto homens) já
tiveram episódios de Síndrome do Impostor durante o seu percurso profissional. Com
o tempo, a síndrome foi ampliando para ambos os sexos, em proporção maior para
as mulheres.
. Por que afecta tanto
as mulheres?
Esta é também uma
condição mais associada às mulheres, especialmente aquelas que trabalham em
áreas marcadamente masculinas. O problema parece estar associado à dificuldade
maior que as mulheres sentem em se valorizar e admitir o próprio sucesso,
características que mais facilmente se veem nos homens.
As mulheres naturalmente
acabam por ter que provar que são eficientes, inteligentes, provar o seu valor
nos meios em que estão inseridas (ainda mais quando se tratam de meios
sobretudo masculinos). Culturalmente, de uma forma geral até aos últimos
tempos, as meninas eram direccionadas para
brincadeiras relacionadas com os afazeres domésticos, cuidados com bonecas que
representam bebés, cuidados com estética, tal como uma maior dedicação para as
áreas das ciências humanas ao invés das ciências exactas.
4. Como podemos aprender a contorná-lo ou a lidar com
ele? O que fazer quando surge aquela 'vozinha' na cabeça a duvidar do nosso
valor?
Ao termos consciência que sofremos deste síndrome (identificar o síndrome do Impostor nos
pensamentos e nas acções) é importante tentar encontrar estratégias para
redireccionar esse nosso enviesamento cognitivo, que nos leva apenas a ver um
lado.
O primeiro passo para
lidar com o síndrome do impostor é aceitar que não vai passar de um dia para o
outro, é um processo. Mas mudar certos hábitos irão ajudar nessa mudança:
- Aceitar elogios, ver
e admitir os nossos pontos fortes, avaliar o trabalho usando os feedbacks dos
outros (fazer uma lista dos comentários positivos), combater a exigência da
perfeição e aceitar que todos temos dúvidas e partilhar (vai-se descobrir que
há muitas outras pessoas que têm as mesmas ou outras dúvidas), evitar as
comparações constantes com os outros, falar sobre as realizações com os amigos
e familiares e dar uma pausa nas preocupações fazendo coisas que não têm nada a
ver com o seu trabalho e que o relaxam.
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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